Módulo 1
Introdução
Conceitos básicos e terminologias importantes para Emergência em Saúde Pública
Outros conceitos, combinados, são fundamentais para entender as Emergências em Saúde Pública no que diz respeito a ocorrência e impactos, são eles: ameaça, exposição, vulnerabilidade e capacidade de redução de risco, danos e agravos do setor saúde (Freitas et al, 2018; Rocha e Alpino et al, 2016).
As ameaças/perigos envolvem os eventos ou processos detonadores, os quais podem ser gerados pela dinâmica da natureza (meteorológicos, hidrológicos, climatológicos, biológicos, geofísicos/geológicos e extraterrestres) e/ou da sociedade (degradação ambiental, mudanças climáticas ou ameaças tecnológicas como os acidentes químicos e radio nucleares). Podem ser individuais, combinados ou sequenciais em suas origens e efeitos (Freitas et al, 2012; Freitas et al, 2018; Rocha e Alpino et al, 2016).
No caso das Emergências em Saúde Pública podemos citar as degradações ambientais e as mudanças climáticas, que se materializam nos desastres, e alterações nos ciclos de vetores e hospedeiros, como Chikungunya; Microcefalia/síndrome congênita do zika e COVID-19.
Vale ressaltar que ameaça sozinha dificilmente se transforma em Emergências em Saúde Pública, pois para que determinados eventos físicos se convertam em ameaças é necessário que haja a exposição de populações (Freitas et al, 2018).
A exposição é outro conceito-chave envolvendo eventos ou processos em que diferentes indivíduos e populações podem ser atingidos por eventos ou processos ambientais, a transmissão e infecção por agentes biológicos ou contaminação por agentes químicos ou radio-nucleares. A exposição ocorre em contextos espaciais (país, estado, município, bairro, setor censitário, assentamento rural, distrito sanitário etc.) e temporais (dias, semanas, meses, anos) específicos (Freitas et al, 2012; Freitas et al, 2018; Rocha e Alpino et al, 2016).
Porém, a intensidade e gravidade dos impactos das Emergências em Saúde Pública dependem do evento (ameaça/ perigo) e estes serão mais ou menos graves a depender das condições de vulnerabilidade (Freitas et al, 2018; Rocha e Alpino et al, 2016).
Os autores ainda afirmam que as condições de vulnerabilidade correspondem a expressões particulares de processos sociais, políticos, econômicos, como falta de trabalho, renda, educação, saneamento, água, biológicos (idosos, mulheres, gestantes, crianças) e ambientais (mudanças ambientais e climáticas resultantes da degradação ambiental – uso e tipo de solo, poluição de ar, solo, água, desmatamento) mais gerais da sociedade que podem produzir desigualdades e iniquidades nas condições de vida.
Para as Emergências em Saúde Pública as condições de vulnerabilidade social assim como o aumento das desigualdades sociais influenciam no impacto nos grupos populacionais vulneráveis.
Ainda dentro deste contexto, outros dois conceitos devem ser incorporados nesta discussão e definidos, são eles: desigualdade, equidade e iniquidade (Barata, 2001; Barreto 2017).
Desigualdade
É a falta de equilíbrio no padrão de vida das pessoas, ou seja, é a repartição desigual produzida pelo próprio processo social. As desigualdades sociais em saúde se referem à percepção de que as condições de saúde de diferentes grupos populacionais, assim como os riscos à saúde e o acesso a bens e serviços de um sistema de saúde estão fortemente determinados pela posição que os indivíduos ocupam na organização social. Ou seja, as características sociais postas para alguns grupos resultam em injustiças e desvantagens quanto à oportunidade de estes serem e se manterem sadios.
Equidade
É a ideia de atender às diferentes necessidades de grupos de pessoas dentro de cada país ou comunidade e entre países. Portanto, a simples partilha igualitária dos recursos não atenderia, obrigatoriamente, a essas necessidades. A OMS define equidade em saúde como a “ausência de diferenças injustas e evitáveis entre grupos de pessoas considerando os aspectos social, econômico, demográfico ou geográfico”.
Iniquidade
É a impossibilidade de realizar as diferentes necessidades que os indivíduos possuem, ou seja, um conceito oposto da equidade. Portanto, a simples partilha igualitária dos recursos não atenderia, obrigatoriamente, a essas necessidades. É uma “desigualdade evitável" entre grupos populacionais.
