Módulo 3 Saberes Indígenas para Promoção da Saúde Mental
Cursista, considere a proposta do Programa de Cultivo da Saúde Mental Indígena nos Territórios como uma oportunidade a ser explorada. Apresentaremos algumas sugestões de passos, mas sinta-se à vontade para adaptá-las conforme julgar mais adequado para o seu território. Cada território possui suas particularidades que devem ser respeitadas. Portanto, veja este Programa como um ponto de partida para desenvolver suas atividades de uma forma singular e única.
Sublinhe-se a relevância de ouvir as narrativas ancestrais, e para isso, é essencial compreender as diferenças culturais significativas que existem na cultura indígena.
A princípio, assista ao vídeo extraído da conferência proferida por Daniel Munduruku, um dos mais renomados e influentes escritores indígenas. Sua contribuição para a promoção da cultura indígena na literatura, tanto infantil quanto adulta, é realmente significativa no enfrentamento ao preconceito e desconhecimento sobre esse universo. Ganhador de várias honrarias, é vencedor do Prêmio Jabuti (2017); Prêmio Érico Vannucci Mendes (outorgado pelo CNPq); Prêmio Tolerância (outorgado pela UNESCO) e Prêmio da Fundação Bunge pelo conjunto de sua obra e atuação cultural (2018).
Teko Porã | Excertos conferência Daniel Munduruku - Bem Viver Indígena
Fonte: Youtube
1. Escutar as Histórias Ancestrais da Saúde Mental no Território
Primeiramente, para começarmos a cultivar qualquer tipo de planta, é essencial compreendermos um pouco sobre sua história. É importante descobrirmos qual é a época ideal para o plantio, os lugares onde ela se desenvolve melhor, suas propriedades, as utilidades que podemos ter com ela, como se conecta com a espiritualidade e de que forma interage com os seres encantados daquele território.
Para descobrir como fazer o plantio, é necessário dialogar com pessoas mais antigas que provavelmente já tenham experiência com aquela planta específica, além de consultar os pajés que têm uma ligação profunda com a espiritualidade, a fim de entender de que forma os seres encantados podem auxiliar nessa nova colheita.
Existem narrativas, significados e saberes específicos que formam uma Psicologia Indígena. Por isso, é essencial que compreendamos essa Psicologia a partir da perspectiva dos próprios povos indígenas. É fundamental perceber a distinção entre a cosmovisão indígena, como apresentada por Daniel Munduruku, e a abordagem biologicista e eurocentrada da saúde, que se encontra desconectada da natureza.
Para ilustrar isso, assistamos a um vídeo de Alisson Cleomar, jovem da comunidade Pankararu e estudante de medicina, que fala sobre o Bem Viver.
Vamos assistir à entrevista de Francyslane Vitória da Silva (Especialista em Saúde da Família com Ênfase na Saúde da População do Campo pela Fiocruz-Brasília e Pesquisadora do Programa de Saúde, Ambiente e Trabalho da FIOCRUZ Brasília - PSAT) com Eufélia Lima Gonçalves (Indígena do Povo Tariano e Enfermeira Especialista em Saúde Indígena) sobre as estratégias de Promoção da Saúde Mental Indígena.
Antes de tomar qualquer iniciativa, é importante manter uma atitude humilde, curiosidade para conhecer as narrativas e entusiasmo para se encontrar com as pessoas da região. Desejamos que você desfrute dessa jornada com alegria, consideração e foco. Com essas posturas, solicite a bênção para a espiritualidade para que possamos caminhar da seguinte forma:
-
Falar com o Pajé ou a Manje do Território para entender a visão deles sobre
a Saúde Mental Indígena. Essas percepções estão profundamente ligadas à
espiritualidade e ao saber ancestral. Eles e elas podem contribuir
significativamente para fomentar a Saúde Mental entre os jovens indígenas da
região. Você pode fazer as seguintes indagações:
- Qual é a visão dele/dela?
- Qual a perspectiva da espiritualidade/ancestralidade/seres encantados em relação à saúde mental?
- Como ele identifica que poderiam ser implementadas iniciativas de saúde mental no território voltadas para os jovens?
