Em março de 1903, depois de assumir a chefia do Instituto Soroterápico Federal, Oswaldo Cruz foi indicado para comandar a Diretoria Geral de Saude Publica, órgão ao qual Manguinhos se subordinava. Com as possibilidades que o novo cargo lhe permitia, o sanitarista não mediria esforços para prover as condições (técnicas e financeiras) para que o Soroterápico expandisse suas atividades.
Unidade 1
Do Império à Primeira República: o surgimento da saúde pública
O Pasteur como modelo: a transformação de Manguinhos num instituto de medicina experimental
A partir das informações do livro Manguinhos do Sonho à Vida: a ciência na Belle Époque, de Jaime Benchimol vejamos a trajetória do Instituto de Manguinhos
Já sob o novo modelo, um novo regulamento concedeu a Manguinhos maior autonomia em suas relações comerciais e administrativas com o Estado brasileiro.
O Instituto foi subordinado diretamente ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores e conquistou o direito de comercializar seus produtos e de utilizar os valores adquiridos para contratar seus profissionais. Além disso, também foi autorizado a cobrar pelos serviços prestados.
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Cientistas
Oswaldo Cruz providenciou a vinda de cientistas estrangeiros com o intuito de reforçar as atividades de pesquisa no Instituto. Ao mesmo tempo, enviou vários de seus pesquisadores para fazer estágios de aperfeiçoamento no exterior.
Expedições
Inicialmente voltado para o enfrentamento das epidemias que assolavam o Rio de Janeiro, Manguinhos, em sua nova fase, ganhou o interior do país. Por intermédio de suas expedições, o Instituto chegou aos sertões mais distantes do território brasileiro, um lugar habitado por uma gente simples e pobre, doente e largada à própria sorte pelo poder público.
Centro de medicina
Sob a direção de Oswaldo Cruz, Manguinhos consolidou-se como um dos mais importantes centros da medicina experimental brasileira, dedicado sobretudo às doenças tropicais. Sua inspiração era o Instituto Pasteur de Paris, um modelo assentado sobre a tríade ensino, pesquisa e produção.
A produção
1900
Em outubro de 1900, o Instituto entregava os cem primeiros frascos de vacina e soro contra a peste. Logo outros produtos utilizados na imunização e no tratamento de diferentes doenças humanas e veterinárias passam a ser fabricados no Instituto.
1907
Após sete anos de trabalho a pauta de produtos fabricados por Manguinhos incluía, além dos soros e vacinas contra a peste, substâncias como a maleína, empregada no diagnóstico do mormo; a tuberculina, utilizada contra a tuberculose; os soros antidiftérico e antitetânico; a vacina anticarbunculosa; e o soro antiestreptocócico. Isso sem falar em dois produtos veterinários de grande relevância: as vacinas contra a espirilose das galinhas e contra o carbúnculo sintomático, também conhecido como “espirilose das galinhas”, “mal do ano” e “quarto inchado”.
1908
Primeira vacina veterinária produzida no Brasil, a vacina contra a peste da manqueira foi desenvolvida por Alcides Godoy em 1907 e patenteada no ano seguinte. As receitas obtidas com a venda do profilático constituíram por muito tempo a principal fonte de renda de Manguinhos, tendo sido fundamental para a manutenção da equipe do Instituto. A descoberta da vacina esteve também ligada à inauguração, em agosto de 1906, na cidade de Belo Horizonte, da primeira filial do IOC, cuja direção foi entregue a Ezequiel Dias.
1915
Em 1915, foram produzidas em Manguinhos mais de 1 milhão e 300 mil doses de vacina contra a peste da manqueira. No ano seguinte, a produção de soro e vacina contra a peste bubônica registrou números ainda maiores: três milhões de frascos de cada profilático.
Quando Oswaldo Cruz deixou a direção do Instituto em 1916, o total de imunobiológicos produzidos chegava a 21 itens.
O ensino
Desde o início de sua gestão como diretor do Instituto Soroterápico Federal, Oswaldo Cruz se empenhou para garantir a excelência de sua equipe de colaboradores. Tinha consciência de que era preciso dar a eles a formação e o treinamento que um verdadeiro instituto de medicina experimental requeria.
