Aula 1 – O papel do SUS no enfrentamento ao idadismo institucional na assistência, comunicação e gestão em saúde.

Objetivo de aprendizagem

Ao final desta aula, você será capaz de compreender o idadismo institucional e suas relações com o idadismo interpessoal e autoidadismo.

Nesta aula, vamos compreender o idadismo no contexto institucional e suas relações com o idadismo interpessoal e autoidadismo. Utilizaremos conceitos trabalhados em capítulos anteriores, com estratégias textuais para sensibilizar o participante da aula a identificar situações de idadismo e conflitos intergeracionais na assistência, comunicação e gestão em saúde. Iniciaremos nossa aula com a seguinte citação:

citação
Citação

“Um dia acompanhei a minha mãe, idosa com 78 anos, em uma consulta médica de rotina. A minha mãe é independente, mora sozinha, ainda dirige o seu carro, ela trabalhou muito tempo e agora é aposentada. Na maioria das vezes ela vai para suas consultas sozinha, mas dessa vez achei importante ir com ela! Fiquei surpresa em perceber que o médico nem olhou para ela! Leu o laudo dos exames, e começou a me perguntar muitas coisas sobre ela, confesso que não sabia responder a maioria das perguntas, inclusive se ela sentia algum efeito colateral com a medicação ou se sentia alguma dor. Sempre que ele me perguntava algo, eu olhava para ela e repetia a pergunta, e então ela respondia para ele. Em um determinado momento me dei conta de que o médico estava desconsiderando o fato de que ela poderia responder por si mesma. Realmente isso me incomodou muito!”

Relato de uma das autoras.

Conforme vimos no módulo 1, o idadismo é todo preconceito que se baseia na idade, e comumente as vítimas preferenciais são as pessoas idosas. No capítulo anterior também vimos que o idadismo pode se manifestar de muitas formas e em diferentes contextos. O exemplo descrito reflete uma situação de idadismo, ou seja, quando a idade de uma pessoa serve para definir quem ela é, e o que ela consegue fazer, restringindo a nossa percepção da pessoa às poucas informações que temos dela! Frequentemente, a seletividade de informação sobre uma pessoa, combinada com a generalização de características para todo um grupo- neste caso, as pessoas idosas - pode ocasionar prejuízos, desvantagens e injustiças.

Quando essa situação se repete e a pessoa idosa é submetida a constrangimentos e discriminações devido à sua idade, ela pode desenvolver o autoidadismo, internalizando essas características limitantes, o que pode levar a sofrimento psíquico e adoecimento.

Certamente, o médico citado no exemplo não tinha total consciência de que estava agindo de forma discriminatória. Isto ocorre porque, muitas vezes, os comportamentos idadistas são provenientes das nossas experiências anteriores, da aprendizagem, e da normatização ou normalização e naturalização desses comportamentos em organizações, instituições e na sociedade como um todo.

No exemplo que inicia o nosso texto, observamos o idadismo interpessoal, que se revela na interação social, mas também o idadismo institucional, pois o médico, atuando na área da saúde, não foi "educado" para adaptar sua comunicação e relação com pessoas idosas. Tal aspecto evidencia a necessidade da difusão de orientações institucionais para uma comunicação inclusiva. Nesse capítulo vamos priorizar o idadismo institucional na saúde, mas conforme exemplificamos, muitas vezes o idadismo se apresenta conjuntamente -institucional, interpessoal e autoidadismo.

Publicado em 2023, o Guia para uma comunicação responsável sobre a pessoa idosa apresenta orientações para escrita e imagens que envolvam pessoas idosas na comunicação institucional. As instruções orientam o uso da palavra “Pessoa idosa” por ressaltar a centralidade do indivíduo, e o uso de imagens que evitem reforçar estereótipos e preconceitos, valorizando a pluralidade e diversidade das velhices nos processos de comunicação. “A denominação das pessoas que passam pela velhice é importante quando se trata de construir subjetividades e representações sociais. Existem expressões e imagens que contribuem para a estigmatização da velhice e das pessoas idosas, e outras que promovem mudanças em sentido positivo.”

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Fonte: Ministério dos Direitos Humanos e das Cidadania. 2023

O SUS é um dos poucos sistemas de acesso universal à saúde, fundamentado nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, ou seja, prevê que todas as pessoas possuem o direito de acesso à saúde, considerando suas especificidades e necessidades Lei 8080/90 - Planalto. Defendemos, portanto, a ideia de que o SUS possui papel central na construção de contextos de relações intergeracionais pautadas no respeito às diferenças e na inclusão de todas as pessoas, desde a assistência à saúde de pacientes, relações de trabalho entre profissionais de saúde, ações da gestão em saúde, na comunicação e relações intersetoriais e interinstitucionais. Sempre visando o enfrentamento ao idadismo!

Estudos da psicologia social afirmam que a expressão do preconceito pode ser bem variável, se apresentando de forma flagrante ou sutil, ou até, como um preconceito benevolente. Mais aceitos e difíceis de perceber, o preconceito sutil e o preconceito benevolente podem ser igualmente danosos. Vejamos a seguir:

É expresso pela discriminação como conhecemos, quando se faz piada sobre um grupo social (antilocução), quando se evita estar no mesmo local em que a pessoa se encontra (evitamento), ou até quando temos medo dessas pessoas e, por isso, queremos isolá-las e deixá-las longe de nós, ou mesmo desejamos que elas deixem de existir (extermínio). As piadas, por exemplo, contribuem para uma perspectiva negativa da velhice e para a naturalização do adoecimento nessa situação.

É quando as regras e normas invisibilizam a situação de preconceito e discriminação vivenciada pela vítima.

