Módulo 4 | Aula 2 Saúde, Bem viver e Sistemas Médicos - o desafio de garantir a atenção diferenciada

Tópico 5

Pluraridade de sistemas médicos e os desafios para uma atenção diferenciada

Segundo Langdon e Wiik (2010, p. 173),

format_quote

“os sistemas médicos de atenção à saúde, assim como as respostas dadas às doenças, são sistemas culturais, consonantes com os grupos e realidades sociais que os produzem.”

Os saberes e práticas relacionados aos cuidados com a saúde e a doença podem variar de um grupo para outro e mudam ao longo do tempo e das experiências vividas pelas pessoas. Portanto, os sistemas médicos fazem parte da cultura de grupos sociais, isto é, fazem parte das formas pelas quais as pessoas se cuidam e promovem saúde em seus territórios.

O conceito de sistemas médicos chama atenção para a diversidade de explicações sobre o que são as doenças e sobre como tratá-las e curá-las e, principalmente, também, sobre a pluralidade de pessoas que têm conhecimentos sobre os assuntos e as práticas relacionadas com saúde e doença.

Por isso é importante lembrar que o modelo biomédico é apenas mais uma forma de explicar e de agir dentro de uma imensa variedade de formas de atenção à saúde que os grupos humanos desenvolveram ao longo dos tempos.

Segundo o antropólogo mexicano Eduardo Menéndez (2003), essa pluralidade médica sempre existiu. A questão central é que a busca por tratamentos envolve também a tomada de decisões e isso tende a acontecer dentro de contextos de relações de poder desiguais, pois a biomedicina vem se expandindo pelo mundo e os profissionais de saúde tendem a ignorar os saberes e as práticas locais.

Adoecer é vivenciar um processo em que fazemos negociações sobre as interpretações das causas e sobre as maneiras mais adequadas para tratar. Esse processo envolve sequências de ações, de decisões e de negociações entre várias pessoas e pode envolver também pessoas que divergem a respeito da causa da doença e da escolha da terapia mais adequada.

Por isso, é muito importante o princípio da atenção diferenciada para garantir que toda ação da equipe de saúde respeite e se articule com os saberes dos povos indígenas sempre que for possível. Assim, é importante refletir sobre os seguintes pontos:

Como podemos realizar uma atenção diferenciada em cada território?

Quais são as pessoas que têm conhecimentos importantes sobre saúde e práticas de cura nos territórios?

O que é atenção diferenciada? O que é medicina tradicional?

Vamos ler o relato de um indígena Tingui-Botó que questiona como seria possível promover uma atenção diferenciada que leve em consideração os especialistas indígenas.

“Tem uma coisa que na SESAI eles falam, “doença de índio”, porque eles não sabem como chegar naquilo. A gente sabe que algumas práticas de comunidades, de curandeiros, de benzedeiras, rezadeiras, tuxaua, enfim, vários nomes que se dá a várias pessoas que têm o dom da cura, dom dos remédios, das raízes, da espiritualidade, da questão tradicional. Quando muitas das doenças se resolvem por esses caminhos, a SESAI chama de “doença de índio”, porque a medicina não cura, nem sabe lidar com isso, que é uma questão espiritual, e muito da questão do suicídio está ligado também a essa questão pela falta sim da água, pela falta sim do território, pela falta sim da pesca, da caça, da floresta, daquele sistema de vida. Quando muitas das comunidades perdem a ligação com esses que fazem parte da nossa cultura, acontece isso, porque mexe no modo de vida, no modelo de vida, na energia envolta, mas, por exemplo, se está acontecendo no Nordeste, muitas vezes está acontecendo algum problema, hoje, conflito também, mas muito dessas questões de doença, de suicídio, a gente consegue deslocar um tuxaua, um líder religioso, de uma aldeia para outra, para ir lá, fazer o trabalho, não querendo substituir a liderança local, não é isso. A SESAI quase nunca dá esse apoio porque entende que aquilo não é medicina tradicional. Os carros são para equipe, aquele pajé, aquela liderança tradicional, não pode solicitar aquele carro para ir para a outra aldeia, de repente, essa é uma outra coisa que a gente pode estar pensando. Na verdade, o toré, o canto, a reza, um trabalho, não é saúde? Poderia ter apoio deles, da SESAI. O que é medicina tradicional na verdade? É uma coisa para a gente pensar. E o espaço para essas pessoas que têm os saberes, qual espaço deles dentro da equipe, dentro da saúde indígena? Seria, nos Polos ter uma salinha lá para o pajé, enfim, tem outra discussão que é preciso ser feita” (Marcos Sabarú, Oficina 2, Região Nordeste).

