Módulo 2
Gestão de Riscos de Emergências em Saúde Pública no contexto da COVID-19
A saúde na Gestão de Riscos de emergências e desastres
A pandemia por COVID-19 não é o último e único evento que envolve ameaças e riscos para a saúde pública. Em todo o mundo, populações se deparam com uma ampla e diversificada gama de riscos associados às emergências e desastres em saúde, que incluem epidemias por doenças infecciosas, desastres de origem natural ou tecnológica, conflitos e insegurança alimentar, crises hídricas, ondas de calor ou frio e outros efeitos relacionados à mudança climática.
Eventos perigosos de pequena escala com consequências limitadas para a saúde ocorrem regularmente, enquanto outros eventos podem levar às emergências ou desastres com consequências significativas para a saúde pública, bem-estar e para o desenvolvimento da saúde. As consequências para a saúde, econômicas, políticas e sociais desses eventos podem ser devastadoras, tanto na fase aguda, como no longo prazo.
A gestão desses riscos é vital para proteger a saúde das populações expostas e/ou afetadas por emergências e desastres. É preciso garantir a segurança sanitária local, nacional e global, ao mesmo tempo que se constrói a resiliência de comunidades, países e sistemas de saúde, assegurando o acesso universal à saúde.
Os sistemas de saúde, em todos os níveis, têm um papel central na Gestão de Riscos e redução das consequências e impactos na saúde relacionados a todos os tipos de emergências e desastres. Embora o setor saúde possua liderança central na Gestão de Riscos e na resposta aos surtos de doenças infecciosas, epidemias e pandemias, também possui papel relevante e fundamental papel na prevenção, mitigação e manejo de respostas envolvendo emergências em saúde, desastres de origem natural (deslizamentos de terra, inundações, secas, ondas de calor e frio, entre outras) ou tecnológica (químicos, biológicos, radioativos e radiológicos).
Considerando as responsabilidades do setor saúde na Gestão de Riscos à saúde das populações envolvidas em Emergências em Saúde Pública e/ou desastres, sistematizamos a seguir a Estrutura para Saúde na Gestão de Riscos de Emergências e Desastres em Saúde (Saúde GRED), proposta pela Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2019).
Este documento tem como objetivo subsidiar o setor saúde, dos Ministérios da Saúde às Secretarias de Saúde (estaduais e municipais), bem como outras organizações e atores, com um resumo de considerações de políticas para redução de riscos e consequências de emergências e desastres, e construção da resiliência dos sistemas de saúde, comunidades e países.
A Estrutura de Saúde GRED fornece uma visão geral dos conceitos de Gestão de Riscos, orientando princípios, componentes e funções da Gestão de Riscos.
Contexto: as consequências para a saúde das emergências e desastres
As Emergências em Saúde Pública contribuem para aumentar a morbidade, mortalidade e incapacidades na saúde das populações, além de poderem resultar em graves interrupções do sistema de saúde durante sua ocorrência, comprometendo as capacidades de respostas. Elas interferem na oferta de serviços por meio de danos e destruição de unidades de saúde, interrupção dos programas, perda de pessoal e sobrecarga de serviços de cuidados e atenção.
Uma única emergência, a depender de sua magnitude, pode atrasar o desenvolvimento de ganhos na saúde pública e em outros setores por décadas.
Os custos financeiros de emergências também são impressionantes. Emergências causadas por ameaças de origem natural ou tecnológica custam em média US$ 300 bilhões anuais (World Bank, 2017), enquanto o custo dos conflitos armados pode resultar em trilhões. Mesmo antes de COVID-19, as perdas anuais esperadas relacionadas ao risco de pandemias, por meio de seus impactos na produtividade, comércio e viagens foram calculadas em cerca de US$ 500 bilhões ou 6% da receita global por ano (Fan et al., 2018). É estimado que as mortes prematuras associadas à poluição do ar causaram cerca de US$ 225 bilhões em perda de renda do trabalho para a economia global em 2013 (World Bank and Institute for Health Metrics and Evaluation, 2016).
A maioria dos países provavelmente experimentará uma emergência de grande escala aproximadamente a cada cinco anos (World Health Organization, 2008), e muitos são propensos ao retorno sazonal de ameaças como inundações, ciclones e epidemias.
