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Módulo 2 | Unidade 1 Monitoramento e Avaliação (M&A) - Definições Teóricas e Conceituais

Tópico 2

Fundamentos da área de Monitoramento e Avaliação (M&A)

Trataremos neste tópico dos fundamentos da área de Monitoramento e Avaliação (M&A) de políticas públicas e sua interface com o campo da saúde. A inserção do monitoramento e avaliação como parte do ciclo de gestão pública alinha-se às demandas pela institucionalização da avaliação, que torna seu uso parte integrante das operações de uma organização por meio de processos formais e continuados de aprendizagem.

Estudiosos de avaliação relatam que as primeiras avaliações foram realizadas na Alemanha, Inglaterra, França e na América do Norte no final do século XVIII. Esses países protagonizaram uma série de avanços científicos e tecnológicos relacionados à revolução industrial. As inovações conquistadas neste período provocaram várias mudanças no modo de vida da população motivadas pelo processo de urbanização e industrialização acelerado, crescimento populacional concentrado em áreas urbanas e mudanças no padrão de morbidade e mortalidade. Essas transformações provocaram um aumento das reivindicações por ações que melhorassem as condições de vida da população, como o desenvolvimento de infraestrutura das cidades, criação de sistemas educacionais e controle das doenças ligadas a falta de saneamento. Nesta época as avaliações tinham como propósito verificar em que medida as intervenções implantadas estavam provocando melhorias nas condições de vida da sociedade (DUBOIS et al., 2011).

Desde então o campo da avaliação vem passando por aprimoramentos na forma de se fazer e conduzir os processos avaliativos. Tais mudanças foram impulsionadas pelos avanços técnico-científicos ao serem desenvolvidos novos métodos de pesquisa qualitativa oriundo das ciências sociais e novas técnicas de análise estatística aplicada aos estudos epidemiológicos. Da mesma forma, as mudanças também ocorreram no campo da avaliação para ajustar a necessidade de ampliar a participação de outros atores sociais no processo avaliativo (WORTHEN, SANDER, FITZPATRICK, 2004).

Guba & Lincoln (2011), ao sistematizarem as transformações observadas no campo da avaliação, identificam quatro períodos que denominaram como as gerações que caracterizam a evolução do pensamento avaliativo. É importante frisar que não há indicação de substituição de uma geração em favor da outra, as características de cada geração ainda estão presentes na atualidade, seja de forma integrada ou complementar. A seguir apresentaremos de forma sucinta as principais características das gerações da avaliação.

Principais características das gerações da avaliação

pan_tool_alt Clique sobre os Toque nos anos para acompanhar a descrição.

1ª Geração

Avaliar significava medir/mensurar/aferir e o avaliador era responsável pela aplicação dos instrumentos de mensuração. Ex. Aplicação de teste de conhecimento dos estudantes.

2ª Geração

Avaliar significava descrever como os programas funcionam e quais resultados foram alcançados.

3ª Geração

Avaliar significava identificar fatores explicativos de sucesso ou fracasso. Avaliador assume papel de “juiz” ao reunir as informações necessárias para emitir um julgamento do valor e do mérito da intervenção.

4ª Geração

Avaliação significa incorporar as diferentes percepções e necessidade dos atores envolvidas na intervenção. Caráter mais participativo, sendo instrumento de negociação entre essas pessoas.

Figura 1 - Principais características das gerações da avaliação. #PraTodosVerem: 1. Barra rosa com intervalos de 30 anos. Retângulo azul com as características das quatro gerações de avaliação.

Também é possível compreender o desenvolvimento do pensamento avaliativo por meio das linhas teóricas que fundamentam o campo da avaliação. Alkin (2004) apud Figueiró et al. 2010, ao estudar as principais teorias da avaliação desenhou de forma ilustrativa a Árvore da Teoria da Avaliação (figura 2). Nessa ilustração, a necessidade de prestação de contas e de controle dos programas, representa a origem, as raízes da avaliação. Para representar o segundo momento de desenvolvimento do campo da avaliação o autor faz menção a pesquisa avaliativa social, ou seja, surge uma maior necessidade de adotar métodos sistemáticos para se fazer avaliação.

