- A saúde não era uma prioridade em relação às outras funções da previdência. O financiamento da assistência médica, hospitalar e farmacêutica dependia da sobra de recursos dos gastos com os aposentados, viúvas e órfãos;
Módulo 1 | Aula 1 Políticas de Saúde no Brasil e Reforma Sanitária: a luta pelo direito à saúde
O surgimento da medicina previdenciária
No Brasil, a organização de um sistema para ofertar assistência à saúde surge com a criação da previdência social. A previdência faz parte da ideia de proteção social como atribuição do Estado. É uma política pública que busca proteger os trabalhadores por meio de diferentes tipos de benefícios, como a aposentadoria e a licença maternidade, por exemplo.
Sistema de Proteção Social:
É o conjunto de iniciativas públicas promovidas pelo Estado para garantir direitos sociais a serviços e benefícios oferecidos aos cidadãos para redução das vulnerabilidades, fragilidades e riscos de ordem social, política e econômica.
Sua estruturação nasce no século XIX, quando é criado o chamado Estado de Bem-Estar Social.
Neste vídeo, Isa Guará explica o que significa a proteção social e dá exemplos de como os governos podem colocar na prática políticas que protejam a população. Veja no Youtube (Sugerimos que assista do minuto 00:14 até 15:14).
Na década de 1920, havia uma intensa mobilização social por parte de movimentos anarquistas e comunistas que exigiam do Estado a oferta de atenção à saúde para minimizar as crises sanitárias que afetavam os trabalhadores.
Diante desse cenário, em:
1923
A previdência social começa a se organizar no país, a partir das chamadas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), organizadas por cada empresa específica.
1933
Dez anos depois estas caixas foram transformadas em Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), com a criação de institutos específicos para cada categoria profissional (bancários, comerciários, industriários etc.)
1966
Todos estes institutos foram extintos e unificados para serem administrados em uma única organização vinculada ao governo federal, o Instituto Nacional de Previdência Social, que, desde os anos 1990, passou a ser conhecido por Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Mas você pode estar se perguntando: “o que estas instituições da previdência têm a ver com saúde?
Além de pagar as aposentadorias, pensões e outros benefícios relacionados aos direitos trabalhistas, foram estas instituições que ficaram com a responsabilidade de organizar a prestação de serviços de assistência médica aos trabalhadores no Brasil até meados de 1988.
Assim, por muitas décadas, o direito à saúde foi garantido somente para quem estava trabalhando com carteira assinada no comércio formal, nos bancos, nas indústrias, nas ferrovias etc. Estamos falando da medicina previdenciária, ou seja, os trabalhadores formais que contribuíam com a previdência poderiam acessar ações e serviços de assistência à saúde, que eram disponibilizados pelos próprios institutos previdenciários.
A escolha por desenvolver uma política de saúde para proteger a mão de obra pretendia fortalecer o crescimento da economia do país. Mas a medicina previdenciária trouxe dois grandes problemas que ainda hoje impactam o nosso sistema de saúde.
Mas a medicina previdenciária trouxe dois grandes problemas que ainda hoje impactam o nosso sistema de saúde. Vejamos:
Estavam excluídos deste benefício:
- a parcela da população que trabalhava no setor informal, por conta própria (trabalhadores sem carteira assinada, como os vendedores ambulantes);
- a população que trabalhava no setor rural;
- a população que trabalhava no setor rural;
- a população que estava desempregada.
Ou seja, grande parte das pessoas não tinha o direito de receber a assistência à saúde quando estava doente, tendo que procurar as instituições de caridade filantrópicas como as Santas Casas, ou recorrer aos praticantes da medicina popular, como as benzedeiras, parteiras etc.
Devido a toda essa situação, permanece ainda hoje a percepção de muita gente de que a saúde não é um direito, mas uma retribuição para quem contribui.
A medicina previdenciária não integrava as ações curativas individuais com as ações de saúde pública voltadas à prevenção, ao ambiente e à coletividade. Portanto, havia uma separação no sistema de saúde entre as ações individuais de assistência à saúde para os trabalhadores segurados da previdência e as ações coletivas da saúde pública destinada a toda a população.
Ainda no contexto da medicina previdenciária, vale destacar que:
Medicina empresarial:
Inicialmente, a medicina empresarial se caracterizou com o crescimento dos hospitais e prestadores de serviços privados que eram comprados pelo poder público ou pelos indivíduos quando estes não conseguiam acesso ao serviço público de saúde. O seu crescimento é visível ainda hoje na figura das empresas de planos e seguros de saúde.
Atualmente, o setor de planos de saúde é muito forte no Brasil e auxilia a conformar um imaginário de que as pessoas seriam mais bem cuidadas pela iniciativa privada.
Seria possível garantir o direito à saúde para toda a população a partir de uma noção que acredita que cada um deveria se responsabilizar por contratar um plano de saúde que melhor atenda às suas necessidades? E como ficaria quem não pode pagar por um plano de saúde?
A medicina previdenciária da época, que se responsabilizava pela assistência individual, com ações curativas e tratamentos focados no indivíduo, contribuiu para o fortalecimento de um modelo de atenção à saúde hospitalocêntrico baseado na biomedicina.
Reduz o cuidado em saúde às questões biológicas, desconsiderando a complexa relação que existe entre o processo saúde-doença com os aspectos culturais, econômicos e históricos de uma sociedade.
Promove o individualismo, tratando a saúde como um problema do indivíduo.
Tem como ênfase a cura das doenças, o que não contempla o conjunto dos problemas de saúde da população e nem valoriza as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças.
Centra o cuidado em saúde no hospital, estimulando a realização de procedimentos, consultas especializadas e o uso de tecnologias que não resultam, necessariamente, em melhorias nas condições de saúde da população e tornam os custos mais altos.
Centralidade da atuação do profissional médico na assistência, com hierarquização do trabalho das equipes de saúde e desvalorização de outros saberes.
A saúde é vista como uma mercadoria, em que há o estímulo ao consumo de procedimentos médicos.
No módulo 4 deste curso, refletiremos mais sobre as características do modelo biomédico e os desafios que este modelo traz para a promoção de uma “atenção diferenciada” à saúde dos povos indígenas.
“O que tínhamos antes do SUS?”
Se você tiver interesse em saber mais sobre como eram os serviços de saúde antes do SUS, recomendamos a leitura do capítulo dois do livro “O que é o SUS”. Neste livro, o sanitarista Jaimilson Paim detalha como era o acesso à saúde antes do surgimento do SUS.