Módulo 1

Introdução

Aula 1

Breve histórico das emergências em saúde pública no cenário global e nacional

Se considerarmos o presente século como limite temporal para uma breve análise, podemos identificar uma série de eventos agudos em saúde, que evidenciam a elevada frequência e gravidade com que incidem na população e a diversidade de agentes e fatores envolvidos na sua produção e disseminação ou propagação.

Algumas características das emergências em saúde pública que ocorreram neste período merecem destaque. Foram registrados eventos de diferentes naturezas e origens, abarcando epidemias, doenças emergentes e desastres.

2001

Ataque terrorista nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001
Fonte: Flickr

No início do século destacamos dois eventos de origem intencional, que ocorreram em 2001 nos Estados Unidos (o ataque terrorista ao World Trade Center e a outros locais do país; a propagação intencional de esporos do Bacillus anthracis, por meio de envelopes postais em diversos estados).

Embora tenham apresentado magnitude e motivações diferentes, ambos evidenciaram uma série de fragilidades na capacidade de resposta a eventos dessa natureza e magnitude naquele País, mas também contribuíram para o fortalecimento nacional e global dessas capacidades ao longo dos anos (Khan, 2011; Jernigan et al, 2002).

  • Aproximadamente 3000 pessoas morreram, a maioria no WTC;
  • 490.000 pessoas afetadas;
  • Insuficiências na resposta à emergência;
  • Instituição de novos procedimentos para gestão de emergências.

Fontes: Khan, 2011; Lucchini et al, 2017

2001

Casos de antraz por liberação intencional em setembro/outubro, 2001 nos Estados Unidos
Fonte: Wikipedia

A liberação intencional de esporos do Bacillus anthracis, por meio de envelopes postais, a partir de setembro de 2001 nos Estados Unidos, gerou 22 casos (5 mortes) por Antraz, além de um colapso nos serviços postais, serviços de atenção à saúde e laboratórios.

2002
-
2003

Epidemia de SARS
Fonte: Governo do Brasil

Já no ano seguinte, a primeira pandemia do presente século teve início em novembro de 2002 na província de Guangdong – China, disseminando-se para outros territórios desse país e, posteriormente, para outros continentes. A Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars em inglês), provocada por um coronavirus e que produziu 8.098 casos (774 óbitos), disseminou-se para 25 países em poucos dias a partir de um surto em hotel de Hong Kong (Hung, 2003).

2005

Furacão Katrina, New Orleans - EUA, 2005
Fontes: US Senate, 2006.

Em 2005, o furacão Katrina, que atingiu Nova Orleans – Estados Unidos, apresentou um grande impacto, com a morte de mais de 1.500 pessoas, além dos desaparecidos, das perdas materiais e econômicas (custo estimado de US$ 108 bilhões) e dos transtornos gerados pelos deslocamentos da população. Em que pese as lições aprendidas com eventos anteriores, especialmente com o ataque terrorista de 2001, o enfrentamento das consequências desse desastre foi considerado muito insuficiente pelo Congresso Nacional daquele país e evidenciou a necessidade de melhorar os mecanismos de preparação e resposta aos desastres (US, 2006).

  • Milhares de famílias deslocadas;
  • Demora na ajuda do governo federal.

2007
-
2010

H1N1
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Distribuição global de mortes associadas com a pandemia de Influenza A H1N1 durante o primeiro ano de circulação viral por país
Fonte: Dawood FS et al, 2012.

Desde período anterior ao ano 2005 o mundo vinha se preparando para a ocorrência de uma pandemia provocada por algum vírus de influenza aviária (em especial pelo H5N1), considerando-se a ocorrência de casos humanos por este vírus na Ásia e a ausência de imunidade da população mundial. Entretanto, esta previsão não se confirmou. A partir de fevereiro de 2009, teve início uma nova pandemia na fronteira do México com os Estados Unidos, dessa vez, produzida pelo vírus influenza A[H1N1]pdm09. Essa pandemia foi considerada a primeira emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII), já adotando os novos critérios do Regulamento Sanitário Internacional (RSI 2005), que havia entrado em vigor dois anos antes. Enquanto para todo o mundo tenha sido estimado um número de mortos entre 123.000 e 395.600 mortos, no Brasil, somente no ano de 2009 foram confirmados 50.482 casos graves e 2.060 óbitos haviam sido confirmados (Fineberg, 2014; Oliveira et al, 2009).