A partir daí surgem três grandes ramos da avaliação: o ramo que representam os teóricos que nas suas pesquisas avaliativas deram maior ênfase aos USOS, o ramo que representa os teóricos que buscam desenvolver MÉTODOS aplicados às pesquisas avaliativas e o ramo dos teóricos que deram ênfase às discussões sobre a VALORAÇÃO.

Árvore da Teoria da Avaliação

Fundamentada nessas diferentes concepções, a institucionalização do M&A vem ganhando cada vez mais espaço na medida em que as instituições se veem diante de novos e diversos desafios sociais e de saúde em sociedades complexas e desiguais (CRUZ, KABAD & VITORINO, 2022). No âmbito das políticas de saúde pública no Brasil, as primeiras iniciativas de institucionalização da avaliação no Ministério da Saúde (MS) se deram no início dos anos 2000 e têm se tornado uma demanda cada vez mais necessária em outras esferas governamentais como nos estados e municípios do país.

Assim, como ponto de partida para compreendermos os conceitos e métodos de M&A, faz-se necessário conhecer o processo de formulação das políticas e programas sociais que são os objetos do monitoramento e avaliação, como veremos no próximo item.

O objeto do Monitoramento e Avaliação (M&A)

O monitoramento e avaliação, enquanto função gestora, tem como objeto da sua ação o acompanhamento sistemático e julgamento de uma intervenção. Intervenção podem ser consideradas as ações organizadas que visam enfrentar e solucionar situações problemáticas de modo adequado aos contextos onde estão situados e suas particularidades (CHAMPAGNE et al., 2011).

É desejável que as intervenções explicitem de forma clara seus objetivos e o conjunto de ações idealizadas para produzir um serviço de interesse comum, solucionar ou mitigar um problema social. No âmbito da gestão pública, as intervenções podem ser estruturadas sob a forma de uma política, programa ou projeto, a depender da abrangência, enfoque e temporalidade, conforme podemos visualizar na figura a seguir:

Características de política, programa e projeto

A depender do campo do conhecimento que se adota, tais como: Ciência Política, Sociologia, Administração Pública, Serviço Social, Educação, Saúde Pública e correlatos, pode haver diferentes terminologias para designar as ações derivadas de uma política e as formas como podem ser monitoradas e avaliadas. Como o enfoque deste curso são as políticas públicas de saúde, utilizaremos as terminologias e referências da área do monitoramento e avaliação de políticas e programas em saúde.

Podemos compreender que uma política é sempre uma ação mais abrangente, estruturante e permanente que visa formular e estabelecer princípios e diretrizes gerais de determinada ação pública. Por exemplo, Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) criada em 2002, define as diretrizes e princípios organizativos do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (SASISUS) e estabelece o desenvolvimento de um modelo de atenção diferenciado em saúde aos povos originários do país que deve respeitar, considerar e se articular com as práticas e saberes tradicionais indígenas.

Já um programa, estabelece com mais precisão o enfoque populacional, territorial ou de agravo no qual se pretende agir, reunindo assim um conjunto de ações, estratégias e projetos a serem executados sob seu escopo. Geralmente os programas estão contidos nas políticas mais abrangentes, mas também podem reunir ações que se referem a mais de uma política. Por exemplo, o Programa de Atenção à Saúde das Mulheres e Crianças Indígenas, compõe a PNASPI mencionado acima e corresponde às diretrizes de outras políticas, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PNAISM) e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC).

No caso de um projeto, que também pode ser denominado como a estratégia de execução, trata-se de uma ação localizada e que explicita o processo de operacionalização das ações, dos recursos necessários, previsão orçamentária, atribuições e responsabilidades, entre outras especificações.

Abaixo são apresentados alguns exemplos de Política, Programa e Projeto.

Exemplos de política, programa e projeto

POLÍTICA Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), respeito e valorização das práticas e saberes tradicionais indígenas.

