Módulo 3 Fatores físicos e sociais que contribuem para a manutenção e dispersão da doenças

Aula 1

Fatores físicos e sociais que contribuem para a manutenção e dispersão, agravamento da doença e consequências no processo de transmissão


Alterações ambientais

As abordagens de saúde e meio ambiente devem ser consideradas tanto nas dimensões globais, como o aquecimento global e a camada de ozônio, quanto em questões locais, que afetam o dia a dia das populações, como o desmatamento e a ausência de saneamento básico, os quais podem afetar a saúde da população.

Neste contexto, é importante entender como a perda da biodiversidade, as mudanças climáticas, a degradação ambiental e outros problemas ambientais causados por atividades humanas (como consumo de energia, uso da água e urbanização), podem afetar a saúde pública.

O Observatório de Saúde Global listou 133 doenças ou grupos de doenças, das quais 101 têm ligações significativas com o meio ambiente. As leishmanioses, um grupo de doenças de caráter antropozoonótico, com alta prevalência em regiões subtropicais, causadas por mais de 20 espécies de protozoários pertencentes ao gênero Leishmania, é reconhecida pela OMS como uma doença negligenciada. Globalmente, cerca de 27% dos casos estão relacionados com as condições ambientais.

A leishmaniose apresenta-se sob duas formas principais: a leishmaniose visceral (LV) e a leishmaniose tegumentar (LT). A LV é considerada a mais grave, afetando órgãos como baço, fígado, medula óssea e linfonodos, podendo levar à perda de suas funções e, por conseguinte, caminhar para o óbito quando não tratada corretamente.

A LV é endêmica em 78 países, incluindo pelo menos 12 países do continente americano. No Brasil, em 2018, foram registrados 3.460 casos de LV, representando 97,14% dos casos na América Latina.

A LT também pode evoluir para uma forma crônica, sendo a leishmaniose cutânea (LC) a mais comum, caracterizada por uma única ou mais úlceras na pele que podem seguir para cura espontânea. A leishmaniose mucosa (LM) pode ocorrer devido à cura sem tratamento adequado, causando a destruição das mucosas, podendo também aparecer concomitantemente à lesão cutânea. Há também formas disseminadas cutâneas, infiltrativas e não-ulcerosas, como a leishmaniose cutânea difusa, que afetam indivíduos com sistemas imunológicos comprometidos.

A análise histórica mostra que fatores como a implantação de grandes projetos governamentais na Amazônia, desde a década de 1970, estão ligados ao aumento dos casos de LT. Esses projetos envolvem a presença humana nas matas e o desmatamento de grandes áreas florestais.

Para analisar a incidência de casos de leishmaniose, é essencial considerar não apenas as variáveis climáticas, mas também os fatores humanos, como a densidade populacional, a pobreza humana e o índice de Pegada Humana Terrestre Global (HFP), que se relacionam principalmente com a caça, exploração madeireira e habitação nas bordas das florestas.

O desmatamento (Figura 26) da vegetação nativa facilita a adaptação dos vetores e reservatórios da doença, como o gambá (Didelphis albiventris), fora de seu ambiente natural. A ação humana sobre o meio ambiente é um fator chave para o aumento dos casos de leishmaniose no Brasil. A degradação ambiental progressiva tem levado espécies que antes viviam exclusivamente em florestas a migrarem para áreas urbanas, favorecendo a propagação da doença, especialmente em regiões com condições sociais precárias.

Fotografia de uma paisagem rural com áreas de vegetação nativa parcialmente desmatadas. Em primeiro plano, há uma pequena construção de madeira coberta com telhas e vegetação rasteira ao redor. Ao fundo, vê-se um caminho de terra, áreas de vegetação esparsa e algumas casas isoladas próximas a encostas verdes. O cenário mostra sinais de intervenção humana para moradia e possível plantação, caracterizando o desmatamento da vegetação nativa para uso do solo. Céu parcialmente nublado com algumas árvores no topo da imagem.​
Figura 26.Desmatamento da vegetação nativa para moradia e plantação de monocultura.Fonte:Os autores

Mudanças climáticas

Estudos mostram que as mudanças climáticas têm grande impacto na disseminação de doenças como as leishmanioses. Alterações na temperatura e nas chuvas influenciam a presença e a atividade dos flebotomíneos que transmitem a doença. Tanto a saúde humana quanto a animal sofrem com essas mudanças, que afetam os ecossistemas e facilitam a propagação de doenças infecciosas.