  • Notificados – 18.500 mortes confirmadas (Abril, 2009 - Agosto, 2010)
  • Estimados – 201.200 mortes (d. respir), 83.300 mortes (d. cardiovasculares)

2011

Acidente nuclear fukushima
Acidente nuclear em Fukushima, Japão, 2011
Fonte: Lucchini et al, 2017

Eventos relacionados aos desastres tecnológicos também causaram preocupação mundial de propagação de doenças neste período, como já havia sido demonstrado em décadas anteriores com o desastre nuclear de Chernobyl. Em março de 2011, após ser atingida por um tsunami provocado por um maremoto, a Central Nuclear de Fukushima apresentou o derretimento de três turbinas, liberando quantidades significativas de material radioativo. Embora estime-se que mais de 200.000 pessoas tenham sido expostas ao evento, o número de mortes relacionadas direta ou indiretamente ao evento nuclear teria sido muito pequeno, quando comparado ao número de mortes relacionadas ao terremoto e ao tsunami que precederam o acidente nuclear, (Lucchini et al, 2017; Ritchie & Roser, 2020).

2013
-
2016

Epidemia de Ebola (África)
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Epidemia de Doença pelo Vírus Ebola no oeste da África, 2014 a 2016
Fonte: WHO, 2016.

Entre 2013 e 2016 ocorreu uma epidemia pelo vírus Ebola, que atingiu a República de Guiné, Libéria e Serra Leoa (África Ocidental) e produziu um total de 28.616 casos com 11.310 mortes. Esta epidemia que veio a se constituir em uma ESPII, segundo os critérios do RSI 2005, revelou além das deficiências dos sistemas de saúde locais, agravados por situações de conflitos, uma insuficiente coordenação dos mecanismos de cooperação internacional (World Health Organization, 2015).

2013
-
2019

Vírus Zika
Controle de bebê com microcefalia causada pelo vírus zika
Fonte: OPAS, 2021.

Entre 2013 e 2014 uma nova pandemia teve início nas Américas, causada pelo vírus Zika associado aos casos de microcefalia e outros quadros neurológicos, tendo sido declarada como ESPII pela OMS em 2016. Esta emergência afetou seriamente o Brasil, especialmente após a detecção do aumento de síndromes neurológicas e das alterações congênitas associadas à infecção materna pelo vírus Zika no final de 2015, permanecendo em níveis elevados durante o ano de 2016.

No país, desde o início da epidemia até maio de 2019, mais de 3.406 casos do que veio a ser denominado posteriormente de Síndrome Congênita do Zika haviam sido confirmados. A partir da detecção da circulação do vírus e da sua associação com a ocorrência de casos agregados de alterações congênitas, houve uma rápida instituição de estratégias de vigilância e atenção à saúde para esses casos, para o que foi fundamental a articulação com instituições de pesquisa no país, além da colaboração com outros países e a OMS (Oliveira et al, 2017; Brasil, 2017).

2017
-
2019

Epidemia de Febre Amarela (Brasil)
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Epidemia de febre amarela silvestre no Brasil, 2016 a 2018
Fonte: Ministério da Saúde

A transmissão silvestre da febre amarela periodicamente tem gerado epidemias no Brasil desde 1999, ampliando sua área de disseminação para regiões extra-amazônicas, inicialmente para a região central e mais recentemente em direção ao leste e sul do país. Em 2017 teve início uma nova epidemia de Febre Amarela Silvestre, tendo sido confirmados 768 casos humanos no período de monitoramento (forma atual de análise temporal dos casos pelo Ministério da Saúde) de 2016/2017. Nos períodos subsequentes, houve continuidade na expansão geográfica da epidemia, com o registro de 1.376 (2017/2018) e 88 casos confirmados (2018/2019) (Giovanetti et al, 2019).

