Unidade 1

Do Império à Primeira República: o surgimento da saúde pública​

Aula 4

O legado do Movimento Sanitarista

Obra de engenharia sanitária em Honório Gurgel, no Rio de Janeiro.
Obra de engenharia sanitária em Honório Gurgel, no Rio de Janeiro.
Fonte: Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

Apesar das dificuldades para consolidar um projeto mais amplo de transformação das condições de saúde da população brasileira, tendo em vista o caráter oligárquico de nossa sociedade na época, a ação política do movimento pelo saneamento dos sertões obteve resultados concretos. Já em 1914, Belisário Penna conseguiu do governo autorização para abrir um posto de profilaxia rural para tratamento da ancilostomíase na periferia do Rio de Janeiro.

Em 1916, chegou ao Brasil uma instituição filantrópica norte-americana reconhecida em todo o mundo por seu trabalho no combate às doenças transmissíveis.

Era a Fundação Rockefeller, que, por meio de convênios assinados com o governo brasileiro, passou a atuar na profilaxia da ancilostomose e da febre amarela nas regiões Norte e Nordeste do país.

Belisário Penna, primeiro à esquerda, e pacientes do posto de profilaxia rural de Guaratiba (RJ), entre 1918 e 1922.
Belisário Penna, primeiro à esquerda, e pacientes do posto de profilaxia rural de Guaratiba (RJ), entre 1918 e 1922.
Fonte: Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

Em 1918 foram criados pelo governo federal, o Serviço de Medicamentos Oficiais da União e o Serviço de Profilaxia Rural.

Ainda no mesmo ano, já diretor da Liga Pró-Saneamento, Belisário Penna liderou a criação de mais oito postos de profilaxia no Distrito Federal, os quais foram incorporados ao Serviço de Profilaxia Rural.

Apesar de ter obtido sucesso em várias de suas reivindicações, a Liga Pró-Saneamento não conseguiu realizar de imediato aquela que talvez tenha sido a principal bandeira: a criação do Ministério da Saúde.

Embora não tenha correspondido integralmente às expectativas mais centralizadoras do Movimento Sanitarista, a criação do DNSP significou um avanço inegável na história da saúde pública brasileira, especialmente no que diz respeito à interiorização das ações sanitárias.

Entre as atribuições do novo órgão estavam o combate às doenças venéreas, à lepra e à tuberculose, bem como a regulação dos serviços sanitários e a fiscalização das profissões e das atividades comerciais e econômicas ligadas à área da saúde. Posteriormente, as ações do DNSP foram ampliadas, passando a abarcar também a propaganda e a educação sanitárias, além da promoção da higiene infantil, industrial e profissional.

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“A ampliação da abrangência territorial das ações de saúde teve como base o Serviço de Profilaxia Rural. Instalado de forma provisória desde 1918, ele passou a fazer parte do organograma do DNSP, funcionando em diversos estados, através de acordos firmados entre estes e o governo central. Esse tipo de atuação era a forma de o poder central levar ações de saúde a diversos estados da federação sem infringir o preceito da autonomia Estadual.”

Fonte: ESCOREL, Sarah & TEIXEIRA, Luiz Antonio. História das políticas de saúde no Brasil de 1822 a 1963: do Império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLA, Lígia et al. (org.). Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012, p. 295.

Para saber mais sobre o DNSP, clique aqui Este link abrirá em uma nova aba

1922
Alunas da Escola de Enfermagem Anna Nery realizam curativos em paciente sob a supervisão da enfermeira chefe miss Murray
Alunas da Escola de Enfermagem Anna Nery realizam curativos em paciente sob a supervisão da enfermeira chefe miss Murray
Fonte: Acervo Escola de Enfermagem Anna Nery

Com o apoio da Fundação Rockefeller, o DNSP criou o Serviço de Enfermagem Sanitária, no âmbito do qual foi fundada a Escola de Enfermagem Anna Nery. As alunas da Escola Anna Nery recebiam treinamento para atuar tanto no sistema hospitalar quanto como “enfermeiras visitadoras”, prestando, neste caso, atendimento domiciliar às famílias.