Como era o único com alguma experiência no campo da microbiologia, que adquirira durante seus estudos em Paris, assumiu ele mesmo, naqueles primeiros anos do Instituto, a tarefa de instruí-los no intrincado universo da pesquisa experimental.
Com a contratação do bacteriologista Henrique da Rocha Lima em 1903, a formação dos pesquisadores ingressou em outro patamar. Diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e com especialização na Alemanha, Rocha Lima era um profissional experiente e foi o responsável por introduzir em Manguinhos o ensino da bacteriologia, da parasitologia e da anatomia e histologia patológicas.
No começo, as aulas tinham um caráter informal, mas, com a transformação do Soroterápico no Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, foi criado o “Curso de Aplicação” do IOC.
Na contramão do ensino praticado pelas faculdades de medicina, o Curso de Aplicação do IOC baseava-se num formato predominantemente prático e experimental.
Número expressivo dos alunos do Curso de Aplicação era formado por estudantes que vinham ao Instituto para desenvolver suas teses de doutoramento.
Um segundo grupo era constituído por médicos desejosos em se especializar em microbiologia.
Com o crescimento do curso e a oferta de novas disciplinas, uma clientela formada por químicos, farmacêuticos e veterinários também passou a frequentar as aulas em Manguinhos. Tornou-se comum a vinda de estudantes de outros estados e até mesmo de alguns países da América Latina.
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Depois de concluírem o curso, muitos alunos ingressavam como pesquisadores voluntários em um dos grupos de pesquisa do Instituto. Quando o orçamento permitia, alguns eram depois contratados por Manguinhos ou eram recrutados para trabalhar nos serviços públicos de saúde mantidos pela União ou pelos governos estaduais.
“O Curso de Aplicação de Manguinhos foi a primeira experiência brasileira de pós-graduação. O Instituto foi pioneiro no ensino da microbiologia pasteuriana associada à medicina tropical e, ao combinar formação teórica e pesquisa nos laboratórios, inaugurou um novo modelo de educação no país.”
“Ensino” in Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz.
A pesquisa
A nomeação de Oswaldo Cruz para a chefia da DGSP em 1903, cargo que passou a acumular com a direção do Soroterápico, favoreceu a expansão e a diversificação das investigações realizadas pelos cientistas de Manguinhos, que nos primeiros anos de atividade do Instituto estiveram voltadas, prioritariamente, para o apoio às ações contra a varíola, a febre amarela e a peste bubônica.
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“Doenças como malária, tuberculose, filariose e beribéri foram incorporadas à rotina da instituição.
Com a descoberta da vacina contra a peste da manqueira por Alcides Godoy em 1907, as pesquisas veterinárias também ganhariam novo impulso, o mesmo acontecendo com a entomologia médica, cujos estudos vinham se revelando de grande importância para o desenvolvimento da medicina tropical.”
A contratação de novos pesquisadores e o apoio à política de intercâmbio científico, estabelecida por Oswaldo Cruz desde o início de sua gestão, consolidaram a pesquisa biomédica como uma das bases de sustentação do Instituto ao lado da produção e do ensino. A transformação do Soroterápico no Instituto Oswaldo Cruz em 1908 foi o coroamento desse processo. Já naquele ano, Adolpho Lutz, que por mais de uma década estivera à frente do Instituto Bacteriológico de São Paulo, foi incorporado ao quadro de cientistas de Manguinhos.
Outro fato relevante do período foi a criação, em 1909, da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, até hoje um dos periódicos mais representativos da ciência brasileira.
Depois de Adolpho Lutz, dois novos cientistas foram contratados para trabalhar em Manguinhos: Gaspar Viana, que assumiu a direção do setor de anatomia patológica, e José Gomes de Faria que, em 1910, descobriu o Ancylostoma braziliense, um verme nematódeo comumente encontrado no intestino de cães e gatos.
Muitos foram os pesquisadores de Manguinhos encaminhados por Oswaldo Cruz para estágios de aperfeiçoamento nos Estados Unidos e na Europa. Ao mesmo tempo, renomados cientistas estrangeiros vieram para o Brasil a fim de realizar pesquisas no Instituto.
