Unidade 2

Do Período Getulista à Ditadura Civil Militar​

Aula 3

A terceira via: filantropia e o
cuidado à saúde

Apesar da dualidade institucional entre saúde pública e previdência social ser marcante para a configuração do setor, ela não abarcava todas as formas de cuidado à saúde no Brasil.

Desde o período colonial, uma parcela do cuidado estava ligada a uma noção de assistência, vinculada principalmente à Igreja Católica e às elites. No século XX, a assistência à saúde teve como principal expressão no Brasil a filantropia.

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A filantropia consiste na atuação de agentes privados, sobretudo empresários, no financiamento de serviços que visem ao bem público. É o caso de hospitais fundados pelo patrocínio de ligas e associações.

Darcy Vargas
Fonte: Wikipedia
Cartaz educativo para a prevenção do câncer produzido pela Associação Paulista de Combate ao Câncer, nos anos 1940.
Fonte: Acervo: COC/Fiocruz.

No Brasil, algumas doenças não faziam parte das prioridades da saúde pública tampouco da previdência, tanto por não serem transmissíveis quanto por estarem associadas à vitalidade da força de trabalho.

Para doenças como o câncer e a tuberculose, a atuação da filantropia teve papel central na construção de hospitais, na organização de campanhas educativas, e na própria mobilização da classe médica para lidar com essas enfermidades.

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A tuberculose, considerada um dos principais problemas de saúde nas grandes cidades na primeira metade do século XX, foi um dos primeiros grandes alvos da filantropia, com destaque para a criação, em 1900, da Liga Brasileira contra a Tuberculose, situada no Rio de Janeiro.

A Liga tentou criar sanatórios de início, mas seu custo era muito alto para os recursos de que dispunha. Em seu segundo Estatuto, incluiu a implantação de dispensários nos seus propósitos.

A Liga atuava através dos dispensários, prestando assistência médico-social. Criou um Serviço de Assistência Domiciliária para atender o doente de tuberculose impossibilitado de se locomover até o dispensário e atuava de forma bastante intensa na propaganda da curabilidade da doença e dos esclarecimentos sobre a mesma.

Seus membros publicavam matérias nos jornais da época, realizavam conferências nas fábricas, colégios, quartéis e clubes profissionais. Essas conferências depois eram impressas e distribuídas amplamente, assim como publicadas em revistas médicas. Em 1913, criou sua própria revista mensal chamada Almanack.

Material Complementar

Fundação Ataulpho de Paiva - Institucional

Sinopse:

Sobre a história da tuberculose e a atuação da Liga Brasileira Contra a Tuberculose, veja o vídeo Institucional da Fundação Ataulpho de Paiva.

Fonte: Fundação Ataulpho de Paiva.​

Na Era Vargas, a filantropia ganhou uma atuação mais próxima do Estado, principalmente com a criação da Liga Brasileira de Assistência (LBA), fundada em 1942, pela primeira-dama Darcy Vargas.

Darcy Vargas visita as instalações do Centro de Cancerologia.
Fonte: Acervo: COC/Fiocruz.
Darcy Vargas visita as instalações do Centro de Cancerologia, no Rio de Janeiro.

Nesse período, as ligas filantrópicas assumiram um papel importante na forma de agir das elites, principalmente pela atuação das mulheres. Posicionadas como esposas de empresários, políticos, médicos e engenheiros, essas mulheres mobilizaram a criação de importantes instituições de assistência.

Imagem do concurso realizado pela Rede Feminina.
Fonte: Acervo Academia Cearense de Medicina.
Concurso realizado pela Rede Feminina de Câncer do Ceará, 1944.

No caso do câncer, as Redes Femininas, como eram chamadas as ligas filantrópicas, tiveram papel central na criação de todos os institutos de câncer pelo Brasil. Além disso, foram bastante relevantes na transformação da doença em problema de saúde pública.

As primeiras instituições de assistência aos cancerosos foram criadas nos anos 1920 e 1930 no Brasil, todas de caráter filantrópico-privado.

Mário Kroeff recebe o presidente Getúlio Vargas.
Fonte: Acervo: COC/Fiocruz.

Somente em 1937, a partir da atuação do cirurgião gaúcho Mário Kroeff, foi criada a primeira instituição pública de cuidado aos doentes de câncer, o Centro de Cancerologia, atual Instituto Nacional do Câncer (INCA).​

Centro de Cancerologia, no Rio de
                                                        Janeiro.
Fonte: Acervo: COC/Fiocruz.

À exceção do INCA, instituição pública desde sua criação, os demais hospitais de câncer fundados no Brasil até o final dos anos 1980 eram filantrópicos.​

Centro de Cancerologia, no Rio de
                                                        Janeiro.
Fonte: Acervo: COC/Fiocruz.

Fundados por ligas, com financiamento do Estado, esses hospitais moldaram o modelo de cuidado aos doentes oncológicos no Brasil, reforçando o papel da filantropia.​

Um mal venéreo e social: a sífilis no Brasil

A hanseníase e as políticas de isolamento dos doentes

De modo similar à sífilis, a hanseníase foi uma pauta relevante para o campo da saúde e para as políticas do setor na primeira metade do século XX, além de ser associada a interpretações normativas sobre os costumes da população, considerados fatores para a disseminação da doença.

Nos anos 1920, a doença compunha o escopo da Inspetoria de Lepra e Doenças Venéreas, tendo como pauta principal o isolamento dos doentes. À época, o Departamento Nacional de Saúde Pública adotou uma perspectiva de flexibilização do isolamento compulsório dos doentes, o que gerou grandes críticas por médicos sanitaristas e dermatologistas.

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Colônia para hansenianos em Santa Isabel, Minas Gerais, 1945.
Fonte: Acervo CPDOC/FGV.

Na Era Vargas, principalmente a partir da criação do Serviço Nacional da Lepra, a perspectiva da saúde pública foi aderir ao isolamento compulsório asilar em grande escala, com o financiamento público à criação de leprosários em vários estados do Brasil. Na chave do projeto nacional do governo varguista, a lepra era um fator de grande degeneração da nação, e a exclusão dos doentes era mandatória.

Além disso, a filantropia teve atuação destacada na organização do cuidado materno-infantil.

Manual produzido pela Inspetoria de Proteção à Maternidade
Fonte: Acervo CPDOC/FGV.
Manual produzido pela Inspetoria de Proteção à Maternidade e à Infância, em 1935.

Antes de preocupações com saúde da mulher e saúde infantil ocuparem propriamente a pauta estatal, os movimentos filantrópicos lidaram com questões importantes nesse campo.

Instituto de Proteção à Infância Offir Loyola.
Fonte: Acervo CPDOC/FGV.
Instituto de Proteção à Infância Offir Loyola, Belém, 1944.

Em resumo, foi a partir da filantropia que temas como aleitamento materno e mortalidade infantil foram transformados em questões sociais, pautas a serem encaradas pelo poder público.