Inauguração do Curso Especial de Higiene e Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro.

Ministrado por pesquisadores de Manguinhos sob a orientação de Carlos Chagas, dava acesso direto aos alunos, depois de formados, a cargos na administração pública federal. Referência importante para a institucionalização da carreira de sanitarista no Brasil, o curso foi o primeiro do gênero no país.

Carlos Chagas em seu laboratório no Instituto de Manguinhos.
Fonte: Acervo Casa de Oswaldo Cruz
1926
Atenção

À exceção de São Paulo, praticamente todos os estados da federação assinaram acordos com o governo federal para a instalação de serviços de profilaxia rural em suas regiões.

A reforma sanitária em São Paulo

Em São Paulo, o ensino médico e os serviços de profilaxia rural experimentaram grande desenvolvimento após a chegada da Fundação Rockefeller ao país em 1916.

Convidada pelo governo do estado, a Fundação cooperou intensamente, atuando em parceria com o Serviço Sanitário paulista, no combate às endemias e no fortalecimento das ações de saúde na área rural.

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Arthur Neiva.
Arthur Neiva.
Fonte: Acervo Casa de Oswaldo Cruz

Em fins de 1917, sob a direção de Artur Neiva, foi promulgada a reforma do Serviço Sanitário paulista, fruto de um acordo entre a administração pública estadual e lideranças políticas locais, os chamados “coronéis”. A principal novidade da reforma foi a instituição de um Código Sanitário Rural, mecanismo que permitiu ao governo estender as ações de higiene e saúde pública ao campo e às cidades do interior do estado.

1922

O sanitarista Geraldo de Paula Souza assume a direção do Serviço Sanitário de São Paulo.

1925

Uma nova reforma dos serviços de saúde do estado é promulgada. Essa reforma baseou-se nos seguintes pilares: educação sanitária; criação de postos de saúde; visão ampliada da saúde (embora ainda convivendo com uma concepção de saúde vinculada ao combate a epidemias); reforço dos institutos de pesquisa.

Com a reforma, surge um novo agente de saúde pública: as educadoras sanitárias.

Elas trabalhavam nos centros de saúde...

"...elaborando instruções, cartazes de propaganda e conselhos de higiene, fazendo palestras, exposições, conferências. Dessa forma, difundia-se a educação com o objetivo de criar uma consciência sanitária."

Fonte: RIBEIRO, Maria Alice. História sem fim... Inventário da saúde pública: São Paulo — 1880-1930. São Paulo, Unesp, 1993, p. 256.

Segundo Paula Sousa, uma campanha sanitária só era bem-sucedida quando conseguia eliminar por completo a doença que combatia.

Para ele, o posto municipal de saúde devia ter caráter permanente. A ideia era que:

O sanitarista Geraldo Horácio de Paula Souza, diretor do Serviço Sanitário de São Paulo de 1922 a 1927.
O sanitarista Geraldo Horácio de Paula Souza, diretor do Serviço Sanitário de São Paulo de 1922 a 1927.
Fonte: Academia de Medicina de São Paulo.

"... cada posto municipal operasse como um departamento de saúde pública completo e mantivesse um programa abrangente, com atenção à educação sanitária, ao tratamento e prevenção de doenças endêmicas, ao controle e prevenção de epidemias, vacinação, inspeção sanitária e exames laboratoriais."

Fonte: CASTRO-SANTOS, Luiz Antonio de. A reforma sanitária pelo alto: o pioneirismo paulista no início do século XX. Dados, v. 36, n. 3, 1993, p. 385.

Paula Sousa tinha a intenção de criar cinco centros de saúde na cidade de São Paulo, mas só dois foram inaugurados durante sua gestão: o Centro de Saúde Modelo, anexo ao Instituto de Higiene, e o Centro de Saúde do Brás.

Fachada da primeira sede do Instituto de Higiene.
Fonte: FARIA, L. : A Casa de Geraldo de Paula Souza: texto e imagem sobre um sanitarista paulista. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 12, n. 3, p. 1011-24, set.-dez. 2005.