- Onde poderia iniciar essa ação específica de promoção da saúde mental para os jovens?
Assista ao vídeo da entrevista realizada pela Coordenador do curso Dra. Kellen Gasgue com o Pajé Francisco Uruma Kambeba, Cacique da aldeia Tururucari-Uka, no Amazonas.
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Conversar com os anciões/anciãs/troncos velhos do território. Essas pessoas
são portadores/as de conhecimentos transmitidos por meio da oralidade, com
histórias de resistência e práticas de promoção de saúde mental, que podem
ter sido desenvolvidas por muitas gerações no território indígenas. Dessa
forma, você pode fazer as seguintes perguntas para os anciões/as
anciãs/troncos velhos:
- Como eles/as compreendem a Saúde Mental?
- Como eles percebem que a Saúde Mental mudou ao longo do tempo?
- O que poderia ser feito para promover a saúde mental com os jovens do território?
Para assistir...Com esses conhecimentos ancestrais da pajelança e da ancestralidade, teremos uma percepção de quais as principais características dessa saúde mental indígena. Provavelmente, as compreensões da Saúde Mental estariam em torno de uma concepção de Bem Viver, em que se busca uma vida digna e boa em conexão com a natureza, espiritualidade, território e comunidade. Para saber mais sobre o Bem Viver, assista aqui:
Fonte: Youtube
Além disso, o Bem Viver também envolve a luta e o direito à terra, além da necessidade de que essa terra seja mantida preservada.
Com o conhecimento ancestral a respeito da Saúde Mental, podemos avançar para a etapa seguinte do nosso Programa de Cultivo, que consiste em localizar uma terra adequada para plantar e pessoas dispostas a colaborar.
2. Encontrar uma terra, mobilizar o território e adubar a Saúde Mental Indígena
É de nosso conhecimento que o Brasil é um espaço habitado por povos indígenas, porém é essencial identificar quais áreas são adequadas para o cultivo de certas plantas. Através de diálogos com os pajés os/as pajés/manjes e anciãos/anciãs, já obtivemos algumas sugestões sobre os melhores lugares. Embora existam várias opções de terras para plantio, é fundamental escolher uma para darmos início ao processo. Ou seja, temos diversas iniciativas de saúde mental a serem realizadas, mas é necessário definir uma para começarmos. Além disso, para garantir uma grande colheita que sustente uma comunidade, é indispensável contar com várias pessoas para limpar, arar e fertilizar a terra, a fim de cultivar qualquer tipo de alimento ou plantação.
Para essa preparação e escolha da terra, podemos envolver várias pessoas. Novamente, é crucial manter conversas com várias pessoas e grupos que estão envolvidos na área para organizar os próximos passos. A nossa recomendação é que você organize um diálogo de forma similar.
Por exemplo, você poderia compartilhar as informações abaixo, durante uma conversa com alguns representantes da comunidade, como líderes indígenas, lideranças políticas locais, a equipe de saúde indígena, representantes da escola voltada para a educação indígena e representantes da Rede de Atenção Psicossocial (Unidades Básicas de Saúde, os Centros de Atenção Psicossocial e os Núcleos de Apoio à Saúde da Família):
- Estamos participando de um curso e temos como atividade o planejamento e o desenvolvimento de um programa para promover a Saúde Mental Indígena entre a juventude em nosso território. Esse curso nos proporcionou algumas sugestões que podemos implementar, mas antes, gostaríamos de ouvir sua opinião e saber se podemos contar com seu apoio. Já dialogamos com nosso pajé/manje e com alguns/as anciões/anciãs.
- Primeiramente, queremos saber como você percebe a situação da saúde mental dos jovens em nosso território?
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O/a pajé/manje, juntamente com os anciões/anciãs, nos trouxeram as seguintes
sugestões [compartilhar as ideias fornecidas]. Além disso, refletimos sobre
algumas propostas para a promoção da Saúde Mental Indígena:
- Caminhadas de conexão com a natureza. Mensalmente, poderiam ser organizadas caminhadas guiadas para explorar a natureza do território. Essas caminhadas poderiam durar uma hora, com paradas para que as pessoas compartilhem como se sentem em relação a essa atividade.