PROGRAMA de Atenção à Saúde das Mulheres e Crianças Indígenas, que compõe a PNASPI, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PNAISM) e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC).

PROJETO Sesai Mais Saúde Indígena, executada de forma integrada entre SESAI/Central, DSEI e parceiros públicos e privados.

Figura 4 - Exemplos de Política, Programa e Projeto. #PraTodosVerem: 4. Três faixas com imagens que mostram a atenção à população indígena e texto com exemplos de política, programa e projeto.

As políticas e os programas são formulados e implementados em consonância com o que denominamos do modelo de ciclo de políticas públicas. Desde a década de 1950 e dos estudos conduzidos por Harold Lasswel e outros pesquisadores, passaram a ser formulados os processos que compunham a elaboração e execução de uma política pública. Existiram várias outras propostas com o intuito de aprimorar as etapas do processo, até que na década de 1990, Howlett e Ramesh estabeleceram o modelo mais frequentemente utilizado que estabelece um fluxo processual em cinco fases (VIANA & WARGAS, 2002), conforme a figura a seguir:

Ciclo de Políticas Públicas
Infográfico com fundo branco e um círculo azul numerado de um a cinco onde lê-se respectivamente: percepção e definição do problema, formação de agenda, formulação de programas e projetos, implementação das políticas e monitoramento e avaliação.
Figura 5A - Ciclo de Políticas Públicas.
#PraTodosVerem: 5A. Infográficos com fundo branco e um círculo azul numerado de um a cinco onde lê-se respectivamente: percepção e definição do problema, formação de agenda, formulação de programas e projetos, implementação das políticas e monitoramento e avaliação.

1ª fase

Percepção e definição da situação problema que justifica a ação pública. Sustentada nas demandas concretas da sociedade (partidos políticos, sindicatos, associações, mídias sociais, meios de comunicação e outras instituições), relevância e magnitude do problema.

2ª fase

Formação de agenda que se refere ao construto de temáticas de interesse e priorizações de ações públicas sobre determinada população ou problema a ser enfrentado, com base na identificação da 1° etapa.

3ª fase

Formulação das ações no âmbito de uma política em forma de programas e projetos. Tomada de decisão sobre o que e como será feita a política. É fundamental garantir a participação social para que a formulação corresponda a interesses concretos da população.

4ª fase

Implementação das políticas, abrange etapas desde o planejamento onde se definem as metas, indicadores, orçamento e ações estratégicas até a sua execução.

5ª fase

Processo de monitoramento e avaliação das intervenções. Ambos podem acontecer de forma articulada ou em momentos distintos.

Figura 5B - Fases do ciclo de Políticas Públicas. #PraTodosVerem: 5B. Faixas horizontais indicando as cinco fases do ciclo de políticas públicas.

A noção de agenda, trabalhada na segunda fase, baseia-se na proposta de Kingdon (1984), que designa um conjunto de temáticas e problemáticas elencadas pelos governos e pela sociedade em um determinado espaço-tempo e que podem se apresentar de três formas:

  • Agenda sistemática e não-governamental, que são as construídas pela sociedade organizada politicamente;
  • Agenda institucional ou governamental, que são as de prioridade de determinada plataforma político-ideológica e de governo;
  • Agenda decisória ou política, que se refere à lista de problemas e prioridades que serão consideradas no processo decisório.

(VIANA & WARGAS, 2002)

Ainda que possamos compreender as fases como partes integrantes de um ciclo processual e contínuo, é importante ficar claro que não se trata de um processo linear e tão pouco a quinta etapa (avaliação) é realizada apenas ao final do ciclo de uma política. A avaliação pode e deve ser realizada em todas as fases do ciclo de políticas públicas.

Um aspecto importantíssimo a ser considerado quando se trata de uma intervenção é que não são processos estáticos. Toda e qualquer intervenção (política, programa ouprojeto) está sujeita às influências positivas ou negativas dos fatores do contexto operacional e do contexto político-social em que está inserida. Outro destaque a se fazer é que o sucesso de uma intervenção não se dá de imediato; é conquistado pelo aperfeiçoamento em sucessivas passagens pelo ciclo de formulação e avaliação de políticas e pelas modificações/ajustes ao longo de sua existência (JANNUZZI, 2016).

