Módulo 1 | Aula 1 Enfrentamento ao estigma e discriminação

Tópico 3

Preconceito, discriminação e estigma

Preconceito, discriminação e estigma são conceitos que se aproximam e seus sentidos podem se sobrepor, pois suas definições convergem ao apontar para processos de negação de direitos, marginalização ou exclusão social.

É o ato de evitar uma pessoa ou um grupo em função da atribuição de um valor a determinadas características. O preconceito nem sempre é explícito e envolve o pré-julgamento de uma pessoa pela pressuposição de que é possível conhecê-la e hostilizá-la apenas por uma característica que ela apresenta.

Segundo o psicólogo norte americano Gordon Allport (1954) a essência do preconceito reside em supor que é possível conhecer o outro a partir de uma característica e que todos que a possuem são iguais. Cabe então indagar sobre a origem do traço que institui a diferença, já que todos somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. O que faria um determinado traço produzir a sensação de uma diferença que impede o convívio e o reconhecimento? E por que esta diferença, produzida a partir de critérios mais imaginários que reais, provocaria sentimentos de hostilidade e evitação? (Crochik, 1996).

Para Allport, o preconceito incluiria três dimensões: uma individual, na qual são criados estereótipos para indivíduos e grupos a partir de uma característica; uma cultural, de atribuição de um significado ao estereótipo e uma política no sentido da discriminação do grupo. Essas dimensões se articulam, gerando a hostilidade ou práticas de evitação, em geral justificadas pela depreciação do grupo hostilizado. Os alvos de preconceitos ficam em posição desvantajosa em relação a quem os hostiliza.

Do preconceito muitas vezes surge a discriminação, que pode ser definida como atitudes deliberadas visando restringir o acesso dos alvos do preconceito a bens materiais e simbólicos importantes na sociedade.

O estigma, como já mencionado, deriva da atribuição de valores negativos a uma característica individual ou de um grupo. A pessoa aprende ao longo da vida que tem um estigma e sua trajetória é marcada pelas tentativas de lidar com a desqualificação que lhe é imposta, independente das suas posturas diante do mundo e do outro.

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Os termos preconceito e discriminação podem ser encontrados em definições sobre o estigma. Para Goffman, por exemplo, o estigma seria uma espécie de “preconceito discriminativo” (Bandeira e Batista, 2002). O autor busca compreender o processo de atribuição de um valor negativo a uma característica individual ou de um grupo, que daria origem ao preconceito e à transformação deste valor negativo num julgamento moral depreciativo da pessoa, que levam a práticas discriminatórias.

Os impactos do estigma nas condições e oportunidades de vida entre os diferentes grupos populacionais que integram as sociedades contemporâneas podem ser ilustrados através de alguns exemplos que fazem parte do nosso cotidiano. Veja:

Infográfico com alarmantes índices de violência e assassinatos sofridos pela população LGBTQIA+ de acordo com o Atlas da Violência de 2021 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: cinco mil trezentos e trinta casos de violência contra homossexuais e bissexuais, representando aumento de 9,8% em relação ao ano de 2018; três mil novecentos e sessenta e sete casos de violência física contra trans e travestis, representando aumento de 5,6% em relação ao ano de 2018; Mulheres recebendo menos do que os homens para exercer a mesma função laboral; Jovens negros são muito mais revistados e agredidos por policiais do que jovens brancos.

A especificidade do estigma está na eleição de alguns traços e características que promovem distinções entre os indivíduos e processos de exclusão social, além de atuar no âmbito das relações interpessoais, obscurecendo os processos sociais de produção de desigualdades.

Nesse sentido, a Aids se tornou um exemplo na compreensão do estigma como processo social, ao fazer confluir, a um só tempo, práticas sexuais muito praticadas, mas condenadas moralmente (ex. coito anal e múltiplos parceiros), o medo da morte, o uso abusivo de substâncias (lícitas ou ilícitas), a relação com o exercício da sexualidade e o maior impacto sobre as pessoas mais vulneráveis, como a população pobre e negra.

Desse modo, para compreender as conexões entre um determinado agravo à saúde, o estigma a ele associado e as demais intervenções sociais produtoras de desigualdades, é necessário levar em conta como as particularidades do agravo em questão se articulam a marcadores sociais como classe social, gênero, cor/raça/etnia, diversidade sexual, entre outros. Portanto, é oportuno considerar as relações entre estigma, pânico moral e a violência estrutural.

Os processos de pânico moral e a violência estrutural contribuem para distanciar pessoas e grupos do acesso a bens materiais e simbólicos da sociedade. Ao contrário do estigma, não agem no âmbito das relações interpessoais, mas permeiam a vida cotidiana e colaboram para formar percepções, julgamentos e valores que orientam comportamentos e atitudes das pessoas. Ou seja, a dinâmica da violência estrutural se utiliza do pânico moral, que, muitas vezes, se apoia em processos de produção de estigma.