- Cuidando do sagrado. Encontros que ocorram semanalmente, a cada quinze dias ou mensalmente onde uma pessoa conduza momentos de meditação guiada, além de músicas e danças do território, para fortalecer as conexões ancestrais. Sugerimos que todos os encontros incluam um espaço para que as pessoas expressem como se sentem naquele momento. Depois, podemos realizar atividades que se conectem com a espiritualidade.
- Encontro de cuidado dos sentimentos. Reuniões que podem ser semanais, quinzenais ou mensais, onde os participantes compartilham seus sentimentos e buscam apoio mútuo. Poderão ser encontros direcionados, onde uma pessoa fala de suas emoções, ou encontros abertos onde qualquer um pode expressar o que sente.
- Encontro de escalda pés e ervas medicinais. Reuniões que também podem ser semanais, quinzenais ou mensais, onde os participantes compartilham conhecimentos sobre ervas medicinais. Durante esses encontros, podem preparar suas próprias infusões de chás. Também, seria possível realizar um escalda-pés, onde as pessoas se revezam no ato de dar e receber esse cuidado.
Cursista, para que você compreenda com mais clareza, trazemos um exemplo de como os saberes populares contribuem para a prevenção dos principais problemas relacionados à saúde mental, utilizando um domínio essencial na medicina e na saúde dos indígenas: o uso de plantas medicinais.
Para os indígenas, os processos de saúde e doença implicam conexões entre natureza, cultura, aspectos físicos e espirituais. Aqui, trazemos, como exemplo, uma cartilha, resultado de um levantamento etnobotânico das plantas medicinais, utilizadas pelos indígenas Kaxinawá, que traz uma amostra de como as plantas são utilizadas, a partir da sabedoria popular indígena para o cuidado e prevenção de agravos.
Para os Kaxinawá, as doenças possuem causas múltiplas e são produzidas por um conjunto de forças internas e externas, enquanto os desenvolvimentos físico, mental, emocional e espiritual estão relacionados entre si.
Nos exemplos mencionados acima, a cartilha aponta como a comunidade pode lidar com situações de dor de cabeça, febre, tontura e dores estomacais, enfermidades que na cultura ocidental são geralmente tratadas com fármacos. Além disso, a comunidade utiliza plantas medicinais reconhecidas como antibióticos, como a Karu Tukua Rau, por exemplo.
Saiba mais...Para acessar a Cartilha de Plantas Medicinais (Rau Xarabu) na íntegra: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/215711/1/27019.pdf
Com a atividade de promoção de saúde mental identificada e as pessoas disponíveis, você pode planejar onde serão realizadas as atividades. Apresentamos, abaixo, algumas sugestões de locais:
Escola;
Unidade de Saúde Indígena;
Unidade Básica de Saúde;
Associação;
Espaço de espiritualidade no território;
Casa de alguma pessoa do território, com quintal ou área para fazer roda;
Alguma rua do território que as pessoas possam reunir;
Outro espaço que for identificado;
Após selecionar o espaço e a atividade, você pode promover a atividade no grupo de WhatsApp da comunidade, aldeia e território. Também pode criar impressões de convites para compartilhar sobre o grupo. Seja receptivo a novos indivíduos que desejam ajudar na organização e na facilitação da atividade junto a você.
Através dessas iniciativas, você conseguiu descobrir um solo produtivo, definir o que será cultivado, preparar a terra de maneira colaborativa e coletiva, e dar início ao plantio das primeiras sementes.
3. Plantar as primeiras sementes, regar, podar e Cuidar da Saúde Mental Indígena
Com a divulgação da atividade e o começo das ações, entendemos que é hora de plantar as primeiras sementes. O primeiro encontro é fundamental para organizar as ações e pactuar a frequência das atividades com os participantes. Contudo, antes de compartilhar com você as orientações sobre esse primeiro encontro, queremos enfatizar que aqueles que irão conduzir as atividades devem estar dispostos a ouvir, atentamente, os membros dos grupos e das atividades.
