Módulo 3 | Aula 1 A luta pelos direitos indígenas

Tópico 3

Histórico das relações do Estado com os povos indígenas e as políticas indigenistas

Acampamento Terra Livre 2019
Fonte: Mídia India. ATL 2019

Tem sido cada vez mais comum vermos nos noticiários as mobilizações organizadas pelos povos indígenas, em Brasília, mas também em outros locais, em prol da demarcação de seus territórios, da busca por seus direitos e de uma vida mais justa.

Algumas mídias, por sua vez, costumam retratar as ocupações indígenas como “invasões”, criminalizando os movimentos indígenas e suas lideranças, reproduzindo preconceitos contra os povos indígenas, chamando-os de preguiçosos, gananciosos e afirmando que esses povos são obstáculos ao desenvolvimento do país.

O fato é que os povos indígenas têm lutado pelo direito de decidir sobre como querem viver, e pelo direito de participar e de decidir sobre eventos ou políticas que os afetem.

Da perspectiva da administração pública e dos atos de governo chamamos de políticas indigenistas o conjunto de ações e medidas desenvolvidas pelo Estado que se voltam para os povos indígenas.

De certo modo, podemos afirmar que a história das políticas indigenistas no Brasil remonta ao início do processo colonial, datando de mais de cinco séculos, quando os portugueses elaboraram políticas voltadas para o controle e governo das populações originárias que aqui encontraram.

Em períodos distintos, colônia, império, república, ditadura militar e inclusive de abertura democrática, uma questão central que perpassou a formulação de políticas indigenistas foi o acesso à terra e o domínio dos territórios.

Ao longo dos séculos, o gerenciamento dos povos indígenas se deu a partir da tentativa de equacionar uma realidade que estava dada: a de que esse território não estava vazio, pelo contrário, estava repleto de povos, com uma grande variedade linguística e cultural. Mas a invasão europeia dizimou milhares de povos. Estima-se que em toda a américa, mais de 70 milhões de indígenas foram exterminados (Tzvetan, Todorov. A Conquista da América. Martin Fontes, 2ª. Edição, 1988). Já no Brasil, calcula-se que havia na época da invasão uma população de cerca de 5 milhões de habitantes.

No Brasil colônia, os povos indígenas foram expulsos de seus territórios para que os novos colonizadores pudessem ocupar as terras para a realização de atividades diversas que iam desde a construção de vilas até as práticas da agricultura e da pecuária, voltadas para o comércio e abastecimento doméstico.

O saque, as guerras, as perseguições e doenças desconhecidas marcaram o cotidiano dos povos indígenas nos primeiros séculos de colonização.

A política indigenista desse período esteve muito associada à atividade religiosa, sendo responsabilidade das ordens católicas (jesuítas, capuchinhos, carmelitas etc.), com o apoio da Coroa Portuguesa, estabelecer missões que tinham como objetivo sedentarizar, isto é, fixar os povos indígenas em pequenas parcelas de terras para que ali fossem catequizados e inseridos no mundo cristão.

As missões, sobretudo as jesuíticas, foram a principal política indigenista até o século XVIII. Dentre as suas principais características estavam:

  • a proibição da língua original;
  • a pregação dos valores cristãos;
  • a proibição das práticas culturais tradicionais;
  • a sedentarização desses povos que não mais podiam circular livremente por seus territórios tradicionais, devendo permanecer nos pequenos pedaços de terras concedidos por Portugal.
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Você já ouviu falar em Diretório dos Índios?

“O cargo de diretor dos índios foi criado em 3 de maio de 1757, com o objetivo de organizar a administração e o governo dos indígenas do Pará e Maranhão, sendo suas atribuições estendidas para todo o Brasil no ano seguinte, com o estabelecimento de diretórios em outras capitanias. Mais conhecido na historiografia como Diretório dos Índios, a instituição do cargo foi acompanhada de todo um conjunto normativo, fruto de um amplo programa de centralização e modernização do aparelho do Estado empreendido pelo conde de Oeiras, futuro marquês de Pombal, que ocupou o cargo de ministro do rei d. José I (1750-1777) a partir da segunda metade do século XVIII.”

Fonte: Arquivo Nacional MAPA

Sugerimos a leitura completa em Diretores/Diretórios dos índios.

No século XX, na Primeira República, vimos a política indigenista ser secularizada, isto é, desvinculada da religião, tornando-se uma atribuição direta do Estado brasileiro, passando a fazer parte de sua administração pública. Isto se deu em 1910 através da criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais que mais tarde se tornou apenas Serviço de Proteção aos Índios – SPI, um órgão estatal voltado para o atendimento das questões referentes aos povos indígenas.

A política do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) previa também o confinamento desses povos em terras pequenas, não mais para serem catequizados, mas sim, onde pudessem passar por um processo civilizatório, por meio da aprendizagem da língua portuguesa, de práticas da agricultura e de ofícios diversos e pelo contato com os símbolos da pátria, como o hino nacional e o respeito pela bandeira.

O objetivo desse processo civilizatório era que esses sujeitos deixassem de ser indígenas, transformando-se em ribeirinhos ou caboclos, agricultores, sem identidade étnica diferenciada, integrados à sociedade nacional em condição de marginalização e submissão.

O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) teve uma atuação cercada por problemas. Embora este órgão tenha sido criado para promover a proteção dos povos indígenas, na prática, foi alvo de inúmeras denúncias sobre improbidade administrativa e crimes cometidos por seus próprios funcionários contra os povos indígenas.

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Relatório Figueiredo:

Para saber mais sobre as denúncias feitas ao SPI, sugerimos a leitura da matéria do Ministério Público Federal sobre o “Relatório Figueiredo”, que traz informações sobre a recente descoberta do relatório encomendado, em 1967, pelo ministro do Interior Albuquerque Lima.

Este relatório foi escrito pelo procurador Jader de Figueiredo Correia, que apurou violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas entre os anos de 1946 e 1988.

Até o ano de 2013, imaginava-se que este relatório havia sido destruído por um incêndio. Em 2013, ele foi redescoberto no Museu do Índio e está disponível para leitura.

Devido à crise instaurada pelas inúmeras denúncias, o SPI foi extinto em 1967. No mesmo ano foi criada a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que assumiu como o órgão indigenista oficial responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas de todo o território nacional.

Após a Constituição Federal de 1988, algumas atribuições da FUNAI, como a saúde indígena, passaram para a Fundação Nacional da Saúde (FUNASA) e, em 2010, passaram para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). As questões referentes à educação e escolarização indígena deixaram de ser atribuição desse órgão passando a ser diretamente atribuição do Ministério da Educação.

É importante destacar que um dos pilares que marcaram a política indigenista do século XX foi a instituição da tutela, isto é, a atribuição aos povos indígenas de uma condição jurídica de incapacidade civil e, consequentemente, intelectual.

Enquanto tutelados pelo órgão indigenista estatal (SPI e depois FUNAI), os indígenas, individualmente e coletivamente, eram tidos como inaptos a gozar de uma cidadania plena. A tutela indígena, enquanto instituição jurídica, foi desfeita com a Constituição Federal de 1988.