Podemos fazer aqui alguns destaques de intervenções cujo princípio se dá pelo diálogocompartilhado com os atores inseridos dentro de um contexto político social específico: as próprias conferências temáticas, que por meio da troca entre sociedade civil e governos, objetivam debater, avaliar e propor diretrizes de temas específicos vinculados à política de saúde.

Temos pelo menos dois exemplos:

A 1a Conferência Nacional de Vigilância em Saúde (CNVS), realizada em 2015, teve como principal objetivo propor diretrizes para a formulação da Política Nacional de Vigilância em Saúde e o fortalecimento de ações de Promoção e Proteção à saúde. A partir das deliberações dessa conferência, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução no 588, de 12 de julho de 2018 que instituiu a Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS).

As deliberações da 1a Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica – efetivando o acesso, a qualidade e a humanização na Assistência Farmacêutica, com controle social, realizada no período de 15 a 18 de setembro de 2003 resultaram na Resolução no 338/2004 que aprovou a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF).

Para finalizar esse tópico, é importante compreendermos que as intervenções consistem no conjunto de ações que visam enfrentar e solucionar algum problema na sociedade e em determinado contexto, que posteriormente serão monitoradas e avaliadas no percurso de sua implementação na realidade social. Para tanto, a área de M&A desenvolveu um escopo teórico-metodológico capaz de compreender e visualizar a racionalidade (lógica) e o modo de funcionamento da intervenção, para tornar possível a aplicação de técnicas e instrumentos que possibilitem a prática avaliativa, seja para monitorar ou avaliar. Esse escopo é definido como Modelo Lógico da Intervenção, como uma base importante para o M&A e que será tratado adiante neste módulo.

No âmbito do Sistema Único de Saúde, lidaremos com diferentes instrumentos e terminologias que definem e designam as intervenções em saúde. Mais adiante veremos que, sob a perspectiva do Planejamento em Saúde e da literatura sobre planificação, as intervenções em saúde (políticas, programas e projetos) são organizadas e operacionalizadas nos municípios, estados e em nível nacional em Planos de Ação. Na administração pública os planos estarão expressos em diferentes instrumentos de planejamento, orçamento e gestão, tais como Plano Plurianual, Plano de Saúde, Programação Anual de Saúde.

Conceitos e métodos da avaliação em saúde

A Avaliação de políticas públicas, como uma ação mais abrangente, recebe diferentes definições na literatura especializada, segundo os diversos modelos conceituais, paradigmas teóricos e linhas de pesquisa da Ciências Políticas, Ciências Sociais, Administração Pública, Economia, entre outros campos. Levando-se em consideração as linhas teóricas que fundamentam o campo da avaliação, apresentada no início deste módulo, podemos encontrar também mais de uma definição sobre avaliação. No quadro a seguir apresentamos três definições que foram formuladas com base nessas linhas teóricas.

Quadro 1: Linhas teóricas e definições
Teórico Tipo de Avaliação Definição
Patton (1990) Avaliação com foco nos usos Avaliação é a coleta sistemática de dados sobre atividades, características e efeitos de programas para uso de interessados, de forma a reduzir incertezas, melhorar a efetividade e tomar decisões com respeito ao que aquele programa está fazendo, quais são seus resultados e como pode ser ajustado.
Rossi Lipsey & Freeman (2004) Avaliação com foco no método É aplicação sistemática de métodos e técnicas oriundas da pesquisa social para aferir programas de intervenção social.
Scriven (1991) Avaliação com foco na valoração Determinação do esforço, mérito ou valor de algo.