Temos algumas sugestões simples de como realizar esse processo de facilitação e cuidado dos sentimentos:
- Evite julgamentos. Por exemplo, evite falar frases como “eu acho que você está errado”; “que horrível que isso aconteceu com você;
- Prefira focar nos sentimentos que a pessoa está a compartilhar, com frases que tendem a reconhecer que você está entendendo o que ela está dizendo: “você parece que está se sentindo triste com isso”; “eu sinto que você ficou muito chateado com o que correu com você;
- Demonstre que você está presente com atitudes corporais. Olhe nos olhos e evite ficar olhando o celular. Observe como as pessoas estão experienciando suas emoções; e
- Esteja aberto(a) às ideias de atividades propostas pelos próprios integrantes do grupo.
No primeiro encontro, tudo deve ser acordado entre as pessoas. Temos um passo a passo desse primeiro momento:
Antes do Encontro:
- Reforce, no grupo de WhatsApp ou entre as pessoas envolvidas, a data e horário do primeiro encontro;
- Prepare um passo a passo desse primeiro encontro;
- Chegue um pouquinho mais cedo, para arrumar o local de realização das atividades;
- Dê prioridade à organização e disposição do espaço de forma que a atividade ocorra em círculo, permitindo que todos participantes fiquem na mesma altura e tenham consciência da localização de cada um.
Durante o Encontro:
- Inicie com uma dinâmica de apresentação das pessoas;
- Faça a apresentação do objetivo do encontro;
- Convide as pessoas para realizarem as atividades propostas;
- Ao concluir as atividades, realize uma análise sobre o encontro. Para perceber se nosso Programa de Saúde Mental necessita de algum cuidado específico (como mais adubo, poda ou mudar a área da plantação), é essencial que cada reunião passe por uma avaliação das experiências vivenciadas. Os facilitadores podem questionar os participantes sobre suas opiniões a respeito das atividades.
- Avalie o formato, qual será a periodicidade, o horário e local de realização.
Depois do Encontro:
- Faça uma repartição das tarefas entre os membros do grupo encarregados da organização;
- Avalie como foi o encontro;
- Organize sua agenda para garantir a participação nos próximos encontros, com base nos compromissos estabelecidos sobre data, horário, local e formato dos encontros;
- Esteja disposto a realizar encontros individuais com os integrantes do grupo que desejem conversar sobre seus sentimentos de forma mais reservada;
- Tenha momentos de autocuidado, para que possa estar bem ao cuidar dos outros.
Com toda a atenção dedicada pelo Programa de Cultivo da Saúde Mental Indígena voltado aos jovens, temos convicção de que vocês irão obter bons resultados nas comunidades. De fato, é necessário um tempo para descobrir a planta ideal, o local apropriado para o cultivo, as pessoas que se encarregarão do solo em um esforço conjunto, além do processo de fertilização e do zelo necessário nesse momento crucial de semeadura. A constância na irrigação, na poda e na fertilização também se revela fundamental. Graças a esses cuidados e etapas, acreditamos que a Saúde Mental irá se desenvolver robusta, integrada aos conhecimentos locais, conectada às tradições ancestrais e ampliando suas raízes para fomentar novos crescimentos e ações futuras.
Agora, vamos assistir ao psicólogo comunitário James Moura, que tem desenvolvido, de forma coletiva, uma atividade de fortalecimento da saúde mental indígena com os Troncos Velhos da etnia Pitaguary, na Aldeia Monguba, no Nordeste do Brasil.
Nossos sinceros agradecimentos por sua participação no Curso de Promoção da Saúde de Jovens Indígenas. Desejamos que você continue nessa trajetória ancestral de atenção e fortalecimento da saúde mental indígena e que considere as vivências desses estudos tão enriquecedoras quanto nós.
Saberes Indígenas – Ancestralidade, tradição e educação com a natureza
Cursista, para complementar essa conversa, separamos para você um vídeo que aborda Saberes Indígenas – Ancestralidade, tradição e educação com a natureza. Que tal assistir até o final e pensar na relação entre o diálogo do vídeo e tudo o que foi abordado até aqui?
Fonte: Youtube