No exemplo acima, a liderança Tingui-Botó faz uma pergunta: o que é medicina tradicional? Essa pergunta é importante porque revela que sabemos que há diferenças entre os sistemas médicos indígenas e não indígenas.

Sabemos que a biomedicina é diferente das medicinas indígenas e que não é possível definir uma medicina tradicional, pois existem muitos sistemas médicos indígenas.

É possível pensar que cada povo indígena tenha um conjunto de saberes, práticas e especialistas que lidam com questões sobre o Bem Viver e em momentos de doenças graves.

É o caso, por exemplo, do sistema médico dos Puyanawa, dos Karipuna, dos Xetá, dos Kaingang, dos Pankararu, dos Fulniô, dos Guajajara, entre tantos outros. Esses especialistas, geralmente, herdam de seus ancestrais o dom da cura e, em alguns casos, podem passar por um período de formação e de treinamento, sob orientação de um especialista formador.

Cada povo tem um conjunto de saberes e de práticas sobre saúde e doença e tem pessoas que conhecem melhor esses saberes e práticas. É dever dos profissionais de saúde respeitar essas pessoas e, sempre que for necessário, dialogar com elas.

Os especialistas indígenas se distanciam muito dos especialistas não indígenas, pois sua relação com a comunidade é horizontal, de diálogo e respeito. Além deles, há também aquelas pessoas mais velhas, que não tem uma denominação específica, mas são grandes conhecedores de saberes e de práticas que envolvem o corpo, o meio ambiente, a plantação, o cuidado com a água, sobre como manter a saúde e prevenir doenças e sobre formas de cura.

As diferenças entre a biomedicina e as medicinas indígenas são muitas, e aparecem, principalmente, nas explicações das causas das doenças, nos tipos de doenças e nos sintomas que são identificados, nas formas de tratamento e nos especialistas que atuam. Mas há também pontos em comum entre a biomedicina e as medicinas indígenas.

O principal ponto em comum é que os conhecimentos de um sistema médico, seja indígena ou não, estão fundamentados em saberes das experiências acumuladas e ligam-se a ideias e valores encontrados na memória coletiva de cada povo.

Além disso, ainda que seja possível identificar saberes milenares, tanto a biomedicina quanto as medicinas indígenas são conhecimentos dinâmicos e passam por avaliações, reformulações e transformações. Nada é estático.

Saiba mais...

A pandemia da covid-19 fez os sistemas médicos se dinamizarem, tanto as práticas biomédicas quanto as indígenas passaram a analisar e tentar compreender esse novo adoecimento, suas causas e possíveis curas.

De acordo com os Puyanawa, as narrativas de seus anciãos fornecem alguns informes, inclusive, para entender a COVID-19. Essas narrativas existem desde o período do mundo imaterial, na cultura indígena.

Conta-se que aconteceu uma traição de uma mulher por nome de Dukawa, com um minhocão (nuĩnuwã). Ao descobrir, o marido de Dukawa ficou com muita raiva, preparou um veneno e derramou nas partes da sua mulher. A partir desse momento, conta a história que surgiram muitas cobras no mundo, que na língua índígena Puyanawa são denominadas de bitsawata - são serpentes venenosas ou almas invisíveis, agentes invisíveis portadores de doenças que se espalharam pelo mundo. Os anciões Puyanawa dizem que essas serpentes podem ser esses inimigos invisíveis que enfrentamos hoje, como, por exemplo, o coronavírus e outros malefícios.

Para assistir...

“A doença nem faz barulho: é invisível!" - Münain Katupalá Mehinako | #FiqueNaAldeia

Münain Katupalá Mehinako, grande liderança do povo Mehinako, relembra como o sarampo entrou nas aldeias Mehinako silenciosamente pelo seu corpo, em 1960, e causou muito sofrimento aos Mehinako. Não vamos deixar a história se repetir!

Fonte: Youtube

Diante da diversidade de povos indígenas, é importante refletir sobre como uma política de abrangência nacional, como a proposta da “Atenção diferenciada”, pode ser realizada em cada localidade, respeitando, valorizando e articulando com as medicinas indígenas e seus conhecedores. E, ainda mais, como é possível garantir que essa “atenção diferenciada” promova também uma atenção biomédica de qualidade e que os recursos tecnológicos e humanos sejam disponibilizados para a atenção primária à saúde dos povos indígenas.

