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Campus Virtual Fiocruz

Diabetes Mellitus no SUS
Promoção, prevenção e o fortalecimento do autocuidado

Módulo 1 | Aula 2 Epidemiologia das comorbidades e complicações associadas ao Diabetes Mellitus

Tópico 2

Comorbidades

Cerca de 90% das pessoas com diabetes, especialmente aquelas com diabetes tipo 2, têm pelo menos uma outra condição de saúde crônica associada.

A maioria das comorbidades associadas ao diabetes está relacionada à obesidade, especialmente à obesidade abdominal, que é quando a gordura se acumula na região do abdômen.

Uma das raras comorbidades associadas à hiperglicemia é a periodontite, uma doença nas gengivas que, por sua vez, torna mais difícil controlar o açúcar no sangue. Por isso, é essencial alertar e garantir que as pessoas com diabetes façam consultas regulares ao dentista.

A apneia do sono, um distúrbio caracterizado por interrupções na respiração durante o sono, é comum em pessoas com diabetes devido ao excesso de peso. No entanto, o tratamento, que envolve o uso de um aparelho de pressão positiva contínua conectado a uma máscara durante o sono, pode melhorar o controle do açúcar no sangue.

Vamos conhecer agora, algumas das comorbidades mais frequentes em pessoas com diabetes:

Fonte: Campus Virtual Fiocruz

Hipertensão arterial, também conhecida como pressão alta, é uma condição em que a pressão do sangue nas artérias está consistentemente elevada

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é duas vezes mais frequente em portadores de diabetes.

A combinação das duas condições (diabetes e HAS) multiplica o risco de complicações comuns a cada uma, como doenças cardiovasculares ou insuficiência renal.

Portanto, é importante controlar bem a pressão arterial quando se tem diabetes. Isso significa alcançar níveis menores que 130 mmHg para a pressão sistólica e 80 mmHg para a pressão diastólica (para pessoas sem diabetes, a recomendação é manter a pressão arterial abaixo de 140/90 mmHg).

Tratamento

Para conseguir esse controle, é necessário adotar hábitos de vida saudáveis, que são a base do tratamento:

  • alimentação equilibrada ;
  • prática regular de atividade física;
  • moderação no uso do sal e do álcool;
  • abandono do tabagismo.

No entanto, em muitos casos, o uso de medicamentos se torna necessário.

Os anti-hipertensivos de primeira escolha em pessoas com diabetes são os que pertencem à classe dos inibidores da enzima conversora da angiotensina ou à classe dos antagonistas da angiotensina II.

Em pessoas sem diabetes, os diuréticos são a classe de anti-hipertensivos de primeira linha.

Quando uma única classe de medicamento para pressão arterial não é suficiente para alcançar a meta desejada, pode-se adicionar anti-hipertensivo da família dos bloqueadores dos canais de cálcio. Se ainda assim for necessário mais de dois anti-hipertensivo , considera-se adicionar um diurético.

A dislipidemia é uma condição caracterizada por níveis anormais de lipídios (gorduras) no sangue, incluindo colesterol e triglicerídeos.

A maioria das pessoas com diabetes tipo 2 tem uma condição chamada "síndrome metabólica", que é bastente comum em pessoas com obesidade, também conhecida como obesidade "central" ou "androide". Isso significa que há um excesso de gordura concentrada principalmente na região abdominal. A obesidade desse tipo é identificada quando a medida da cintura é maior que 102 cm em homens ou 88 cm em mulheres.

Imagem ilustrativa da obesidade androide, também conhecida como obesidade central, a gordura localiza-se principalmente na parte superior do corpo (gordura visceral). Há uma imagem ilustrativa de uma mulher e sobre o corpo o desenho de uma maçã, mostrando que o formato do corpo está na forma de uma maçã.
Obesidade Androide

Também conhecida como obesidade central, a gordura localiza-se principalmente na parte superior do corpo (gordura visceral).

Fonte: Folder Orientações Nutricionais Obesidade (UFG)

Imagem ilustrativa da obesidade ginecóide, também conhecida como obesidade periférica, na qual a gordura localiza-se principalmente na parte inferior do corpo, quadril, nádegas e coxas, sobre o corpo a forma de uma pera.
Obesidade Ginecóide

Também conhecida como obesidade periférica, na qual a gordura localiza-se principalmente na parte inferior do corpo, quadril nádegas e coxas.