Para Refletir
Embora a maior atenção nacional e internacional se concentre nas consequências de grandes desastres, centenas de emergências de menor escala e outras situações envolvendo diferentes tipos de ameaças ocorrem regularmente, como surtos de doenças, inundações, secas, incêndios florestais e acidentes causados por produtos perigosos. Cumulativamente, estes eventos são responsáveis por muitos óbitos, lesões, doenças e incapacitações.
Saúde GRED: uma abordagem integrada para gerenciar riscos à saúde e construir resiliência
O fortalecimento dos sistemas de saúde, a implementação do RSI (2005) e o desenvolvimento de estratégias de gestão multirriscos para emergências e desastres - conjuntamente com o aumento da atenção aos processos de adaptação às mudanças climáticas - são bons exemplos de avanços realizados para melhorar a gestão dos riscos para a saúde associados aos diferentes tipos de ameaças.
No entanto, muitas comunidades, municípios, estados e países ainda permanecem altamente vulneráveis às emergências e desastres. A capacidade de alcançar ótimos resultados de saúde relacionados às emergências tem tido como obstáculos abordagens fragmentadas para diferentes tipos de ameaças; ênfase exagerada na reação (gestão reativa), ao invés de prevenção e preparação para eventos (gestão corretiva e prospectiva); e por lacunas na coordenação que envolva todo o sistema de saúde nos processos, assim como entre o setor saúde e outros setores envolvidos. Diante deste contexto, torna-se fundamental avançar em abordagens e práticas contemporâneas por meio de uma estrutura conceitual ou paradigma de “Saúde na Gestão de Riscos de Emergências e Desastres” (Saúde GRED).
Principais conceitos e características da Saúde GRED
Políticas e programas para minimizar os riscos à saúde e as consequências de emergências e desastres devem ser baseados em uma abordagem de Gestão de Riscos.
Atenção
Saúde GRED é um continuum de medidas em que a ênfase se encontra na gestão dos riscos de uma potencial emergência ou desastre, e não apenas na resposta ao evento ou crise, bem como na construção da resiliência de comunidades e países.
Nesta perspectiva, o documento da OMS define o risco como:
“A combinação da probabilidade de um evento e suas consequências negativas” (United Nations Office for Disaster Risk Reduction, 2009). Mais especificamente, risco de emergência ou desastre é definido como “[O] potencial de perda de vidas e lesões ou danos e destruição de edificações e bens podem ocorrer a um sistema, sociedade ou comunidade em um período de tempo específico, determinado probabilisticamente como uma função de ameaça, exposição, vulnerabilidade e capacidade.”
(United Nations, 2016).
Riscos relacionados às ameaças podem nunca ser completamente eliminados, mas podem - e devem - ser gerenciados. Quando atividades de GRED são projetadas especificamente para reduzir a probabilidade de eventos e para minimizar consequências para a saúde, o termo “Saúde na Gestão de Riscos em Emergências e Desastres” pode ser adotado.
Uma Saúde GRED compreensiva aborda um amplo escopo de ameaças de origem natural, biológica, tecnológica e social: uma série de medidas de Gestão de Riscos são empregadas (por exemplo, prevenção primária e recuperação, além de prontidão e resposta às emergências), com o amplo engajamento do sistema de saúde e vários setores, com um forte foco na comunidade.
O documento da OMS prossegue destacando que:
“Progressos foram realizados por países para reduzir as consequências das emergências para a saúde e em outras áreas. A estratégia mais bem sucedida e de baixo custo muitas vezes emprega uma abordagem abrangente de Gestão de Riscos que visa prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação em emergências. Esta abordagem geral deve ser aplicada em todas as circunstâncias de emergências, independentemente da causa, incorporando especificidades relevantes para cada tipo de ameaça (por exemplo, biológica, geológica, química, hidrometeorológica, social). Os países também têm adotado análises pós-ação e recuperação de emergências e desastres para catalisar mudanças políticas, fortalecer os sistemas de saúde em todos os níveis de atenção e desenvolver capacidades de maneira a reduzir o risco de emergências futuras, aplicando o princípio Reconstruir Melhor.
