Módulo 3

Preparação e resposta às Emergências em Saúde Pública no Contexto da COVID-19

Aula 4

Algumas lições da pandemia por COVID‑19 no contexto internacional

A COVID-19 tem gerado uma crise sanitária, social e econômica que demanda a atuação do Estado. Cabe ao Estado produzir políticas públicas de resposta à crise e compensação das iniquidades, sobretudo porque a COVID-19 afeta desigualmente populações e territórios em diferentes países. Nesse sentido, podemos nos perguntar: Qual o papel do Estado e as medidas necessárias no enfrentamento à COVID-19?

Abordaremos essa discussão a partir de algumas experiências internacionais. Reflexões acerca do papel do Estado na resposta a essa pandemia e na preparação para emergências em saúde pública (ESP) futuras estão na pauta de diversos organismos multilaterais (como a OMS e a ONU), universidades, instituições de pesquisa e governos de todas as regiões do mundo.

A análise dessas proposições e os resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Observatório COVID-19 da Fiocruz convergem para cinco eixos de atuação fundamentais: governança e coordenação nacional; controle da propagação da pandemia; fortalecimento do sistema de saúde; apoio social e econômico; comunicação com a sociedade. Cada uma dessas frentes ou eixos envolvem um conjunto de estratégias e ações necessárias para a construção de uma resposta nacional de enfrentamento à COVID-19, como mostraremos a seguir, a partir de PEREIRA (2020):

Estratégias e ações desenvolvidas com o objetivo de promover a coordenação nacional das políticas públicas de enfrentamento à crise gerada pela pandemia, envolvendo:

  • Formulação de um plano nacional acordado, com definição do papel de cada nível de governo;
  • Definição de uma estrutura para governança, acompanhamento e avaliação desse plano;
  • Equilíbrio entre processos de descentralização e centralização das estratégias e ações;
  • Fortalecimento das capacidades político-institucionais nas diferentes instâncias de governo;
  • Incremento dos mecanismos de diplomacia e cooperação intergovernamental.

Estratégias e ações desenvolvidas com o objetivo de reduzir a transmissão da infecção nos territórios por meio da restrição da mobilidade e do contato social, envolvendo:

  • Medidas de isolamento de casos e quarentena de contatos;
  • Medidas de distanciamento físico ou confinamento comunitário, segundo análise da situação epidemiológica, com:
    • Manutenção da distância de segurança (1,5 a 2 metros), recomendação do uso de máscara e de higiene pessoal;
    • Cancelamento e/ou adiamento de grandes eventos coletivos;
    • Suspensão (parcial ou total) de atividades não essenciais;
    • Controle de fronteiras terrestres e aéreas, com restrição da circulação de pessoas e mercadorias.

Estratégias e ações desenvolvidas com o objetivo de ampliar a capacidade dos sistemas de saúde para realizar a assistência e a vigilância em saúde, envolvendo:

  • Aumento da capacidade de leitos e leitos de UTI;
  • Aumento da capacidade dos laboratórios públicos para realização de testes diagnósticos (RT-PCR);
  • Disponibilização de insumos e equipamentos adequados, incluindo equipamentos de proteção individual (EPI), medicamentos e ventiladores mecânicos;
  • Organização dos serviços de saúde, com definição de fluxos e pontos de atenção adequados à realidade locorregional, com destaque para o papel da atenção primária à saúde no teleatendimento e atendimento domiciliário, sempre que possível;
  • Aumento da força de trabalho, capacitação e proteção dos trabalhadores;
  • Regulação pública do acesso a bens essenciais (medicamentos, máscaras e leitos), com regulação nacional de preços;
  • Padronização dos sistemas de registro de dados sobre novos casos, internações e óbitos, com coordenação nacional;
  • Articulação entre APS e vigilância epidemiológica para implantação de medidas de detecção rápida de possíveis novos surtos, incluindo a identificação precoce (confirmada por RT-PCR, se possível) e rastreamento de contatos;
  • Aumento do investimento em ciência e tecnologia para produção de soluções (terapias e tecnologias) para a crise.