Períodos prolongados de seca ou de chuva podem afetar o ciclo de vida dos de insetos e a imunidade dos hospedeiros, tornando-os mais suscetíveis à infecção. Isso facilita a transmissão de doenças como a malária, leishmanioses e outras arboviroses.

Evidências indicam que os flebotomíneos que transmitem as leishmanioses são mais ativos logo após a estação chuvosa, quando sua população aumenta em áreas endêmicas.

No Brasil, onde cerca de 350 milhões de pessoas estão em risco de infecção, aproximadamente 12 milhões já foram infectadas, com cerca de dois milhões de novos casos por ano.

Os flebotomíneos que transmitem as leishmanioses adaptam-se facilmente a diferentes temperaturas e ambientes, incluindo áreas próximas a residências e abrigos de animais. Isso torna essencial o desenvolvimento de políticas públicas para combater e controlar a doença, especialmente em regiões mais vulneráveis.

Projeções indicam que, até o final do século, o Brasil pode apresentar um aumento significativo nos casos de leishmanioses devido às alterações climáticas. Todas as regiões do país enfrentarão esse crescimento, com a região Sul mostrando um aumento particularmente acentuado nas internações anuais, cerca de 228%.

Condições econômicas da população

Estudos mostram que municípios com melhores índices de desenvolvimento têm melhores condições educacionais e mais acesso à informação. Desse modo, o ensino em saúde é considerado uma das ferramentas essenciais para a promoção da saúde, pois permite a capacitação da população quanto à importância de prevenir doenças. As leishmanioses apresentam uma expansão em quase todo o território brasileiro, ganhando destaque naqueles municípios com crescente urbanização e altos índices de pobreza

Modelos experimentais sugerem que um aumento de 1% na taxa de pobreza pode resultar em um aumento de 5% nos casos de leishmaniose. Em contrapartida, um aumento na renda per capita pode reduzir os casos. Portanto, municípios com baixo desenvolvimento econômico tendem a ter mais casos de leishmanioses.

O controle das leishmanioses em áreas endêmicas é complexo e envolve não apenas o setor de saúde, mas também áreas sociais e econômicas. Piores condições sociais e econômicas aumentam a probabilidade de novos casos. Assim, é essencial a criação de programas sociais para melhorar as condições financeiras e sociais da população.

A falta de saneamento básico, como a ausência de coleta de lixo em bairros periféricos, pode criar um ambiente favorável para a transmissão da doença. As unidades de saúde precisam estar preparadas para prevenir e tratar as leishmanioses, especialmente em áreas com condições sociais precárias.

Migração das populações

Há poucas informações sobre o papel da mobilidade populacional na manutenção das leishmanioses. Em áreas rurais, a maioria dos casos é autóctone, enquanto nas áreas urbanas, os casos geralmente estão ligados a migrantes, com uma predominância no sexo masculino.

Entre os casos notificados de leishmaniose tegumentar, observa-se uma maior ocorrência na população residente em áreas rurais com a proporção dos casos sendo variada nas diferentes áreas endêmicas.

No Brasil, a transmissão da leishmaniose tegumentar ocorre em três principais contextos: na natureza, quando o homem entra em contato com o ambiente selvagem; em áreas ocupadas para lazer ou trabalho; e em zonas rurais e periurbanas, muitas vezes relacionadas a migração para áreas de floresta ou encostas.

Pessoas que migram para áreas de floresta ou encostas são mais vulneráveis à infecção. Isso reflete a realidade da população de baixa renda, que frequentemente não tem acesso a moradias adequadas e acaba ocupando áreas onde a transmissão das leishmanioses é mais comum.

Nas áreas rurais, a proximidade das casas com galinheiros, chiqueiros e matas facilita a infecção por Leishmania.

Casos de leishmanioses nas áreas urbanas ou periurbanas são muitas vezes atribuídos a antigos moradores rurais que mantêm hábitos que podem criar condições favoráveis para a circulação de reservatórios de Leishmania e a proliferação de flebotomíneos.

A alta incidência de casos entre jovens e mulheres, que provavelmente adquiriram a infecção em suas casas ou arredores, sugere que a transmissão domiciliar e peridomiciliar é comum em áreas endêmicas. Mesmo que essas pessoas vivam permanentemente na zona rural, a vulnerabilidade não está necessariamente ligada ao trabalho agrícola, pois muitas estão envolvidas em atividades domésticas.

Pense sobre...

Pense sobre sua região e os fatores que discutimos: Qual fator você acha que mais contribui para o aumento dos casos de leishmanioses na sua área?