Módulo 3 Fatores físicos e sociais que contribuem para a manutenção e dispersão da doençax
Aula 3
Ciclos de transmissão das leishmanioses
As leishmanioses são transmitidas principalmente por flebotomíneos, pequenos insetos de coloração palha, também conhecidos como mosquito-palha, asa-dura ou birigui. Quando uma fêmea infectada pica um hospedeiro, como humanos ou cães, ela inocula o parasito Leishmania sp. na pele. Esse ciclo de transmissão se completa quando outro flebotomíneo pica um hospedeiro infectado e adquire o parasito. O ciclo de transmissão da doença e complexo, pois envolve diversos fatores biológicos e não biológicos.
Além dos flebotomíneos, outros artrópodes como pulgas e carrapatos também têm sido sugeridos como possíveis vetores de Leishmania (L. chagasi).
Existem outras formas de transmissão das leishmanioses que não envolvem a picada dos flebotomíneos. Em áreas onde o vetor principal está ausente, casos caninos positivos indicam a possibilidade de transmissão vertical (de mãe para filhote), venérea (durante o acasalamento) e por transfusão sanguínea. Embora essas formas não sejam as mais comuns, elas são importantes para entender a distribuição da doença, especialmente onde a presença de flebotomíneos é baixa ou inexistente.
A transmissão vertical já foi observada em diversos países onde não há a presença do vetor principal, mas ainda assim ocorrem casos de leishmanioses em cães e humanos, considerados como autóctones, ou seja, originados no próprio local.
Em inúmeros focos de leishmanioses descritos no mundo, também se observa uma grande variedade de animais mamíferos pertencentes a grupos taxonômicos distintos, identificados como possíveis reservatórios, ou simplesmente como hospedeiros acidentais, no ciclo de transmissão de diferentes espécies de Leishmania sp (Figura 29).
No ciclo de transmissão das leishmanioses, muitos animais mamíferos, tanto domésticos quanto silvestres, podem atuar como reservatórios ou hospedeiros acidentais. O cão doméstico (Canis familiaris) tem um papel crucial, especialmente em áreas urbanas, por estar muito próximo aos humanos. Cães podem ser infectados por várias espécies de Leishmania, como L. braziliensis, L. amazonensis e L. chagasi.
Outros animais domésticos, como os gatos (Felis catus), também podem ser infectados por Leishmania, tanto por espécies causadoras da forma tegumentar, como da visceral.
Embora os gatos ainda não sejam considerados reservatórios importantes no ciclo da leishmaniose, a frequência de casos felinos tem aumentado. Os tutores e os profissionais envolvidos no cuidado desses animais devem estar atentos para a ocorrência das leishmanioses.
Além de cães e gatos, há relatos raros de infecção por Leishmania em equinos, asininos e suínos em diferentes regiões, o que mostra a ampla gama de hospedeiros potenciais do parasito. Vale ressaltar que a probabilidade de transmissão da doença vai depender das condições de exposição dos humanos aos flebotomíneos, assim como ao contexto eco epidemiológico do ambiente.
Ambiente silvestre
Os ambientes silvestres são essenciais para o equilíbrio ecológico, abrigando uma vasta diversidade de animais e plantas. É importante respeitar esses ambientes naturais, pois “Somos nós que invadimos o habitat natural deles quando entramos em ambiente de matas” (CARDOSO, 2020).
No Brasil, os ambientes silvestres são o lar de muitos vetores e hospedeiros naturais do parasito Leishmania sp. Vertebrados como bichos-preguiça, macacos, cotias, quatis, pacas, tamanduás e outros animais silvestres nativos das regiões tropicais são particularmente suscetíveis a infecções por este parasito. Quando humanos ou animais domésticos, especialmente cães, adentram esses habitats, eles podem se tornar parte do ciclo natural da transmissão das leishmanioses, ocorrendo o risco de contrair a doença.

Muitos animais vertebrados silvestres têm sido identificados como reservatórios de Leishmania sp. Estas espécies animais são classificadas como potenciais reservatórios ou hospedeiros do parasito de acordo com alguns critérios, como: capacidade de transmissão por xenodiagnóstico ou isolamento do parasito, como também a capacidade de retenção do parasito (persistência) (ROQUE; JASEN, 2014).
O gambá, cientificamente conhecido como Didelphis marsupialis, desempenha um papel importante na transmissão da leishmaniose tegumentar. Diversas pesquisas indicam que o gambá pode ser um potencial reservatório de Leishmania guyanensis e um hospedeiro de Leishmania amazonensis.