Vamos retomar outro trecho do relato da liderança Tingui-Botó sobre os desafios de se pensar em uma atenção diferenciada dentro do SasiSUS?

“Tem que se falar como, de fato, vai colocar a medicina tradicional. Como ela vai estar dentro da saúde indígena? Como ela vai estar, não apenas aquela coisa que enfeita texto. A medicina tradicional, aonde tem a rubrica para ela? O dinheiro da medicina tradicional está aonde? Porque quando o pajé pede um transporte para ir para outra aldeia, ele não pode? Mas isso é medicina tradicional! Quando ele precisa buscar um remédio, que muitas vezes, nós, que somos do agreste sabemos, que muitas vezes esse remédio está no litoral, ou no sertão. Não pode. O pajé não pode. Isso não é medicina? Isso é sim medicina tradicional! Isso não tem rubrica, não tem recurso para isso. Como se discutir essas novas coisas, novas problemáticas? Os hospitais dos municípios, do estado, têm uma salinha aonde o pajé possa ir lá fazer o seu canto, rezar naquele paciente enfermo? Tem uma rede aonde ele possa sentar, possa conversar com a família? É preciso pensar qual o tipo de medicina nós queremos? Que tipo de saúde indígena nós almejamos? Não só no que se tem, mas no que melhorar? (Marcos Sabarú, Oficina 1, Região Nordeste/Minas Gerais/Espírito Santo).

Infelizmente, ainda há conflitos pela falta de conhecimento, de respeito e do preconceito que aparecem no dia a dia dos serviços de saúde (SasiSUS) em diversas terras indígenas tanto na atenção primária como nos serviços hospitalares na rede do SUS.

Esses conflitos se configuram em práticas coloniais quando pretendem modificar o modo de viver indígena, provocando violência e negação da vida indígena, o que caracteriza um exemplo de etnocentrismo.

Material complementar

Ouça a entrevista com a indígena Guarani Kaiowá, Kuña Aranduhá, que trabalhou por um ano como intérprete da língua guarani no Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul.

Vídeo 01 - Experiências e desafios como tradutora indígena dentro de um Hospital Referência no Mato Grosso do Sul.

Kunã: Experiências e desafios como tradutora indígena dentro de um Hospital de referência no Mato Grosso do Sul.

Fonte: Educare

Vídeo 02 - Maiores demandas para a tradutora indígena dentro de um Hospital Referência no Mato Grosso do Sul.

Kunã: Maiores demandas para a tradutora indígena dentro de um hospital de referência no Mato Grosso do Sul

Fonte: Educare

Vídeo 03 - Percepções da tradutora indígena sobre a equipe de saúde e a formação dentro de um Hospital Referência no Mato Grosso do Sul.

Kunã: Percepções da tradutora indígena sobre a equipe de saúde e a formação dentro de um hospital de referência no Mato Grosso do Sul

Fonte: Educare

Esses conflitos entre os profissionais de saúde e os povos indígenas precisam ser registrados em cartas, fotos, áudios, vídeos, como for possível, e devem ser denunciados e relatados aos conselheiros de saúde, que devem tomar as providências necessárias.

É importante que os atores envolvidos nos serviços de saúde, os profissionais de saúde não indígenas, conheçam a realidade local onde atuam, conheçam quais são as práticas e os saberes sobre saúde da população atendida, respeitem, valorizem e procurem articular com elas. Isso é importante porque pode impactar na qualidade da atenção primária e, também, porque segundo a (PNASPI) a biomedicina e as medicinas tradicionais indígenas podem e devem atuar juntas e serem articuladas. É importante, também, porque alguns indígenas podem ter dificuldade para compreender o que se passa nos serviços de saúde em algumas ocasiões.

Vamos imaginar um exemplo em que o papel de tradutores indígenas pode ser relevante:

Um profissional não indígena faz um encaminhamento de uma pessoa para o hospital, mas seus familiares entendem que aquela situação pode necessitar de rezas e banhos e que é preciso chamar outros conhecedores e cuidadores de saúde da própria comunidade. Sem o devido conhecimento, pode-se tornar difícil o entendimento e o diálogo para as diferentes pessoas que estão envolvidas nesse cuidado. Daí a importância da tradução dos indígenas, que faz os profissionais de saúde conhecerem os cuidados realizados pelas pessoas que detêm esse conhecimento específico, e para as pessoas envolvidas que precisam compreender os cuidados biomédicos.