(Build Back Better)
Saúde GRED é derivado de uma variedade de disciplinas e campos de práticas e conhecimentos relacionados à gestão de riscos, gestão de emergência e desastres, preparação e resposta às epidemias e fortalecimento dos sistemas de saúde. Saúde GRED visa servir como uma ponte entre as comunidades multidisciplinares e multissetoriais de GRED e as diversas disciplinas e setores que integram a saúde pública.
Fornecer uma linguagem comum e uma abordagem adaptável que pode ser aplicada por todos aqueles na área da saúde e outros setores que estão trabalhando para melhorar os resultados em saúde e bem-estar para as comunidades, municípios, estados e países que se encontram em situações de riscos de emergências e desastres.
Em aprendizados e conquistas anteriores, bem como nas tendências evidentes de sua incorporação nas práticas de saúde pública em todo o mundo.
Para superar os obstáculos de abordagens fragmentadas para diferentes tipos de ameaças e processos, bem como garantir maior eficácia na GRED, o setor saúde deve integrar as políticas, estratégias e ações relacionadas ao regulamento sanitário para redução de riscos de emergências com as relacionadas à redução de riscos de desastres, as relacionadas à mudança climática com as desenvolvimento sustentável.
Ao mesmo tempo, a Saúde GRED é também construída tendo como base as capacidades do sistema de saúde para a gestão de rotina ou de riscos do cotidiano. Deste modo, os sistemas de saúde desempenham um papel significativo na redução de riscos, exposições e vulnerabilidades e no estabelecimento de capacidades para prevenir a ocorrência ou reduzir as consequências de eventos perigosos que podem levar às emergências. Essas capacidades incluem integrar atenção primária, vigilância em saúde (epidemiológica, sanitária, ambiental, saúde do trabalhador e hospitalar), atendimento pré-hospitalar e hospitalar, gestão de vítimas em massa, segurança química e radiológica, saúde mental e comunicação de risco, para citar alguns exemplos. Os sistemas de saúde também devem garantir que tenham capacidades adicionais disponíveis para gerenciar riscos não rotineiros ou riscos relacionados às emergências, como, por exemplo, vigilância baseada em eventos, equipes de saúde especializadas em emergências, padrões para infraestrutura em áreas de risco, planos de respostas em emergências e exercícios simulados.
Como tal, a Saúde GRED reconhece as funções, responsabilidades e contribuições de todos os atores do sistema de saúde, o papel crítico da atenção primária em saúde, e a prestação de cuidados primários, cuidados secundários e terciários, de forma eficaz reduzindo os riscos e consequências para a saúde em emergências e desastres.
Em resumo, Saúde GRED é um importante passo em direção à transformação para a prevalência de políticas, práticas e cultura de saúde pública voltada para a promoção e proteção da saúde, manutenção de um mundo seguro e atender as pessoas com vulnerabilidades de modo que “ninguém fique para trás". A essência da mudança de abordagem está resumida na tabela abaixo.
MUDANÇA NA ABORDAGEM DA SAÚDE GRED | |
---|---|
DE | PARA |
Baseado em evento | Baseado em risco |
Reativo | Proativa |
Risco único | Multiriscos |
Foco no Dano | Foco na Vulnerabilidade e Capacidades |
Único órgão responsável | Toda sociedade |
Responsabilidade segmentada | Responsabilidade do sistema de saúde compartilhada |
Foco na resposta | Gestão de Riscos |
Planejamento para comunidades | Planejamento com as comunidades |
A base conceitual da Saúde GRED tem como alicerce a visão de que deve ter como princípio a busca do mais alto padrão possível de saúde e bem-estar para todas as pessoas em risco de emergências, combinada com o fortalecimento da resiliência desde o nível das comunidades até o do país, da segurança sanitária, do acesso universal à saúde e do desenvolvimento sustentável.
O resultado esperado é que comunidades, municípios, estados ou países tenham capacidades e sistemas de saúde mais fortalecidos, além de outros setores, resultando na redução dos riscos e consequências para a saúde associados com todos os tipos de emergências e desastres.
Princípios norteadores da Saúde GRED
Políticas, estratégias, programas e práticas de Saúde GRED eficazes devem ser orientados pelos seguintes princípios básicos e abordagens:
Os riscos que as emergências representam para a saúde pública e coletiva estão diretamente relacionados às exposições das populações às ameaças, suas condições de vulnerabilidades nestas situações, assim como as capacidades de Gestão de Riscos antes, durante e depois dos eventos. Nesta abordagem, municípios, estados ou países podem reduzir os riscos para a saúde prevenindo ou mitigando ameaças, reduzindo a exposição das populações às mesmas, reduzindo as condições de vulnerabilidades e fortalecendo as capacidades dos sistemas de saúde.