Champagne e colaboradores (2009) desenvolveram uma definição de avaliação, agregando as três concepções teóricas-metodológicas citadas no Quadro 1, para estes autores:

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“Avaliar consiste fundamentalmente em aplicar um julgamento de valor a uma intervenção, através de um dispositivo capaz de fornecer informações cientificamente válidas e socialmente legítimas sobre ela ou qualquer um dos seus componentes, permitindo aos diferentes atores envolvidos, que podem ter campos de julgamento diferentes, se posicionarem e construírem (individual ou coletivamente) um julgamento capaz de ser traduzido em ação”.

E quais seriam os objetivos do processo de avaliação?

Há em nossa sociedade uma preocupação cada vez maior com a complexidade dos problemas de saúde e com os esforços exigidos para resolvê-los. A implantação de qualquer intervenção envolve um extenso processo de negociação, articulação e pactuação de interesses e requer a aplicação de recursos públicos, que muito frequentemente são reduzidos/mínimos para atender todas as demandas. Nesse sentido, podemos destacar como um importante objetivo a produção de informação e conhecimento que contribuam para o aperfeiçoamento dos programas e projetos sociais (VIEIRA DA SILVA, 2005).

Podemos citar, ainda, outros objetivos como o de apoiar a elaboração e o planejamento das intervenções, contribuir para com o desenvolvimento do conhecimento e prestação de contas à sociedade, proporcionando maior transparência às ações (WORTHEN et al., 2004).

Como parte constituinte da prática avaliativa, o monitoramento é uma atividade fundamentalmente técnica e situada no âmbito da gestão e do gerenciamento de ações, realizada sistematicamente durante o período de execução de uma política, programa ou projeto. São as informações geradas pelo acompanhamento periódico do alcance das metas, dos indicadores escolhidos, da execução das atividades previstas que gestores, pesquisadores, conselheiros de saúde ou outros agentes conseguem verificar se a implementação está sendo realizada dentro do prazo, recursos e objetivos previstos (FARIA, 2005; CUNHA, 2006).

Ou seja, o monitoramento visa aprimorar a etapa de implementação das políticas, programas e projetos, tendo como finalidade acompanhar rotineiramente informações sobre a execução do que foi planejado, prover informações que subsidia a tomada de decisão de forma rápida e oportuna e fornecer informações que podem subsidiar a condução de uma avaliação sobre a intervenção.

Objetivos do monitoramento

Qual a diferença entre o Monitoramento e a Avaliação?

Conforme vimos anteriormente, o monitoramento e a avaliação são práticas avaliativas que se complementam, uma vez que as informações produzidas pelo acompanhamento contínuo contribuem para subsidiar o processo de avaliação; e os achados da avaliação retroalimentam o planejamento e o monitoramento. De modo figurativo, Antero (2008) fez uso de uma metáfora para ilustrar a diferença entre avaliação e monitoramento ao comparar a avaliação a uma foto e o monitoramento a um filme.

Quadro 2: Diferenças entre Avaliação e Monitoramento
Dimensão Monitoramento Avaliação
Frequência Regular e contínuo. Episódico e pontual.
Ação principal Acompanhamento, vigilância. Apreciação, julgamento.
Propósito principal Melhorar a eficácia e eficiência; ajustar plano de trabalho. Julgamento do mérito e do valor; dificuldades de implementação; análise de eficácia, eficiência e efetividade; pertinência e relevância, impacto; custo-efetividade.
Fontes de informação Sistemas de informação regulares, sítios, observação, relatórios de progresso, apreciações. As mesmas, mais estudos e pesquisas científicas tanto de abordagem quantitativa quanto qualitativa.
Realizadas por Gerentes e coordenadores de programas, comunidade (beneficiários), supervisores, financiadores. Gerentes e coordenadores de programas, comunidade (beneficiários), supervisores, financiadores, avaliadores externos.
Informa a Gerentes e coordenadores de programas, técnicos e comunidade (beneficiários), supervisores, financiadores. Gerentes e coordenadores de programas, técnicos e comunidade (beneficiários), supervisores, financiadores, tomadores de decisão.

Fonte: Elaboração própria, adaptado de Januzzi (2013).