Para que essa tradução aconteça, os profissionais de saúde não indígenas devem ser treinados em estratégias de escuta sensível e respeitosa aos conhecimentos indígenas para criar o diálogo com povos diversos.

Vamos ler o relato de indígena que fala sobre a importância de intérprete para o cuidado:

“Outra coisa, além disso, aqui a gente tem as dificuldades em todas as regiões, no hospital, na verdade, intérprete, ou seja, pessoa que fala idioma, acompanhante ou pessoa no hospital falante do idioma, porque, nós, algumas pessoas de idade têm dificuldade com a língua” (Elizeu Lopes Guarani Kaiowá, Oficina 5, Região Centro-Oeste, em 14/09/2021).

Para finalizar esta aula, vamos apresentar exemplos de estratégias criadas por indígenas e não indígenas que mostram as potencialidades de fazermos pontes, encontros e articulações.

O Centro de Medicina Indígena Bahserikowi foi fundado no dia 6 de junho de 2017 no centro da cidade de Manaus (Amazonas, Brasil) por lideranças indígenas do povo Yepamahsã (Tukano), com o objetivo de oferecer tratamentos de saúde baseado nas técnicas terapêuticas indígenas, através de atendimento de especialistas indígenas (Yawá e kumuã). O Centro de Medicina Indígena é mais uma opção, um canal que possibilita às pessoas um tratamento por vias de bahsese (benzimentos) e uso de plantas medicinais.

Bahsese (benzimentos)

são fórmulas de “benzimentos” usadas pelos especialistas indígenas para curar as doenças. Bahsese é o poder e a habilidade dos Yawá e Kumuã em curar com o uso de vegetais, minerais, animais, ou outros elementos e pôr em ação as qualidades sensíveis (amargura, doçura, acidez, frieza, etc.) que produzem efeito de alívio e cura da doença. É uma ação de manipulação de elementos espirituais e naturais das qualidades para produção de remédios.

O Centro foi fundado a partir de uma experiência dolorosa. No ano de 2009, uma menina Ye’pâ-mahsã, sobrinha do indígena Tukano João Paulo, de 12 anos, tinha sofrido picada de cobra venenosa na comunidade São Domingos Sávio. Vendo o agravamento dos efeitos do envenenamento, os profissionais de saúde que a atenderam resolveram levá-la ao hospital da sede do município. Uma viagem que durou dois dias de motor descendo o rio. Desse hospital, ela foi encaminhada de avião para a cidade de Manaus para tratamento.

Ao ser internada, a primeira providência que os médicos propuseram foi a amputação do pé da criança com a justificativa de garantir sua cura e não arriscar sua vida. A família ficou desesperada com o prognóstico dos médicos. Para amenizar o choque, propuseram fazer tratamento conjunto com os médicos, um tratamento que conjugava a medicina indígena e medicina não indígena, ou seja, médicos e kumuã atuando juntos no tratamento da criança. Essa proposta não foi aceita pelos médicos, desencadeando um conflito que acabou envolvendo a mídia.

Depois de muita luta e com repercussão na mídia, a família conseguiu que outra equipe médica de outro hospital público aceitasse realizar o tratamento conjugando. Com o tratamento articulado com esses dois modos de medicina, a menina ficou curada em três meses, surpreendendo a previsão inicial de seis meses dos médicos. Não foi necessário a amputação, e hoje ela segue em bom estado de saúde.

Desde a sua fundação até hoje, os especialistas indígenas já atenderam 5.200 (cinco mil e duzentas pessoas), sendo que 99% desses atendimentos foram para não indígenas, com diversos tipos de problemas de saúde. O Centro de Medicina Indígena Bahserikowi é também um espaço de diálogo entre saberes e de intercâmbio cultural.

No Hospital São Paulo (HSP), hospital universitário vinculado à Escola Paulista de Medicina (EPM), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), foi criado, em 1989, o Ambulatório do Índio, vinculado à Unidade de Saúde e Meio Ambiente do Departamento de Medicina Preventiva da EPM.

A EPM acumulou muita experiência no atendimento à saúde dos povos indígenas por meio do programa de extensão conhecido como “Projeto Xingu”. O projeto desenvolve, desde 1965, atividades de assistência, pesquisa, extensão e formação de pessoas para trabalhar no Parque Indígena do Xingu (PIX), Mato Grosso, e também junto a outros grupos indígenas e comunidades ribeirinhas. O Ambulatório do Índio do HSP passou a fazer parte desse projeto e é responsável por acolher indígenas encaminhados ao DSEI de São Paulo.