Fonte: Folder Orientações Nutricionais Obesidade (UFG)

A obesidade androide traz consigo alterações no metabolismo da glicose devido à insulinoresistência, isto é, quando as células não respondem bem à ação da insulina, o que resulta em uma hiperglicemia moderada, podendo evoluir para diabetes.

Outra condição a ser observada são as alterações nos lipídios (dislipidemia), sendo a mais comum o aumento dos triglicérides e a redução do HDL-colesterol.

Glossário
  • HDL-colesterol: Fração do colesterol ligada a proteínas de alta densidade (High Density Lipoproteins em inglês) que é conhecida popularmente como "o bom colesterol" . Ao contrário do LDL-colesterol (ligado a proteínas de baixa densidade, Low Density Lipoproteins em inglês), ela "protege" contra as doenças cardiovasculares.

Essas alterações conjuntas, associadas à obesidade central e a outros fatores como inflamação vascular, problemas de coagulação do sangue, etc, recebem o nome de síndrome metabólica.

Em pessoas com diabetes tipo 2, a presença dessa síndrome explica por que muitos têm dislipidemia, com níveis elevados de triglicerídeos (hipertrigliceridemia) e baixos níveis de HDL-colesterol. Isso aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, a hipertrigliceridemia pode desencadear uma inflamação aguda no pâncreas, o que por sua vez pode piorar o diabetes.

Tratamento

O tratamento da dislipidemia geralmente envolve mudanças no estilo de vida, como dieta saudável, exercícios físicos regulares, perda de peso e, em alguns casos, medicamentos para diminuir os níveis de colesterol. O controle adequado da dislipidemia é essencial para reduzir o risco de complicações cardiovasculares.

Esteatose hepática, comumente conhecida como "fígado gorduroso", é uma condição em que há acúmulo excessivo de gordura nas células do fígado.

Fonte: Imagem adaptada de Freepik

As perturbações da síndrome metabólica, especialmente a resistência à insulina, podem levar ao acúmulo de gordura (esteatose) em órgãos além do tecido adiposo, que é onde normalmente é armazenada.

Esse fenômeno se encontra na origem de uma doença do fígado de descoberta recente: a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA).

Atualmente, a DHGNA se tornou a principal causa de doença hepática crônica no mundo, podendo, segundo alguns estudos, atingir de 20 a 40% dos adultos.

A DHGNA é assintomática e muitas vezes é descoberta durante a ultrasonografia abdominal.

Cerca de 20% das pessoas com DHGNA têm inflamação crônica do fígado (esteatohepatite), que está associada à fibrose e pode evoluir para cirrose e câncer hepatocelular.

Devido à síndrome metabólica ser um fator de risco comum, a DHGNA e o diabetes tipo 2 frequentemente ocorrem juntos.

Uma análise combinando estudos observacionais de 20 países estimou que a prevalência global de DHGNA em pessoas com diabetes tipo 2 é de aproximadamente 56%.

A combinação dessas duas patologias age sinergicamente para aumentar o risco de resultados clínicos adversos (hepáticos e extra-hepáticos, particularmente doenças cardiovasculares, que são as principais complicações da síndrome metabólica).

Além disso, o diabetes tipo 2 é um dos principais fatores que fazem com que a DHGNA progrida mais rapidamente para estágios mais graves, como a esteatohepatite não alcoólica, fibrose ou cirrose. Por sua vez, a DHGNA leva a uma duplicação do risco de aparição de diabetes tipo 2, com efeito "dose-resposta" (mais risco de diabetes tipo 2 se a DHGNA for com formas mais severas). Por isso, é fortemente recomendado o rastreio de rotina para diabetes em todos os indivíduos com DHGNA.

Tratamento

Não há tratamento específico para fígado gordo.

Reequilibrar a alimentação é fundamental: tirar álcool da dieta, reduzir bastante as gorduras saturadas (manteiga, queijo, carnes vermelhas, embutidos, etc.), favorecer legumes e verduras e outros alimentos ricos em vitaminas e fibras.