Uma abordagem compreensiva refere-se a uma série de medidas intimamente relacionadas de prevenção/mitigação, preparação para emergências (incluindo prontidão operacional), resposta e recuperação. É baseada na premissa de que as medidas de prevenção e mitigação podem reduzir a probabilidade e gravidade das emergências; que uma boa preparação levará à uma resposta eficaz; que uma resposta coordenada resultará na segmentação adequada de serviços de saúde às necessidades das populações afetadas, com foco nos mais vulneráveis; que a reabilitação e recuperação da saúde, e reconstrução da infraestrutura devem ser orientados para reduzir os riscos de emergências futuras (princípios da Promoção da Saúde para reabilitação e recuperação da saúde e de Reconstruir Melhor para infraestrutura de saúde, incluindo fortalecimento dos sistemas de saúde).
Diferentes tipos de ameaças estão associados à riscos semelhantes para a saúde. Por exemplo, muitas doenças e agravos que surgem como consequências de desastres como inundações e secas, deslizamentos de terra ou rompimentos de barragens são comuns. Ao mesmo tempo, muitas funções da Saúde GRED são similares para diferentes tipos de ameaças, como por exemplo, planejamento, logística, atenção primária, assistência farmacêutica, vigilância em saúde, comunicações de risco, entre outras. Não é eficiente e nem custo-efetivo desenvolver capacidades separadas e autônomas ou mecanismos de resposta para cada tipo de ameaças, emergências e desastres individualmente. Políticas, estratégias e programas relacionados devem, portanto, ser projetados para abordar questões comuns com capacidades comuns, complementadas por capacitações para ameaças e riscos específicos.
As populações que integram as comunidades expostas às ameaças e afetadas pelas emergências e desastres são centrais para uma Saúde GRED eficaz, pois o que se encontra sob riscos em qualquer evento é sua saúde, suas condições de vida, meios de subsistência e bens. As pessoas que integram as comunidades expostas e afetadas geralmente se encontram bem-posicionadas para contribuir com a Gestão de Riscos, por meio de suas experiências, saberes, conhecimentos e ações que proporcionam proteção para si, suas famílias e comunidades; além de muitas vezes serem os primeiros envolvidos na resposta à uma emergência. Saúde GRED emprega uma abordagem inclusiva, endereçada às necessidades e capacidades das pessoas que se encontram em grande risco e desproporcionalmente afetadas por emergências e desastres, especialmente os mais pobres, mulheres, crianças, pessoas com incapacidades, idosos, migrantes, refugiados e deslocadas, pessoas com doenças crônicas e outras subpopulações com níveis mais elevados de riscos. Todas as políticas e práticas da Saúde GRED devem integrar as perspectivas de gênero, idade, incapacidades e cultura, nas quais a liderança de mulheres, jovens e outros grupos de risco deve ser promovida.
A resiliência das comunidades pode ser fortalecida apoiando-as para identificar ameaças e vulnerabilidades relevantes e construindo suas capacidades para mitigar, preparar, responder e se recuperar de emergências e desastres, sendo baseada no conceito de construindo com “toda a sociedade".
Uma gestão eficaz dos riscos para as emergências e desastres exige uma forte e contínua colaboração intersetorial. A abordagem da Saúde Única, por exemplo, é baseada na colaboração, comunicação e coordenação envolvendo a saúde pública, a saúde animal e saúde dos ecossistemas. Enquanto o setor de saúde assume a liderança do papel técnico na Gestão de Riscos de emergências envolvendo doenças infecciosas, para a maioria dos tipos de ameaças e eventos outros setores desempenharão papéis técnicos de liderança (por exemplo, agricultura e assistência social para a insegurança alimentar, proteção e defesa civil para desastres de origem natural, órgãos ambientais para desastres de origem química). Muitas atividades de GRED necessárias para proteger a saúde também são administradas por outros setores, como manutenção de infraestrutura crítica, água e saneamento para as necessidades humanas e funcionamento dos estabelecimentos de saúde, transporte, logística, serviços de emergência e segurança alimentar, entre outros.
