Módulo 5 | Aula 2 Condições e estratégias para alcance de um serviço livre de discriminação

Tópico 1

Discriminação nos serviços de saúde

Diversos estudos, no Brasil e no mundo, identificam a existência de situações de discriminação em serviços de saúde, gerais e específicos e em todos os níveis de complexidade. Tais situações comprometem o acesso à prevenção e ao cuidado de indivíduos e grupos sociais. Os processos de estigmatização nos contextos do cuidado em saúde ocorrem nas interações dos profissionais e da equipe técnica com os usuários e usuárias, em função das características das pessoas que buscam atendimento, relacionadas à situação socioeconômica, escolaridade, cor/raça/etnia, gênero, diversidade sexual e a determinados agravos.

Representação de vultos de várias pessoas uma ao lado da outra

Desse modo, pessoas pobres, com baixa escolaridade, negras, indígenas, do sexo feminino, pessoas LGBTQIA+, em particular as trans, pessoas que usam álcool e outras drogas, pessoas em situação de rua, pessoas privadas de liberdade, trabalhadoras(es) do sexo, pessoas com IST/Aids, Hepatites Virais, tuberculose e hanseníase, ou que apresentam uma combinação dessas características, tendem a vivenciar situações de discriminação no âmbito dos serviços de saúde.

Então, como reduzir a discriminação na prevenção e cuidado em saúde?

Bom, nem sempre os (as) trabalhadores(as) e gestores (as) de saúde têm consciência da ocorrência e das implicações do estigma e da discriminação para o acesso à prevenção e ao cuidado. Assim, é preciso buscar maneiras de desenvolver ações, envolvendo os trabalhadores da saúde, capazes de contribuir para serviço livre de discriminação.

O modelo da vulnerabilidade e dos direitos humanos, que você já viu ao longo do curso, permite compreender a origem do estigma, sendo útil para identificar o funcionamento da discriminação em diferentes níveis e definir formas de enfrentamento. Tal modelo leva em conta as dimensões da vulnerabilidade em saúde referentes aos aspectos:

Programáticos(políticas, serviços, ações de saúde, etc.)

Sociais(acesso a emprego, justiça, normas culturais, etc.)

Individuais(valores, crenças, nível de escolaridade, etc.)

Esses fatores se combinam de variadas formas e com diferentes intensidades e tem como pano de fundo a presença e manutenção do estigma.

Isso significa dizer que o enfrentamento do estigma e da discriminação envolve um conjunto de ações complementares, tais como:

  • Planejamento, financiamento e implementação de políticas públicas;
  • Investimento na formação continuada de trabalhadores (as) de saúde;
  • Ações educativas e de acolhimento, capazes de contemplar as particularidades dos grupos sociais, em especial os mais marginalizados;
  • Dispositivos legais;
  • Parcerias entre instituições governamentais, privadas e do movimento social e atores sociais;
  • Intervenções culturais e políticas voltadas para o respeito aos direitos humanos e para a solidariedade.

Você já viu nas aulas anteriores a proposição de políticas públicas e dispositivos legais que resultaram dos contextos sociopolíticos e da atuação de atores sociais, incluindo o movimento social.

A despeito dos desafios envolvidos na implementação e manutenção dessas políticas, tais iniciativas no âmbito programático e social são de suma importância para viabilizar a adequação e/ou introdução de novas dinâmicas voltadas para a prevenção e o cuidado no sistema público de saúde.

Que tal agora, relembrar a importância das políticas públicas e dispositivos legais e todos os exemplos já vistos até aqui? Vamos lá!

1989

Em 1989, profissionais da saúde e membros da sociedade civil criaram, com o apoio do Ministério da Saúde, a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da Aids.

1990

Em 1990, a Lei N.º 8.142/1990 especificou a participação comunitária na gestão do SUS e nos recursos para o financiamento da saúde e instituiu instâncias colegiadas, como o Conselho de Saúde e as Conferências de Saúde.

1995

Em 1995, a Lei 9010 formalizou a proibição do uso do termo lepra e seus derivados como leproso, propondo uma nova nomenclatura: pessoas com hanseníase.

