As campanhas sanitárias
“Forma específica de atuação em saúde pública surgida no século XIX como estratégia de combate às doenças infecciosas – muitas vezes pela eliminação de seus vetores.”
O êxito das campanhas sanitárias lideradas por Oswaldo Cruz na Capital Federal fez com que órgãos públicos e privados de outros estados da federação contratassem os serviços do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) para combater epidemias e casos de doenças endêmicas em diferentes regiões do território nacional.
Para atender a esses contratos, Oswaldo Cruz organizou com os técnicos de Manguinhos expedições científicas e de profilaxia que ajudaram a disseminar aquilo que alguns autores no futuro chamariam de “modelo campanhista”.
A malária foi o primeiro grande desafio que os pesquisadores de Manguinhos tiveram de enfrentar com a decisão de se estender as ações do Instituto para além das fronteiras do Rio de Janeiro. Nesse cenário, duas expedições lideradas por Carlos Chagas merecem destaque.
A primeira foi realizada em 1905 na cidade de Itatinga (SP), onde uma hidrelétrica estava sendo construída pela Companhia Docas de Santos. Primeira intervenção de grande porte bem-sucedida contra a malária no país, os procedimentos adotados por Chagas tornaram-se um modelo de ação profilática contra a doença, servindo de base para as campanhas futuras de combate ao impaludismo.
A segunda expedição ocorreu no norte de Minas Gerais, onde um surto de malária paralisara as obras de expansão da Estrada de Ferro Central do Brasil. Para lá, Carlos Chagas se transferiu em meados de 1907, juntamente com o médico-sanitarista Belisário Penna.
Foi nesta região, na pequena cidade de Lassance, enquanto coordenava as ações de combate ao impaludismo, que Chagas realizaria, dois anos depois, o maior feito de sua carreira: a descoberta da tripanossomíase americana ou doença de Chagas.
Veja a seguir como Carlos Chagas descobriu essa doença:
Carlos Chagas identifica, em saguis, o Trypanosoma minasense.
Chagas toma conhecimento da existência dos barbeiros nas casas de pau a pique da região.
Ao examinar alguns barbeiros, encontra um protozoário em forma de tripanossoma.
Oswaldo Cruz recebe alguns barbeiros enviados por Chagas de Lassance para experiências com macacos criados nos laboratórios de Manguinhos.
Oswaldo Cruz percebe que um dos macacos adoeceu, apresentando tripanossomas no sangue.
Chagas conclui que se trata de uma nova espécie de tripanossoma, a qual denomina de Trypanosoma cruzi.
Em 14 de abril de 1909, Chagas encontra o T. cruzi no sangue de uma menina chamada Berenice e conclui estar diante de uma nova doença humana.
Em outubro de 1910, Chagas torna-se membro da Academia Nacional de Medicina e apresenta suas pesquisas sobre a nova doença.
O sucesso das primeiras expedições estimulou Oswaldo Cruz a ampliar as viagens para outras regiões do país.
As mais importantes dessa segunda fase foram realizadas entre 1910 e 1913. Elas se estenderam pelo Nordeste, pela Amazônia e também pelo Centro-Oeste.
Sem descuidar do aspecto sanitário e do combate às epidemias, elas tiveram sobretudo um caráter científico e deixaram como legado uma detalhada radiografia das condições de vida e saúde das populações rurais brasileiras, um verdadeiro inventário sociológico do interior do país.
Clique nas imagens para visualizar as informações.
Em 1910, Oswaldo Cruz comandou duas dessas expedições. Novamente acompanhado de Belisário Penna, esteve inicialmente em Porto Velho (RO), mais precisamente no canteiro de obras da estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Esse empreendimento ficou conhecido como a "ferrovia do diabo", devido ao grande número de trabalhadores vitimados pela malária (calcula-se que mais de 80% deles tenham contraído a doença).
Diante da impossibilidade de sanear a região, Oswaldo adotou como medidas profiláticas a administração de altas doses de quinino e, à noite, o confinamento obrigatório dos operários nos alojamentos, sob o abrigo de mosquiteiros.
A segunda missão liderada por Oswaldo Cruz foi em Belém do Pará, onde combateu a febre amarela ao lado de seu auxiliar João Pedroso. O trabalho de saneamento da capital paraense baseou-se nas mesmas medidas profiláticas que adotara no Rio de Janeiro. A campanha foi iniciada em novembro de 1910 e em apenas seis meses Belém estava livre da febre amarela.
Para mais informações sobre a viagem de Oswaldo Cruz ao norte do Brasil, assista ao vídeo.
Fonte: Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz)
Sinopse:
No início do século XX, após a implantação das campanhas sanitárias no Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz partiu para a Amazônia, em viagem de inspeção sanitária aos portos do Brasil.
Quase um século depois, utilizando filmes, fotografias, caricaturas, cartas e relatórios do cientista, uma equipe de pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) refez seu percurso e gerou este documentário, que resgata a memória e atualiza as principais questões de saúde por ele levantadas.
Além das missões comandadas por Oswaldo Cruz, outras expedições lideradas por cientistas do IOC desbravaram o interior do país entre 1911 e 1913:
As expedições do IOC revelaram um Brasil ignorado pela maioria da população das cidades.
A exibição das trágicas condições de vida da maioria do povo brasileiro, de seus dramas e sofrimentos, de suas doenças e mazelas sociais, repercutiu em setores da classe dominante do país, entre os intelectuais e entre algumas lideranças políticas.
Foi a partir das expedições de Manguinhos que o país começou a tomar consciência da realidade de sua gente mais sofrida e desamparada: a população dos sertões.
Tendo como bandeira a "valorização do homem e da terra", nasceu o chamado Movimento Sanitarista, que tinha como principal finalidade de sua existência a adoção de uma política sanitária centralizada pelo governo federal em âmbito nacional.
Luiz Antonio Teixeira e Jaime Benchimol, em Cobras, lagartos e outros bichos, fornecem uma boa síntese do significado das expedições de Manguinhos:
Manguinhos desempenharia, aqui, papel análogo aos dos institutos europeus que intervinham na Ásia e na África abrindo caminho às tropas e aos empreendimentos coloniais. Partindo da capital da República, a cabeça urbana do país, seus cientistas se embrenhariam pelos sertões para estudar e debelar doenças (a malária sobretudo) que bloqueavam a expansão do capitalismo no Brasil. A experiência adquirida nas campanhas do Rio de Janeiro logo reverteria em proveito de ferrovias, hidrelétricas e obras de infraestrutura realizadas por companhias privadas ou públicas em áreas inóspitas do interior. Nessas missões, os cientistas se defrontariam com problemas teóricos e práticos muito diferentes daqueles que estavam acostumados a enfrentar nos centros urbanos, e com grande diversidade de patologias, umas já descritas, outras desconhecidas, ampliando dessa forma os horizontes da medicina tropical no Brasil.
BENCHIMOL, Jaime Larry & Teixeira, Luiz Antonio. Cobras, lagartos & outros bichos: uma história comparada do Instituto Oswaldo Cruz e Butantan. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993, p.19-20.