A espécie Didelphis marsupialis é a mais comum entre as 65 espécies da ordem Didelphimorphia (opossums) e é a única espécie de marsupial existente nas Américas, encontrando-se desde o norte dos Estados Unidos até o sul da Argentina. Esse animal é altamente adaptável a ambientes urbanos e periurbanos, mostrando uma grande capacidade de viver em áreas modificadas pelo homem. Essa adaptação é facilitada pela ausência de predadores naturais em ambientes urbanos, o que permite que a população de gambás cresça nessas áreas.
Além de seu papel no ciclo da leishmaniose, o gambá também pode servir como hospedeiro de outros parasitos importantes, como o Trypanosoma cruzi, o agente causador da Doença de Chagas.
Estudos mostram que os flebotomíneos, vetores da leishmaniose, preferem se alimentar do sangue do gambá. Além disso, esses insetos também foram encontrados em ninhos de outra espécie de gambá, Didelphis albiventris.
Ambiente urbano
No Brasil, as leishmanioses são doenças transmitidas por insetos (os flebotomíneos) e consideradas de grande importância tanto para a saúde humana quanto para a veterinária. Historicamente, essas doenças eram mais comuns em áreas rurais e florestais. Porém, a partir da década de 1980, elas começaram a se espalhar para áreas urbanas em quase todo o país, tornando-se um problema significativo para a saúde pública.
Expansão para áreas urbanas
Nas últimas décadas, as leishmanioses têm se tornado cada vez mais comuns nas grandes cidades brasileiras. O crescimento desordenado das áreas urbanas, junto com a migração de pessoas, a instalação de assentamentos sem planejamento e a falta de saneamento básico, criam condições ideais para a propagação da doença. Essas condições facilitam a manutenção do ciclo de transmissão do parasito.
Cães como principais reservatórios
Os cães são os principais reservatórios do parasito da leishmaniose visceral em ambientes urbanos. Muitas vezes, quando as famílias se mudam, elas levam seus cães, que podem estar infectados mesmo sem mostrar sintomas. Esses cães infectados são uma fonte de parasitos para vetores que podem transmitir, para outros cães e para os humanos. Onde há cães contaminados, há uma maior chance de infecção em humanos.
Adaptação dos flebotomíneos
Os flebotomíneos, popularmente conhecidos como "mosquito-palha", são os insetos responsáveis pela transmissão das leishmanioses. Originalmente, eles viviam em florestas, mas agora se adaptaram para viver perto das casas e em áreas urbanas densamente povoadas. Essa adaptação aumenta o risco de transmissão da doença em áreas urbanas, especialmente onde as condições sanitárias são inadequadas.
Migração e urbanização
A migração de pessoas e o crescimento das cidades desempenham um papel crucial na disseminação das leishmanioses. Grandes obras de infraestrutura, como a construção de rodovias e gasodutos, facilitam a movimentação de trabalhadores e seus cães, o que pode levar a doença para novas áreas. Além disso, o desmatamento força os insetos a se mudarem para novas áreas, muitas vezes mais próximas das cidades.
Mudanças climáticas
As mudanças no clima também influenciam a expansão das leishmanioses. Alterações na temperatura e na chuva podem afetar onde os flebotomíneos conseguem viver, permitindo que se estabeleçam em novas áreas e aumentem o risco de transmissão (Figura 31).

Controle e prevenção
Para controlar a disseminação das leishmanioses em áreas urbanas, é crucial implementar políticas de saúde pública coordenadas que envolvam diversas esferas do governo. As principais medidas de controle incluem:
- Redução da população de vetores: implementar programas para controlar a população de flebotomíneos;
- Monitoramento de cães: testar e tratar cães para reduzir a quantidade de animais infectados;
- Educação e conscientização: informar a população sobre como evitar a exposição aos vetores;
- Melhoria das condições de vida: investir em saneamento básico e infraestrutura para melhorar a saúde pública e reduzir a degradação ambiental.
Histórico da leishmaniose visceral (LV) no Brasil
A Leishmaniose visceral (LV) foi identificada no Brasil em 1913 e é considerada uma espécie invasora no país. Inicialmente, ela se manteve restrita às áreas rurais do Nordeste. No entanto, a partir dos anos 80, começou a invadir áreas urbanas e periurbanas em várias regiões do Brasil.