Atenção
No contexto da COVID-19, as situações de desigualdade social apresentadas por meio da precarização das condições de vida de uma parte significativa da população brasileira, associada com a ausência de políticas públicas com foco no acesso a trabalho, renda e nos serviços e cuidados em saúde, impedem que estes grupos sigam determinadas medidas sanitárias, como o isolamento e distanciamento social, para diminuir a transmissão e contaminação pelo vírus. Aumentando assim a frequência e os danos e impactos sanitários, sociais e econômicos da COVID-19, especialmente em grupos vulnerabilizados. A forma como a pandemia da COVID-19 se expressa amplia as desigualdades sociais já existentes para significativa parte da população brasileira, além de agravar as iniquidades (contaminação, morte, fome e violência) (Sposati, 2020).
Tendo como referência o cenário atual, a pandemia da COVID-19 é uma Emergência em Saúde Pública que causa também impactos sociais e econômicos para a população, estes por sua vez são potencializados pelas condições de vulnerabilidade e desigualdade social, de renda, étnico-racial, de gênero e de acesso a serviços de saúde.
Para Refletir
Para entendermos melhor esses conceitos vamos refletir sobre este cenário. A pandemia como um evento, tem como ameaça/perigo um agente biológico pela dinâmica da natureza, o vírus Sars-COV-2, transmissor da COVID-19. Além de ameaças antropogênicas, como as mudanças climáticas, degradações ambientais, desmatamento, que são gerados pela sociedade e que potencializam a ocorrência desta doença infecciosa.
Estas ameaças se combinam a exposição de indivíduos e populações, gerando o potencial de danos e agravos à saúde, como por exemplo, indivíduos e populações que não podem fazer o isolamento social, que necessitam utilizar os transportes públicos, trabalhadores informais e essenciais, moradores de rua, além dos que não tem acesso a máscaras de qualidade estão mais expostos ao vírus.
E estes, por sua vez, se combinam com as condições de vulnerabilidade, a ausência e/ou insuficiência de recursos, estratégias de prevenção e/ou tratamento da doença em seus cotidianos, associados às dificuldades de realizar o isolamento social, manutenção do emprego e renda, bem como menor acesso à saúde e saneamento básico. Sendo assim, as populações em condições de vulnerabilidade social são as mais impactadas pela COVID-19. Por fim, todos estes fatores influenciam na ocorrência e nos impactos da pandemia, como uma Emergência em Saúde Pública (Cestari et al, 2021; Rocha e Londe, 2021).
Reduzir os riscos e impactos das Emergências em Saúde Pública necessariamente implica também em reduzir ou eliminar as condições de vulnerabilidade por meio de ações que melhorem as condições de vida e infraestrutura. Além disso, são necessárias ações de preparação e resposta capazes de reduzir os fatores de riscos para as Emergências em Saúde Pública (Rocha e Alpino et al, 2016).
Desta maneira, é necessário a priorização de recursos públicos e o reforço de ações de promoção da saúde e medidas preventivas em locais de maior vulnerabilidade social para favorecer a formulação de novas políticas e programas sociais e econômicos para os grupos vulneráveis, diminuindo desigualdades sociais e os impactos da pandemia da COVID-19.
Ao entendermos que as situações de vulnerabilidade estão diretamente relacionadas à intensidade e aos impactos das Emergências em Saúde Pública e do processo de Gestão de Riscos nas condições de vida e saúde das populações, o conhecimento e a compreensão dos territórios tornam-se essenciais para a orientação do trabalho preventivo e auxiliam nas tomadas de decisões diante da ocorrência de Emergências em Saúde Pública.
Desta maneira, conhecer e compreender os territórios, ameaças e situações de vulnerabilidades dos indivíduos e populações e fatores de riscos irá influenciar diretamente na capacidade de resposta do setor saúde as Emergências em Saúde Pública para a redução dos riscos, agravos e danos.
Freitas et al, 2018
A capacidade de resposta do setor saúde envolve desde as ações da atenção em saúde (atenção básica, urgência e emergência, atenção hospitalar, leitos clínicos e de UTI) e de vigilância em saúde de curto a longo prazo para a redução dos riscos, agravos e danos. Por isso, quando o setor saúde de um território tem insuficiente capacidade de resposta para atender a população afetada durante uma Emergência em Saúde Pública, isso resulta em maior vulnerabilidade, desigualdade e iniquidade dos indivíduos e populações. Além deste ser um elemento central que se conecta com todas as etapas do processo de Gestão de Riscos, desde a redução, prevenção, preparação, resposta e reconstrução (Silva, 2019).