Unidade 3
Da Ditadura Civil Militar à regulamentação do SUS
A saúde no contexto do regime autoritário
Como vimos nas aulas anteriores, desde os anos 1930, o sistema público de saúde encontrava-se institucionalmente dividido entre a medicina previdenciária e a saúde pública.
MEDICINA PREVIDENCIÁRIA
A medicina previdenciária tinha ações dirigidas à saúde individual dos trabalhadores formais e voltava-se prioritariamente para as zonas urbanas, estando sob a responsabilidade dos institutos de aposentadoria e pensão.
SAÚDE PÚBLICA
Já a saúde pública, sob a direção do Ministério da Saúde (MS), era direcionada principalmente para as zonas rurais e para os setores mais pobres da população. Tinha como alvo, principalmente, atividades de caráter preventivo.
Para Refletir
Tal dualidade institucional (medicina previdenciária e saúde pública) não só permanecerá durante o regime autoritário, como será fortalecida, a partir de novas ações e políticas.
Em outras palavras, durante o regime militar, consolidou-se a tendência, já observada no período anterior ao golpe, de priorização do modelo previdenciário em detrimento da saúde pública e das iniciativas médicas de caráter preventivo.
1966
Em 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que integrou os antigos institutos de aposentadorias e pensões (IAPs) sob uma única estrutura. O INPS uniformizou a concessão dos benefícios e extinguiu o modelo de gestão tripartite formado pela União juntamente com empresários e trabalhadores, o qual, ao menos formalmente, garantia a participação dos usuários nos órgãos de representação dos institutos.
1967
A extensão da cobertura médico-previdenciária teve continuidade com a inclusão de novos segmentos de trabalhadores ao sistema. Em 1967, os acidentes de trabalho foram incorporados à assistência previdenciária e, quatro anos depois, a proteção foi estendida aos trabalhadores do campo, com a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural).
1972
Em 1972, foi a vez das empregadas domésticas serem contempladas, o mesmo ocorrendo com os trabalhadores autônomos no ano seguinte. Os que não contribuíam para a previdência continuaram sendo atendidos pela saúde pública nos centros e postos de saúde, pelos serviços de saúde filantrópicos e, no caso das pessoas com maior poder aquisitivo, por consultórios e clínicas privadas.
Saiba Mais
A justificativa técnica para a criação do INPS foi que os IAPs, instituídos a partir do primeiro governo Vargas, estavam prestes a falir. Parece-nos, contudo, que a questão mais importante envolvia a exclusão da participação social na gestão da previdência.
Serviços privados
Serviços privados
Aparentemente contraditórias, as políticas governamentais de incentivo ao capital privado e de expansão do sistema previdenciário estatal iam, na verdade, ao encontro das propostas liberais, uma vez que o governo passou a adotar, por meio do INPS, a contratação de serviços privados no atendimento de seus beneficiários, estimulando um padrão de organização da prática médica voltada para o lucro.
Corrupção
Corrupção
Para o pagamento dos fornecedores de serviços médicos à Previdência foi criada a remuneração por unidades de serviço (US), mecanismo que logo se revelaria uma porta aberta à corrupção e à adoção de procedimentos médicos desnecessários, impedindo com isso qualquer possibilidade de planejamento das atividades consideradas essenciais.
Hospitais particulares
Hospitais particulares
Também sob o governo dos militares, teve início um acelerado processo de expansão da rede de hospitais particulares e das companhias de seguro-saúde privadas. Empreendedores do setor foram agraciados pelo governo com linhas de financiamento a juros baixos para construir hospitais privados ou filantrópicos e vender seus serviços à saúde previdenciária.
Saiba Mais
- Uma consequência relevante do incentivo à medicina privada foi o aumento expressivo do número de leitos particulares.
- Em apenas 11 anos, de 1960 a 1971, o número de leitos administrados pela iniciativa privada mais do que triplicou no país, passando de 14,4% para 44% do total de leitos existentes.
As empresas de planos de saúde multiplicaram-se com a reunião dos antigos institutos de pensão, em 1966, uma vez que a nova estrutura montada em torno do órgão não demonstrou a flexibilidade necessária para corresponder às necessidades das diversas categorias de trabalhadores antes atendidas pelos serviços médicos dos institutos.
Saiba Mais
Beneficiadas por incentivos estatais e pela privatização de alguns serviços antes administrados pelo poder público, essas empresas também foram favorecidas por um contexto de expansão do capital financeiro e de elevação do poder de compra das classes médias urbanas observada durante os anos do “milagre”.
Os empresários contaram ainda com o incentivo do Estado, por meio da isenção de impostos, para contratar planos de medicina de grupo para seus funcionários.
Incorporado à previdência social a partir de 1964, esse tipo de convênio teve um crescimento significativo e, em 1977, já cobria cerca de 10% do total da população previdenciária do país.
Enquanto a assistência previdenciária crescia e se consolidava, a saúde pública, representada pelo Ministério da Saúde, agonizava. Em 1973, no auge do “milagre econômico”, os recursos destinados à pasta correspondiam a apenas 1% do orçamento da União.
Para se ter uma ideia do significado disso, basta dizer que só o Ministério dos Transportes abocanhava 12% do orçamento, e as forças armadas, 18% do total.
Participação do Ministério da Saúde nas despesas gerais da União | |
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Anos de referência | Percentual destinado ao Ministério da Saúde |
1970 | 1,11% |
1971 | 1,41% |
1972 | 1,19% |
1973 | 1,03% |
1974 | 0,94% |
1975 | 1,13% |
1976 | 1,58% |
1977 | 1,80% |
1978 | 1,81% |
1979 | 1,82% |
1980 | 1,38% |
1981 | 1,39% |
1982 | 1,56% |
1983 | 1,11% |
1984 | 1,48% |
Fonte: Balanços Gerais da União (até 1982) e orçamentos da União (até 1984). Citado por Médici – Financiamento da Saúde in: Boletin de La Oficina Sanitaria Panamericana. Vol 103. N. 6, diciembre de 1987.