Para uma Saúde GRED eficaz é fundamental que o setor saúde desenvolva fortes relacionamentos com os muitos atores que desempenham papéis para lidar com a Gestão de Riscos de emergências para saúde. É fundamental uma forte e contínua articulação intersetorial (com outros setores além do setor saúde) e intrasetorial (com outras áreas dentro do próprio setor saúde), além de envolvimento e participação das comunidades locais expostas e afetadas.
Medidas de fortalecimento do sistema de saúde estão entre as mais eficazes para a Saúde GRED. Altas taxas de cobertura da atenção primária em saúde, incluindo a Estratégia de Saúde da Família, através da implementação de políticas de fortalecimento e ampliação do Sistema Único de Saúde (SUS), contribuirão para melhorar as condições gerais de saúde, bem como prevenção de surtos e mitigação das consequências de emergências para a saúde.
A melhoria das condições de vida, envolvendo os fatores determinantes e condicionantes de saúde expressos na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080), como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o aceso aos bens e serviços essenciais para a saúde, estão entre os fatores que contribuem para ampliar e fortalecer a resiliência nas comunidades.
A integração de princípios e práticas de Saúde GRED nas políticas, planos, programas e serviços de saúde nacionais, estaduais e locais, bem como nos seus componentes e funções são relevantes e vitais para reduzir os riscos à saúde e consequências de emergências e desastres.
Decisões sobre prioridades na redução dos riscos ou resposta a emergências incluem a defesa da saúde como um direito humano (World Health Organization, 2016), além de princípios como respeito pelas pessoas, justiça, solidariedade e sensibilidade cultural (World Health Organization, 2015).
Governos, organizações intergovernamentais e não governamentais devem ter em conta as diversas necessidades das populações, especialmente aquelas com níveis mais elevados de vulnerabilidade que devem ser incluídas em abordagens participativas de planejamento, desenho e oferta de serviços que os afetam. As pessoas devem ter acesso imediato às informações precisas e atualizadas, bem como de fácil compreensão sobre os riscos emergências e as ações locais e apropriadas. As melhores evidências cientificas socioeconômicas disponíveis e análises e dados desagregados devem ser utilizados para subsidiar o planejamento, implementação e avaliação da eficácia e impacto das políticas e ações, especialmente no que diz respeito aos grupos desfavorecidos, para que os ajustes corretivos possam ser feitos em tempo hábil.
Componentes e funções da Saúde GRED
Saúde GRED abrange uma ampla gama de componentes e funções em saúde e outros setores que permitem aos países, estados e municípios administrar os riscos à saúde de emergências e desastres. Essas funções formam sistemas para gerenciar riscos coletivamente em todos os níveis, o que sublinha a necessidade de uma coordenação eficaz para sucesso da Saúde GRED.
As funções da Saúde GRED são agrupadas nos seguintes componentes, derivados de uma série de fontes, incluindo a adaptação do sistema de saúde em blocos de construção, emergência multissetorial e gestão de desastres, o RSI (2005), incluindo preparação e resposta às epidemias.
Políticas, legislação e estratégias
As considerações envolvendo Saúde GRED devem ser integradas em políticas e estratégias relevantes, apoiadas por legislação apropriada. Elas devem ser incluídas nas políticas de saúde, planos e estratégias nacionais, estaduais e municipais, bem como estar alinhadas com o planejamento e os orçamentos nestes níveis, além de serem integradas em uma ampla gama de programas de saúde. Uma política ou estratégia nacional sobre Saúde GRED deve delinear as funções e responsabilidades de todas as partes interessadas, públicas, privadas e da sociedade civil, entre os componentes de todos os tipos de ameaças.
As políticas multissetoriais de GRED e a legislação devem referir-se à proteção da saúde das pessoas e a minimização das consequências para a saúde como objetivos e resultados específicos de ação por parte de todos os setores. Considerando-se que questões de saúde não são muitas vezes bem representadas nas políticas e estratégias intersetoriais, torna-se necessária uma forte defesa (advocacy) para se garantir um local mais central para a saúde nas importantes políticas, estratégias e iniciativas multissetoriais.