Fatores que contribuem para a disseminação
Vários fatores contribuíram para a disseminação das leishmanioses no Brasil, incluindo:
- Construção de infraestruturas: a construção de rodovias e gasodutos facilitou a movimentação de trabalhadores e cães infectados;
- Desmatamento: a destruição de florestas desloca os insetos transmissores para novas áreas;
- Mudanças climáticas: as mudanças no clima facilitam a propagação da doença.
Ambiente periurbano
Você sabe o que é um ambiente perubiano
O ambiente periurbano é uma área que fica na periferia das cidades, caracterizada por uma densidade populacional de baixa a média. Essas áreas são geralmente utilizadas para atividades rurais em pequena escala, muitas vezes realizadas por famílias. O crescimento das cidades e a migração de pessoas para as periferias resultam em um espaço que combina características urbanas e rurais. As encostas ocupadas e os aglomerados próximos a matas secundárias ou residuais são exemplos típicos dessas zonas de transição entre cidade e campo (Figura 32).

Características do espaço periurbano
O ambiente periurbano mistura elementos urbanos e rurais. É resultado do crescimento das cidades que se espalham para áreas rurais vizinhas, mas que ainda não foram completamente integradas ao espaço urbano. Essas áreas são dinâmicas e estão sujeitas a rápidas transformações econômicas, sociais e físicas, devido à proximidade com grandes centros urbanos. No ambiente periurbano, convivem atividades agrícolas e urbanas, refletindo a pluralidade e a versatilidade do uso do solo.
Leishmanioses no ambiente periurbano
Historicamente, as leishmanioses eram uma doença associada a animais silvestres e pessoas em contato direto com florestas. Com o tempo, começou a ocorrer também em áreas rurais desmatadas e em regiões periurbanas. Nessas áreas, a presença de animais silvestres, domésticos e pessoas vindas de diferentes localidades urbanas e rurais cria um cenário propício para a transmissão da doença.
As leishmanioses nessas áreas apresentam um duplo perfil epidemiológico:
- Casos provenientes de focos antigos ou áreas próximas;
- Novos surtos associados a atividades econômicas como mineração, expansão agrícola e migração humana.
Fatores que contribuem para a transmissão
A leishmaniose se torna mais prevalente em áreas periurbanas devido a vários fatores:
- Falta de saneamento básico e condições econômicas precárias: a ausência de infraestrutura adequada favorece a proliferação de insetos transmissores;
- Migração e expansão urbana: pessoas se mudando para as periferias, muitas vezes levando animais de estimação que podem ser reservatórios do parasito;
- Convívio com animais: tanto silvestres quanto domésticos, como cães e equinos, que podem ser fontes de infecção;
- Acúmulo de lixo: cria condições ideais para o aumento da população de roedores e insetos.
Controle e prevenção
A leishmaniose, apesar de ser uma doença complexa, pode ser controlada e prevenida com medidas apropriadas. Algumas ações essenciais incluem:
- Redução do contato com vetores: uso de inseticidas, mosquiteiros, telas nas janelas e portas, repelentes e roupas que cubram as áreas expostas. É recomendado que as moradias mantenham uma distância mínima de 200 a 300 metros das áreas de mata;
- Melhoria das condições ambientais: saneamento básico e gestão adequada do lixo são fundamentais para reduzir os focos de insetos;
- Educação e conscientização da população: informar sobre os riscos e as medidas de prevenção é crucial para o controle da doença.
Papel do poder público
É vital que o poder público desenvolva políticas de saúde que sejam adaptáveis às características específicas de cada região periurbana. Isso inclui a preparação de programas de prevenção que envolvam a comunidade na tomada de decisões sobre as melhores estratégias de combate à doença. A conscientização sobre a gravidade da leishmaniose e a importância da preservação dos animais são essenciais para a eficácia dessas ações.
Resumo
O ambiente periurbano combina características urbanas e rurais e apresenta desafios únicos para o controle das leishmanioses. Com a expansão das cidades, essas áreas se tornaram locais onde a doença pode se espalhar rapidamente devido a fatores como falta de saneamento e convívio próximo com animais. O controle eficaz das leishmanioses nessas regiões requer uma abordagem integrada, que inclui medidas de proteção individual, melhoria das condições ambientais e políticas públicas bem planejadas.
Como conceituar um espaço próximo às cidades, com paisagem rural, na lógica urbana?