2018
-
2019

Epidemia de Sarampo (Brasil)
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Epidemias de sarampo no Brasil, 2019
Fonte: MS.SVS, 2019.

Após a interrupção da transmissão autóctone do sarampo em 2015, o país voltou a registrar uma epidemia da doença no ano de 2018, que teve início na região norte, vinculada à epidemia na Venezuela, decorrente das baixas coberturas vacinais em alguns grupos populacionais, bem como à continua importação de casos procedentes de países que nunca alcançaram a eliminação, especialmente na Europa e na Ásia. O retorno da transmissão atingiu outros países da região como os Estados Unidos, que também enfrentaram uma importante epidemia (Teixeira et al, 2018).

2018
-
2019

Epidemia de Ebola (República Democrática do Congo)
Micrografia eletrônica de varredura do vírus de ébola (em vermelho) sobre a superfície de uma célula de cultivo.
Fonte: Wikipedia

O vírus Ebola ainda gerou uma nova epidemia no continente africano em 2018, dessa vez na República Democrática do Congo tendo sido registrados de 3.175 casos, entre os quais, 2.122 evoluíram para óbito (letalidade 67%) até 24 de setembro de 2019.

2019

Rompimento da barragem de rejeitos da Vale SA em Brumadinho - MG, 2019
Fonte: Freitas et al, 2019

Em 2019 o Brasil foi palco de mais uma tragédia relacionada aos desastres tecnológicos. Quase quatro anos após o rompimento da barragem de rejeitos da empresa Samarco (subsidiária da Vale) em Mariana (MG), outro desastre com características semelhantes ocorreu em Brumadinho (MG), envolvendo novamente a empresa Vale SA. Este último evento gerou um dano na população maior que o anterior, tendo sido registrados quase 300 pessoas que morreram ou se encontravam desaparecidas até o momento. Dezoito municípios e duas bacias hidrográficas foram diretamente atingidas e os danos ambientais ainda estão sendo mensurados (Freitas et al, 2019).

2019

Derramamento de petróleo na costa brasileira, 2019
Fonte: MAPA. Localidades atingidas. Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, 2019

Ainda no ano de 2019 um novo desastre provocou danos ambientais e na vida das populações litorâneas nos Estados do Nordeste, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Um derramamento de óleo bruto, tendo como origem presumida algum navio em trânsito pela costa brasileira, atingiu mais de 130 municípios e comprometeu a subsistência de comunidades populações que vivem da pesca, coleta de mariscos e do turismo. Ainda que o número de pessoas que apresentaram sinais ou sintomas leves possivelmente relacionados à exposição ao produto não tenha sido devidamente registrado, o histórico de eventos de natureza semelhante ocorridos no Golfo do México (2010) e no Alasca – Estados Unidos (1989), coloca a necessidade de monitoramento para eventual surgimento de efeitos crônicos (Carmo e Teixeira, 2019).

  • Mais de 400 localidades atingidas em todo o Nordeste, ES e RJ;
  • 149 casos agudos notificados em PE;
  • Desenvolvimento de manifestações crônicas.

2019
-
2021

Epidemia Covid-19
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Número de mortes por região
Fonte: WHO.

No final de 2019 teve início a mais recente pandemia, provocada pela COVID-19 e que constitui a sexta ESPII. Esta pandemia ainda está em curso, representa um dos eventos de saúde pública de maior impacto na saúde global da história e será objeto de análise deste e de outros conteúdos deste curso. Os ensinamentos desta pandemia, o acúmulo de experiência e aprendizados em emergências de saúde pública anteriores, não somente deste século, mas de períodos anteriores, requerem revisitar como os processos, instrumentos e conceitos utilizados para a gestão dessas emergências podem auxiliar no enfrentamento da atual pandemia de futuros eventos.