É revestido de uma aparente benevolência para com as pessoas vítimas dessa violência, mas que se baseiam em estereótipos pautados na excessiva necessidade de cuidado e na incapacidade das pessoas idosas de cuidarem de si. Um bom exemplo de preconceito benevolente é a infantilização das pessoas idosas, quando acreditamos que eles não são capazes de cuidar de si mesmos e sempre precisam de ajuda para todas as atividades, inclusive, eventualmente, os chamando de forma pejorativa de bebês, vovozinho, criança etc..

No idadismo, o preconceito sutil ou o benevolente pode se apresentar nas entrelinhas de uma norma, de um regimento ou de uma lei. O Relatório Mundial sobre o Idadismo (2021), desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) juntamente com as Organizações das Nações Unidas (ONU) indica que um caminho para reduzir o idadismo é a implementação de políticas e leis voltadas para o enfrentamento da discriminação e desigualdade nas relações intergeracionais. Um organização de trabalho, por exemplo, não deve considerar a idade como critério de seleção para o exercício profissional ou ocupação de um cargo, no entanto, o critério etário para inserção no mercado de trabalho é implicitamente utilizado, e como consequência alguns trabalhadores podem ser rejeitados sumariamente por serem considerados “muito velhos” ou “muito jovens” para a vaga de emprego, independentemente de seu conhecimento ou experiência com o trabalho. Segundo o relatório citado, isso acontece especialmente nos trabalhos envolvendo o setor de Tecnologia e de Hotelaria.

No contexto da assistência em saúde, a idade é uma referência importante para a relação profissional-paciente. Entenda a seguir:

Quando se trata de uma pessoa idosa, especialmente se há uma relação de dependência ou quando ela não consegue mais realizar atividades da vida diária (AVD), não raro, esta pessoa é considerada inapta para tomar decisões sobre si e sobre sua própria saúde, mesmo que tenha preservada sua orientação e consciência, e que mantenha a sua capacidade civil.

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Quando o paciente é uma criança, portanto, um ser humano em desenvolvimento que não possui ainda condições físicas, cognitivas e/ou emocionais de tomar decisões acerca de sua saúde, o seu responsável deve tomar tais decisões (Lei 8690/90).

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No caso dos idosos, muitas vezes isso acontece porque pautamos a nossa relação com essas pessoas em estereótipos etários negativos, que vinculam a velhice com a doença, inatividade, incapacidade e morte; e de forma contrária valorizamos a juventude, buscando evitar a velhice.

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Citação

“Quando eu estava fazendo a minha pesquisa de doutorado, percebi que muitas vezes as pessoas não queriam falar sobre a velhice, nem mesmo as pessoas idosas! Então, quando eu chegava nos espaços de convivência, nas universidades, nos núcleos da terceira idade, e nos diversos locais que passei durante a minha pesquisa, eu sempre brincava dizendo: você tem menos de 18 anos? Porque pessoas com menos de 18 anos não podem participar da pesquisa! Os idosos riam muito e brincavam dizendo: tenho sim, eu tenho mais de 18 anos!”

Relato de uma das autoras.

A comunicação e as mídias são o lugar de expressão das representações sociais da velhice, e podem reforçar ou fazer refletir os estereótipos que temos sobre as pessoas idosas e sobre a velhice. Assim, surge o seguinte questionamento:

Questionamento
Questionamento

Com quantos anos ficamos velhos? Ou quando começa a velhice?

Responder essa pergunta pode ser um primeiro passo para compreendermos as múltiplas velhices e as diferenças entre as pessoas idosas, afinal envelhecer não é igual para todo mundo! O fato é que além da idade, a velhice é atravessada por diferentes fatores, por isso, devemos falar em VELHICES.

As pessoas não são iguais, e as pessoas idosas também não! Cada indivíduo envelhece de forma única, seguindo trajetórias diversas que refletem suas experiências de vida, condições de saúde e contextos sociais.

Assim como o gênero, a cor/raça, etnia, classe social ou a deficiência, a idade também se apresenta como um marcador social importante para definir os grupos sociais, mesmo compreendendo que tais grupos não são construídos por pessoas iguais e que esses marcadores sociais se entrecruzam e se sobrepõem. Por isso, as políticas públicas de educação precisam incorporar em suas práticas formativas os temas voltados para o enfrentamento ao idadismo , direitos humanos e direitos da pessoa idosa (Lei 10.741/2003 ). No processo de formação profissional também se torna importante que as entidades de classes como conselhos ou sindicatos de trabalhadores, construam indicativos para uma atuação profissional inclusiva, além de combaterem qualquer expressão de discriminação pautada na idade das pessoas. E essa formação cidadã pode considerar o contato intergeracional como contexto de elaboração de respeito e aprendizagem mútua. Nesse ponto, podemos identificar dois aspectos importantes no enfrentamento ao idadismo: a Educação e as Leis.

Em 2021, o Conselho Regional de Psicologia da Bahia publicou a Cartilha Ageísmo e a prática profissional da/o Psicóloga/o com o intuito de construir orientações para a atuação de profissionais de psicologia. A produção dessa cartilha se pautou na justificativa de que: “... o preconceito de idade é um problema de saúde pública e um importante determinante social da saúde que foi negligenciado por muito tempo. É uma questão de desenvolvimento e direitos humanos, pois tem consequências sobre a saúde física, mental e social das pessoas idosas.”

ageismo

Fonte: Conselho Regional de Psicologia 3ª Região Bahia (CRP-03), 2023.

Com término dessa aula, esperamos que você possa compreender estratégias de enfrentamento ao idadismo, no contexto do SUS, voltadas para uma relação interpessoal não discriminatória entre usuários, cuidadores, profissionais e gestores de saúde.