Escola de Medicina Tropical de Hamburgo
O intercâmbio com a Alemanha foi dos mais produtivos. Stanislas Von Prowazek e Gustav Giemsa, da Escola de Medicina Tropical de Hamburgo, e Max Hartmann, do Instituto de Moléstias Infecciosas de Berlim, produziram em Manguinhos importantes estudos na área da entomologia médica, além de terem proporcionado aos cientistas brasileiros a oportunidade de se atualizar com as descobertas mais recentes sobre o papel dos protozoários na origem de doenças como a tripanossomíase africana, também chamada de doença do sono.
A descoberta da doença de Chagas
Sob o influxo desses estudos, a medicina tropical consolidou-se em Manguinhos como um dos seus principais campos de atuação. Carlos Chagas, que no futuro se tornaria o primeiro titular da cadeira de medicina tropical na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi autor da maior contribuição do Instituto, até então, para o conhecimento das doenças infecciosas: a descoberta da tripanossomíase americana, popularmente conhecida como Doença de Chagas, um dos temas de nossa próxima aula.
“A confluência da medicina tropical com a microbiologia em Manguinhos deu origem a um tipo de organização científica original, que articulava os interesses da lógica da produção do conhecimento com as demandas da saúde pública. Esse modelo distinguiu o Instituto Oswaldo Cruz entre as demais instituições públicas de pesquisa do país, marcando sua atuação ao longo de todo o século XX.”
Pesquisa biomédica in Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz.
Material Complementar
- BENCHIMOL, Jaime. Pereira Passos, um Haussmann tropical. A renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes/Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1992.
- BENCHIMOL, Jayme, coord.Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Epoque s.l; Casa de Oswaldo Cruz; 1990. 248 p. ilus
- CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
- CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
- FERNANDES, Tânia Maria. Vacina antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens (1808-1920). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
- SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1984.
- Sonhos Tropicais. Direção André Sturn. Brasil, 2002. 120 min. Adaptação do livro homônimo de Moacyr Scliar. Retrata a trajetória de Oswaldo Cruz e as lutas travadas pelo cientista no Rio de Janeiro no início do século XX. Destaque para as campanhas sanitárias e a Revolta da Vacina.
- O Rio dos Trabalhadores. Direção Paulo Castiglioni e Maria Ciavatta Franco. Brasil, 2002, 20 min. Através de imagens de Augusto Malta, Marc Ferrez e outros, o documentário narra a história do Rio Janeiro nos primeiros anos do século XX, marcada pelo processo de modernização por intermédio das ações do prefeito Pereira Passos. Assista aqui.
- A Revolta da Vacina. Direção Eduardo Vilela Thielen. Brasil, 1994. 23 min. Com esquetes teatrais e depoimentos de médicos, pesquisadores e historiadores, este documentário apresenta a história da varíola, da vacina e da revolta popular de 1904, abordando as questões sociais, políticas e culturais que envolveram a campanha de vacinação do governo de Rodrigues Alves. Assista aqui.
- A Revolta da Vacina. Documentário produzido pela TV Senado para a série “Histórias do Brasil”. Brasil, 2007. 5 min. Assista aqui.
- O Brasil no microscópio. Direção Eduardo Thielen e Luiz Octavio Ferreira. Brasil 1989, 21 min. A criação, em 1900, do Instituto Soroterápico Federal, hoje Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é revista com base em uma análise da conjuntura da saúde no Brasil do início do século.
- A Revolta que parou o Rio. Direção TV PUC RIO, Brasil, 2005, 21 min. Documentário sobre a Revolta da Vacina. Assista aqui.
- A vacina obrigatória. Autor desconhecido. Intérprete: Mário Pinheiro. Odeon, 1904. Ouça aqui.
- Minha viola. Noel Rosa. 1930. Ouça aqui.
- Rato, rato, rato. Autores: Casimiro Rocha e Claudino Manoel da Costa. Intérprete: Claudino Manoel da Costa, Zon-O-Phone, 1904. Ouça aqui.
- Febre amarela. Intérprete: Geraldo Magalhães. Odeon, 1906. Ouça aqui.
- Exposição Virtual Revolta da Vacina. Cidadania, Ciência e Saúde. Acesse aqui.
- Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz. Acesse aqui.