2002

Em 2002 foi aprovada a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas no SUS. A prostituição é uma ocupação profissional reconhecida pelo Ministério do Trabalho desde 2002. A profissão encontra-se listada na Classificação Brasileira de Ocupações, sob o código 5198 (Profissionais do sexo).

2009

Em 2009 foi instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento e foi publicada a Portaria Nº 992/2009, instituindo a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no SUS.

2011

Em 1° de dezembro de 2011 foi instituída pela Portaria nº 2.836 a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).

2014

Em 2014 foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional no âmbito do SUS.

2014

Em 2 de junho de 2014 foi instituída a LEI Nº 12.984, que define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de Aids)

2017

Em 2017, a Lei 11.520 ofereceu pensão indenizatória para os pacientes que ficaram internados compulsoriamente nos leprosários até 31/12/1986.

2022

Em 2022 foi sancionada a Lei Nº 14.289 que torna obrigatório o sigilo da condição das pessoas que vivem com HIV, com hepatites crônicas (HBV e HCV), com hanseníase e com tuberculose.

Sugestões de boas práticas

Ao longo do curso, igualmente foram indicados recursos audiovisuais (vídeos, podcast, aulas, campanhas, etc.) voltados para os agravos abordados e os segmentos populacionais mais vulneráveis.

As dicas a seguir visam complementar as sugestões.

rendicon / Noun Project
Pessoas com HIV

Os vídeos sobre Diálogos para Zero Discriminação nos Serviços de Saúde, produzidos pela UNAIDS, apresentam relatos de pessoas trans/travesti, gays e outros homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, pessoas vivendo com HIV/Aids, pessoas que usam álcool e outras drogas e profissionais e estudantes da saúde sobre as perspectivas de um atendimento respeitoso, humanizado e sem discriminação nos serviços de saúde.

População Trans/travesti

Outra iniciativa relativa ao atendimento da população trans/travesti no contexto da saúde, refere-se ao projeto Transdiálogos.

Veja um recorte:

“Imagine essa situação: uma travesti procura o serviço de saúde precisando de atendimento básico em função de uma dor de cabeça, uma tosse insistente ou mal-estar no estômago. Ao chegar na unidade de saúde, ela já encontra obstáculos a partir da entrada, quando o segurança do estabelecimento já lhe pede informações adicionais que não seriam pedidas a outras pessoas. Ao fazer seu cadastro, mesmo com o documento do nome social, ela é tratada pelo nome civil, no gênero masculino e, muitas vezes, ridicularizada diante de todos que ocupam a sala de espera—quando não é ignorada de diversas formas”. (..) “Pensando em reduzir estes casos, e melhorar o atendimento para a população de travestis e transexuais, a prefeitura de Porto Alegre (RS) desenvolveu, em 2014, em parceria com a ONU e organizações locais, o projeto Transdiálogos, que busca capacitar trabalhadores de serviços de saúde, desde médicos e enfermeiros a profissionais terceirizados de segurança e limpeza, sobre temas como igualdade de gênero e orientação sexual, respeito à diversidade e ética profissional”. O assessor Técnico da Coordenação de HIV e Aids de Porto Alegre, Claudio Nunes afirma: “Elaboramos uma estratégia em que fosse possível sensibilizar os servidores e profissionais de saúde e, ao mesmo tempo, a partir das próprias contradições ou rotinas equivocadas, colocar essas experiências para uma discussão em grupo (...) A própria formação profissional passa por cima dessas questões, que são tão importantes para o nosso município”.

Ainda sobre situações de discriminação no serviço relacionadas à população trans/travesti, ver a “obra de ficção produzida para o Curso de Política Nacional de Saúde Integral LGBT (UNA-SUS UERJ), baseada em experiências reais ocorridas nas Unidades Básicas de Saúde do Sistema Único de Saúde - SUS. A obra pretende ilustrar situações cotidianas a fim de motivar os(as) trabalhadores(as) do SUS quanto à reflexão de suas práticas, com impacto no atendimento em saúde e cuidado à população LGBT”.

Trabalhadores(as) da Saúde

Boa prática na divulgação de dispositivos legais para usuários trabalhadores/as de saúde e gestores.

Material informativo da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul divulga diapositivos legais, ações em saúde e canais de articulação da rede de atenção para população negra, LGBT, povos ciganos, população de rua, indígena e do campo e da floresta (2015)