Planejamento e coordenação
Uma série de planos são necessários para implementar a Saúde GRED, incluindo aqueles desenvolvidos para apoiar a implementação nacional do RSI (2005) e do Marco de Sendai (2015). Estes planos devem ser informados pelos resultados de avaliação de riscos e capacidades de redução de riscos, exercícios simulados e avaliações das ações, além de lições aprendidas. Considerações relevantes de saúde também devem ser totalmente integrados aos planos multissetoriais e de saúde, como planos nacionais de ação para emergências em saúde e segurança sanitária; planos nacionais de redução de risco de desastres, proteção e defesa civil; planos de preparação, resposta e recuperação; e sistemas de gestão de incidentes.
É fundamental que haja coerência e continuidade entre os planos de diferentes níveis e jurisdições - local, municipal, estadual e nacional. Planos de preparação e respostas para emergências devem ser testados e revisados regularmente, constituindo um processo de planejamento contínuo e atualizado. Planos de continuidade das atividades econômicas e serviços também devem ser desenvolvidos para garantir que funções essenciais de infraestrutura e serviços continuem durante toda uma emergência (World Health Organization, 2018; United Nations Office for Disaster Risk Reduction, 2016).
Mecanismos de coordenação da Saúde GRED, desde os sistemas de saúde no nível municipal até o nacional, devem ser estabelecidos para garantir a coordenação adequada dentro de todo o setor de saúde, assim como a intersetorialmente em cada nível.
Recursos humanos
É fundamental que municípios, estados e o nível nacional tenham pessoal dedicado à gestão de estratégias para Saúde GRED e programas relacionados, bem como implementar atividades relacionadas e articuladas nos diferentes níveis de gestão do SUS (nacional, estadual e municipal; regional e local). Questões importantes para considerações de gestão de recursos humanos incluem planejamento para requisição de pessoal (incluindo capacidade de respostas às emergências envolvendo surtos, epidemias e pandemias); programas de educação, qualificação e treinamento para desenvolvimento de competências, além de saúde e segurança dos trabalhadores.
Para Refletir
A formação e qualificação de recursos humanos com habilidades e competências para estes eventos são centrais para a efetividade das estratégias de Saúde GRED e programas relacionados. Requerem investimentos específicos e de longo prazo em educação, qualificação e treinamento sob o espectro de capacidades para a Saúde GRED em áreas técnicas como planejamento em emergências, gestão de incidentes, epidemiologia, diagnósticos laboratoriais, gestão da informação, avaliação de riscos e de necessidades, logística, comunicação de risco e prestação de serviços de saúde.
Recursos financeiros
A alocação adequada de financiamento governamental é fundamental, incluindo o Ministério da Saúde, além de outras fontes, para desenvolver capacidades e implementar programas e atividades de Saúde GRED. O fortalecimento da atuação do setor Saúde GRED envolve medidas de prevenção e preparação, que tem um custo recorrente e que deve ser totalmente considerado e financiado como em outros setores relacionados à segurança e proteção das populações. Mecanismos de financiamento também devem incluir a previsão de recursos contingenciais para resposta e recuperação em emergência e desastre. Os sistemas de orçamento nacionais precisam ser suficientemente flexíveis para fornecer financiamento de forma pronta e ágil para o enfrentamento das consequências sobre a saúde durante e no período imediato pós emergência.
Para fins de defesa (advocacy) e argumentação, assim como planejamento para o financiamento da Saúde GRED, é importante documentar os impactos econômicos das emergências e desastres sobre a saúde da população e o sistema de saúde, bem como estimar os custos para potenciais futuras emergências e desastres.
Informação e gestão do conhecimento
As capacidades de gestão da informação e do conhecimento necessitam ser fortalecidas para apoiar avaliações de risco/necessidades, vigilância em saúde e sistemas de alerta precoce, comunicação de risco e organização dos serviços de cuidado e atenção em saúde.
Para Refletir
É importante que a coleta, análise e disseminação de informações sejam harmonizadas entre os setores relevantes, bem como implementados mecanismos para garantir que “a informação certa chegue às pessoas certas no tempo certo". A pesquisa científica é a base que apoia a evolução das evidências, dos conhecimentos e das práticas, assim como o desenvolvimento de novos medicamentos, vacinas e medidas inovadoras de Gestão de Riscos. Toda a orientação técnica de medidas de prevenção, proteção, cuidados e tratamentos deve ser baseada em evidências científicas.