Cabe destacar que as atividades de monitoramento e a avaliação voltadas a mensurar o desempenho governamental e das políticas públicas foram parte integral da reforma gerencialista das décadas de 1980 e 1990, que previa a redução do papel interventor do Estado. O objetivo era reduzir os investimentos públicos e ampliar a participação da iniciativa privada, com a justificativa de melhoria da eficiência e da produtividade, a ampliação da capacidade de resposta dos governos, bem como de maximização da transparência da gestão pública e de responsabilização dos gestores. Alinhado a uma perspectiva neoliberal, a ideia era de que tais atividades promovessem a valorização do setor privado na oferta de bens e serviços em detrimento das organizações governa- mentais (CAIDEN e CAIDEN, 2001, p. 79 apud FARIA, 2005). Contudo, ao percebermos o monitoramento e a avaliação como ações fundamentais para a garantia do acesso, qualidade e efetividade das políticas públicas em saúde e a garantia dos direitos fundamentais da população conforme o preconizado pela Constituição Federal de 1988 e o Sistema Único de Saúde, ampliamos a compreensão de que são ações essenciais para o aprimoramento e expansão do papel do Estado e não para a sua redução.

Acompanhe a videoaula da Profª Drª Marly Cruz sobre Conceitos de Monitoramento e Avaliação em Saúde.

Semelhanças e Diferenças entre o M&A e o Controle Social

Com os debates realizados até o momento, compreendemos que o monitoramento e a avaliação constituem ações no âmbito da cultura e das práticas avaliativas das organizações, especialmente das políticas públicas, para que aprimorem a ação do Estado perante as demandas e necessidades da sociedade. Já o controle social, nos termos que abarca o processo de participação social no SUS, tem o papel de atuar na proposição, formulação, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas de saúde, para que sejam adequadas e oportunas frente às demandas populacionais. Essa característica, de atuar no acompanhamento e aprimoramento da tomada de decisão na gestão pública em saúde, pode ser pensada como uma semelhança entre o M&A e o Controle Social.

M&A e Controle Social

M&A é uma atividade eminentemente técnica conduzida por agentes especializados e instrumentalizados, ancorada em base científica e metodológica de formulação e aplicação.

Controle Social consiste em uma ação substancialmente política, conduzida por setores e coletivos da sociedade que incidem sobre o processo de formulação e implementação de políticas.

Figura 7 - M&A e Controle Social. #PraTodosVerem: 7. Infográfico em azul com duas imagens e descrição sobre monitoramento e avaliação e controle social.

Não que técnica e política sejam indissociáveis, ou seja, ambas se retroalimentam e é impossível pensarmos em técnica sem política e nem política sem técnica - inclusive, há toda uma discussão teórica e acadêmica sobre esses elementos e não é o nosso objetivo aprofundar esse debate aqui, apenas ilustrá-lo. Contudo, é importante compreendermos que um bom monitoramento e avaliação precisa se sustentar em teorias e métodos consistentes e comprometidos socialmente e que um bom funcionamento do controle social precisa ser acompanhado de formação política crítica para a conquista e garantia de direitos.

Devido ao baixo nível de implementação das deliberações dos conselhos e conferências de saúde para o processo de formulação e implementação de políticas de saúde, tem sido crescente a demanda na última década para o fortalecimento da prática de monitoramento e avaliação no âmbito do controle social, de modo que contribua para incidência do processo deliberativo na gestão do SUS.

Nesse sentido, o M&A tem sido reivindicado como uma ação importante a ser implementada no âmbito do controle social e na gestão do SUS, sendo vista como uma ação importante para a consolidação das propostas, diretrizes e deliberações dos conselhos de saúde. Ao observar os relatórios e resoluções das conferências nacionais de saúde, verifica-se que essa demanda aparece de forma mais explícita pelo menos desde 2012, conforme a figura a seguir:

2012

14a Conferência Nacional de Saúde

“Todos usam o SUS”

SUS na Seguridade Social Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro

“Efetivar o controle social no SUS que envolve as conferências, conselhos de saúde de todas as esferas, com retaguarda de entidades profissionais e sindicais, fóruns e redes, movimentos sociais, criando-se mecanismos que possibilitem o monitoramento, controle e avaliação da gestão pública, divulgando permanentemente, em todas as mídias, políticas, programas, direitos dos usuários e ações desenvolvidas no SUS”.