Em 2013, o Ministério da Saúde lançou o terceiro edital PET-Saúde, intitulado PET-Redes de Atenção à Saúde, no qual incluiu a Atenção à Saúde Indígena em suas Redes Temáticas Prioritárias. Nesse contexto, a Universidade de Brasília, por meio da iniciativa de estudantes indígenas, apoiados por alguns docentes, pesquisadores e funcionários do Departamento de Saúde Coletiva (DSC) e do Laboratório de Saúde do Trabalhador e Saúde Indígena, desenvolve, desde 2010, atividades de ensino-pesquisa-extensão no campo da saúde indígena que levaram à criação do Ambulatório da Saúde Indígena (ASI) do HUB, em 2013.

O ASI foi institucionalizado enquanto um Projeto de Extensão de Ação Contínua (PEAC) e passou a ser um local de ocupação para o aprendizado de estudantes indígenas dos cursos de saúde da UnB. Além disso, conseguiram fazer desse a porta de entrada dos indígenas que vivem em Brasília, distantes de suas terras e que não conseguiam acessar a rede SasiSUS.

O HUB foi um dos primeiros hospitais a inaugurar um ambulatório responsável por acolher, realizar atendimento inicial e acompanhar pacientes indígenas encaminhados pela CASAI-DF.

Em maio de 2018, o Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD) implementou o Núcleo de Saúde Indígena (NSI).

Assim como o Ambulatório do Índio da UNIFESP e o ASI do HUB, o NSI visa qualificar o atendimento de saúde destinado à população indígena e aprimorar ações já existentes, além de criar novas ferramentas para que esse atendimento ocorra de forma acolhedora e humanizada. Para isso, profissionais do NSI fizeram uma visita técnica ao ASI do HUB, com intuito de conhecer o funcionamento do ambulatório.

O Hospital Universitário da UFGD já era referência na macrorregião e recebe usuários indígenas de 6 Polos Base do DSEI-MS, sendo referência para 34 dos 79 municípios do estado do Mato Grosso do Sul. Sendo assim, com a criação do NSI, pode-se aprimorar o serviço já prestado à população indígena.

O NSI foi criado a partir do recebimento de mais de 1 milhão de reais da Portaria de Incentivo à Atenção Especializada para Povos Indígenas (Portaria IAE-PI), entretanto, por problemas políticos na Universidade, o núcleo ficou inativo desde 2019 até meados de 2022. O núcleo possuía uma equipe multidisciplinar, composta por assistentes sociais, enfermeiros, médicos e dentistas, além de contar com representantes da UFGD e profissionais do Polo Base de Dourados.

Entre as 13 metas da Portaria IAE-PI que o NSI tentava e tentará cumprir, estão inclusos:

  • direito a intérprete,
  • recepção diferenciada aos usuários indígenas,
  • viabilização e adaptação de protocolos clínicos,
  • promoção de ambiência, melhorando o ambiente hospitalar,
  • direito a dieta especial,
  • fortalecimento da educação permanente para os profissionais do hospital,
  • assistência dos cuidadores tradicionais quando solicitado pelo usuário ou familiar,
  • criação de ambulatório especializado em saúde indígena,
  • o acesso diferenciado e priorizado aos indígenas (incluindo alojamento de internação individualizada), dentre outras metas.
Material complementar

Kunhã Aranduha é mulher indígena Guarani Kaiowá de Dourados-MS e foi, durante 1 ano, tradutora da língua Guarani no HU-UFGD. Ganhava como estagiária, 20 horas, para executar essa função, que nunca teve profissional contratado pela EBSERH ou UFGD.

No vídeo a seguir, Kunã Aranduhá fala sobre o ambiente do hospital e o papel dela como tradutora indígena neste contexto. Ela traz exemplos reais de violências dentro do HU e da dificuldade do hospital em lidar com a questão indígena.

Ela relata também sobre a falta de diálogo entre os profissionais kara’i (brancos) e as/os usuárias/os indígenas, sobretudo dentro da maternidade. Fala ainda do preconceito dos profissionais com as mães indígenas muito jovens que chegam ao HU grávidas na maternidade.

Aranduha fala também sobre a formação dos profissionais do HU, da formação colonizadora no ensino superior e das formações elitizadas. Relata também sobre a comida no hospital e sobre a necessidade de desconstrução da nutrição para atuação com povos indígenas.

Fonte: Educare