Comunicações de risco
A comunicação de forma efetiva, incluindo comunicação de risco, é uma função crítica da Saúde GRED, especialmente quando envolve outros setores, autoridades governamentais, mídia e o público geral. Acesso e troca de informações em tempo real são vitais para gestores e profissionais envolvidos, bem como a produção de informes e comunicações de risco para que todos sob risco sejam capazes de adotar decisões informadas e tomar medidas para prevenir e mitigar os riscos.
Atividades de informação pública devem ser coordenadas entre as partes interessadas, a fim de evitar a disseminação de informações conflitantes ou fakenews, e ser adaptada aos riscos e necessidades de diversas populações que se encontram sob risco, incluindo aquelas com maiores níveis de vulnerabilidade.
Infraestrutura de saúde e logística
Tornar hospitais, estabelecimentos de saúde e afins com infraestrutura segura e protegida, preparada para emergências, com a eficiência energética, tem importantes resultados positivos: protege as vidas dos que se encontram presentes nos mesmos; permite uma melhor resposta e recuperação pelo setor saúde; protege investimentos públicos e privados; apoia a sustentabilidade e reduz os impactos ambientais e climáticos do setor saúde.
Muitos serviços básicos, como água, saneamento e energia, dos quais dependem a saúde e os serviços de saúde, devem estar disponíveis e continuar a funcionar antes, durante e depois da ocorrência de um evento. A logística de apoio incluirá armazenamento e provisão de medicamentos e suprimentos, cadeias de suprimentos eficazes e sistemas confiáveis de transporte e telecomunicações (World Health Organization, s/d; Pan American Health Organization, s/d).
Saúde e serviços relacionados
Os sistemas e serviços de saúde devem estar bem preparados para responder de forma efetiva em situações de emergências com consequências para a saúde, devendo tanto ter capacidades de manutenção dos serviços, como de aumentar os mesmos em períodos específicos para atender às crescentes necessidades de saúde (por exemplo, através do aumento das capacidade de vigilância epidemiológica e de leitos, estabelecimento temporário de instalações ou clínicas móveis, campanhas de vacinação, entre outros), além de medidas específicas relacionadas a certos tipos de ameaças (por exemplo, isolamento e quarentena envolvendo doenças infecciosas).
Capacidades das comunidades para Saúde GRED
A participação das comunidades nas avaliações de risco para identificar ameaças e vulnerabilidades locais contribuem para a identificação de ações para redução de riscos à saúde antes da ocorrência de uma emergência. Várias vidas podem ser salvas durante uma emergência em saúde e nas primeiras horas após um desastre (antes que a ajuda externa chegue) por meio de uma resposta local eficaz.
As comunidades locais também possuem papel importante e de liderança na recuperação e esforços de reconstrução. Capacidades e atividades da sociedade civil no nível comunitário, articuladas com a atenção primária à saúde e o papel dos profissionais de saúde no nível comunitário, são centrais para uma Saúde GRED eficaz.
A sociedade civil pode contribuir para a vigilância de base comunitária, processos de preparação, armazenamento local de suprimentos/equipamentos, treinamentos em primeiros socorros e resposta às emergências, assim como para os processos de planejamento e formulação de políticas e estratégias para os níveis locais e comunitários. O engajamento ativo das comunidades em atividades relacionadas a todos aspectos da Saúde GRED é, portanto, vital.
Monitoramento e avaliação
Processos para monitorar o progresso em direção ao cumprimento dos objetivos e capacidades centrais da Saúde GRED devem ser integrados aos sistemas de monitoramento do setor de saúde existentes.
Indicadores padronizados para monitorar riscos, capacidades e implementação de programas são necessários para o monitoramento contínuo, que pode ser complementado por avaliações intermitentes, especialmente envolvendo os processos de preparação (por exemplo, simulados e simulações) e atividades de resposta e recuperação (lições aprendidas). Fontes de indicadores relevantes incluem: o Marco de Sendai Monitor, para metas e indicadores; o RSI em sua Estrutura de Monitoramento e Avaliação; a OMS através de sua pesquisa global sobre as capacidades do setor saúde dos países para a Saúde GRED e dos mecanismos regionais de monitoramento e avaliação.