2015

15a Conferência Nacional de Saúde

“Saúde Pública de qualidade para cuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro”

“Assegurar a implementação das deliberações das Conferências de Saúde nas três esferas de governo, com mecanismos de monitoramento e divulgação periódica das propostas aprovadas, sob pena de responsabilização, entendendo que esse é o espaço de efetiva manifestação e vocalização popular sobre suas demandas de saúde”

2019

16ª Conferência Nacional de Saúde

“Democracia é Saúde”

“Assegurar a capacitação dos conselheiros de saúde e a fomentação da sociedade civil a participarem da elaboração dos instrumentos de gestão (LOA, LDO, PPA, PES, PMS, RAG, entre outros) a saúde como direito, considerando o princípio da transparência e autonomia, através do portal da transparência, garantindo o respeito dos gestores pelas decisões e deliberações tomadas nos fóruns democráticos de planejamento e gestão em saúde, bem como a efetivação do processo de pactuação, revisão e monitoramento da PPI, nos espaços de CIR e CIB”.

Figura 8 - Conferências Nacionais de Saúde de 2012, 2015 e 2019. #PraTodosVerem: 8. Três imagens de auditório lotado de pessoas sentadas e conteúdo textual em uma linha do tempo.

Conforme indicado no quadro apresentado, é pungente e crescente a demanda do controle social para a consolidação da cultura avaliativa e dos processos de monitoramento e avaliação.

No âmbito da realização da 15a Conferência Nacional de Saúde, considerando o previsto no art. 36 da Resolução no 500/2015 (Regimento da 15a Conferência Nacional de Saúde), já estabelece que o monitoramento da 15a Conferência Nacional de Saúde tem como objetivo “viabilizar o permanente acompanhamento, por parte do Conselho Nacional de Saúde - CNS, dos encaminhamentos e efetivação das deliberações aprovadas nas Conferências Nacionais de Saúde”, nos termos previstos pela Lei Complementar no 141, de 13 de janeiro de 2012, e pela Resolução CNS no 454, de 14 de junho de 2012. Estabelece inclusive a constituição de uma comissão “composta por catorze membros, representantes dos Conselhos Estadual, Municipal e Local de Saúde, respeitando a paridade em sua composição, e representante do Ministério Público, para elaborar cronograma trimestral visando o monitoramento da efetividade das propostas aprovadas na Conferência Nacional de Saúde”.

Já na 16a conferência, a preocupação exposta foi sobre o poder de incidência das deliberações na construção dos instrumentos de gestão, tais como LOA, LDO, PPA, PES, PMS, RAG, entre outros - ou seja, uma preocupação bastante pragmática de como as decisões do conselho aparecem ou não nos instrumentos necessários para a implementação de políticas no orçamento, no planejamento e na execução. Para a 17a Conferência, a preocupação exposta nas últimas conferências se mantém: fortalecer e implementar práticas de monitoramento e avaliação nos conselhos de saúde em todo o país.

Nesse sentido, exatamente em resposta à uma deliberação da 16a Conferência, que esse curso foi pensado e elaborado, como um processo inicial e indutor da construção dessa cultura e prática avaliativa no âmbito do controle social no SUS. Como vimos anteriormente, o Monitoramento e Avaliação consistem em uma área que embasa uma prática sistemática e contínua que compõe o ciclo de políticas e deve ser pensado desde o momento de sua formulação e com a participação da sociedade nesse processo - eis a importância do controle social!

Na próxima unidade, trataremos das teorias, métodos e instrumentos que subsidiam a tríade Planejamento - Monitoramento - Avaliação e sua relação com a implementação de políticas públicas advindas dos processos deliberativos dos conselhos e conferências de saúde.