Alguns antidiabéticos podem ter ação benéfica – porém ainda em espera de comprovação firme –, por diminuir o peso e/ou a insulinoresistência, como metformina, agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante a glucagon (arGLP-1) ou inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (ISGLT2).

Por fim, devido ao prognóstico grave, a associação de DHGNA, sobretudo nas formas mais avançadas com esteatohepatite e/ou fibrose, obesidade severa e diabetes é uma indicação à cirurgia bariátrica.

Neoplasia é um termo médico que se refere a um crescimento anormal e descontrolado de células no corpo. Essas células, conhecidas como neoplásicas ou tumorais, se multiplicam de forma desordenada e podem formar um tumor ou massa de tecido.

Fonte: Imagem adaptada de Freepik

Pessoas com diabetes tipo 1 e tipo 2, apresentam um risco maior de desenvolver câncer, em torno de 20 a 25%, com uma taxa de mortalidade maior, em torno de 30%, em comparação com a população geral.

O aumento do risco é significativo, mais que o dobro em comparação com pessoas sem diabetes, para câncer de fígado, endométrio, vesícula biliar e pâncreas. No entanto, em números absolutos, os tipos mais comuns (e um pouco mais prevalentes do que na população geral) são câncer de mama, câncer colorretal e câncer de pulmão.

Os mecanismos específicos que levam ao aumento de risco de câncer em diabéticos ainda não são claros. O hiperinsulinismo pode contribuir, por ser um fator de crescimento celular.

Sabemos que no diabtes tipo 2, existe elevada secreção de insulina para se contrapor à insulinoresistência, e no diabetes tipo 1, o próprio tratamento por insulina injetável produz altos níveis de insulina no sangue.

Temos também a hipótese do envolvimento dos chamados "produtos de glicação avançada" (AGEs, do inglês, Advanced Glycation End-products). A maioria vem diretamente da combinação química de açúcares e proteínas dos alimentos quando fritos ou cozidos em temperaturas altas (caramelização). Em pessoas com diabetes, a hiperglicemia crônica mal controlada promove a mesma reação com as proteínas do corpo, propiciando a geração de AGEs.

Já se sabe que um alto consumo de AGEs na dieta está associado a um maior risco de câncer (e um pior prognóstico) na população em geral, o que se constitui em um argumento a favor do papel dos AGEs no desenvolvimento do câncer em pacientes com diabetes.

Independentemente do mecanismo envolvido, é importante estar ciente de que pessoas com diabetes têm um risco maior de desenvolver certos tipos de câncer do que aquelas sem diabetes. Portanto, é essencial ficar atento e garantir a detecção precoce.

Foto de uma mulher de pele escura com cabelos escuros e blusa cinza, ela está apoiada em uma almofada, está séria e com um olhar sem direção.
Fonte: Freepik

A depressão é um transtorno mental comum que afeta negativamente o estado de ânimo, os pensamentos e o comportamento de uma pessoa.

Considera-se que a doença afeta cerca de um em cada cinco adultos com diabetes tipo 2, o que significa um aumento de 20 a 30% em relação à população em geral.

Esse excesso de risco se concentra em diabéticos com um maior número de características da síndrome metabólica, abrindo a hipótese de envolvimento da obesidade e de processos como resistência à insulina ou inflamação celular crônica.

O diagnóstico da depressão é importante, pois afeta negativamente o autocuidado do diabetes aumentando o risco de complicações.

Os sinais de alerta mais significativos são:

  • queda de energia duradoura;
  • sensação de cansaço físico e mental;
  • perda de interesse em coisas que antes se gostava de fazer.

O problema é que essas questões podem passar despercebidos , até mesmo pela pessoa acometida pela doença. Além disso, o estigma associado à doença pode levar o paciente a ignorar os sintomas.

Por isso, é importante que uma pessoa com diabetes entenda e não desdramatize a depressão, e busque ajuda médica. No entanto, é importante saber que a depressão em pessoas com diabetes é mais difícil de tratar com os métodos habituais e tem mais chances de voltar do que em pessoas sem diabetes. Por isso, é recomendável procurar um especialista o mais cedo possível.