Estratégias e ações desenvolvidas com o objetivo de garantir proteção social à população, com especial atenção aos mais vulneráveis; e favorecer a retomada das atividades produtivas, comerciais e financeiras, envolvendo:

  • Políticas de transferência de renda;
  • Apoio à manutenção da moradia, como aluguel social, suspensão temporária de pagamentos da hipoteca e contenção de ações de despejo;
  • Garantia de acesso a bens essenciais como água, energia elétrica e gás;
  • Ampliação do acesso ao seguro-desemprego, incluindo trabalhadores autônomos e informais;
  • Apoio fiscal e financeiro às pequenas e médias empresas;
  • Concessões fiscais a empresas.

Estratégias e ações desenvolvidas com o objetivo de dar transparência às decisões tomadas no âmbito governamental, de modo que a sociedade possa estar informada e possa participar do processo, envolvendo:

  • Publicação e difusão de dados epidemiológicos atualizados;
  • Manutenção de um painel público sobre a ocupação de leitos hospitalares, incluindo os leitos de UTI;
  • Comunicação ampla sobre as medidas de proteção individual e coletiva pelos meios de comunicação.

A seguir, serão apresentadas as lições aprendidas em cada um desses eixos a partir dos casos da China, Alemanha e Espanha. A seleção desses casos está relacionada à sua situação epidemiológica em abril de 2020, quando o epicentro da pandemia se deslocava da China para Europa, associada ao fato de serem países populosos e com economias importantes, possuírem sistemas de saúde de diferentes tipos, com participação estatal, e resposta ativa do Estado no enfrentamento à COVID-19

Lições aprendidas sobre governança e coordenação nacional da resposta à COVID-19 em países selecionados

A governança tem sido destacada como um aspecto central na resposta à COVID-19 em diversos países. Refere-se às estratégias de coordenação nacional das medidas sanitárias e intersetoriais frente a essa emergência sanitária, estando relacionada à articulação entre níveis de governo; entre departamentos e setores governamentais (saúde, previdência e assistência social, trabalho, economia etc.). Entre instituições e serviços do sistema de saúde; entre Estado e sociedade civil, organizações de trabalhadores e empresas. Pode-se afirmar que as características da governança estão relacionadas à organização político-territorial do país.

Mapa da China

China

China

A governança centralizada se destaca na China, país com forte tradição centralista e grande peso do governo central nos processos de tomada de decisão e gestão estatal.

Bandeiras da Alemanha e da Espanha

Alemanha e Espanha

Alemanha e Espanha

Em países federativos ou considerados como uma quase-federação, casos da Alemanha e Espanha, a governança se caracteriza por intensa articulação entre os níveis de governo e entre os setores que compõem o governo central.

Nos três casos, o papel do governo central foi decisivo para a instituição e operacionalização dos mecanismos de coordenação política, técnica e informacional que caracterizam a governança da resposta à COVID-19.

A China se valeu da experiência prévia em emergências, já possuindo legislação nacional e mecanismos de coordenação nacional das ações de vigilância junto aos Departamentos de Saúde Pública das províncias e junto aos serviços.

A Comissão Nacional de Saúde chinesa (análoga ao Ministério da Saúde) publicou atualizações do Protocolo para Prevenção e Controle da COVID-19, definindo critérios de risco epidemiológico territorial (baixo, médio e alto) e ações de controle e prevenção, como fizeram vários estados brasileiros. O Centro de Controle de Doenças (CDC China) tem um papel fundamental na assessoria técnica para tomada de decisão pelo governo central, no monitoramento da situação epidemiológica e emissão de alertas quando necessário e na formulação e difusão de estratégias de comunicação com a sociedade.

Na Alemanha, a governança federativa se baseou nas estruturas do executivo e legislativo federais. Um plano nacional foi acordado entre governo federal e estaduais, e monitorado por reuniões regulares do Conselho Federal e do Parlamento. Por meio de leis federais, o Ministério da Saúde alemão coordenou ações de enfrentamento da epidemia e fortaleceu a capacidade do sistema de saúde. A coordenação nacional das ações de vigilância foi feita pelo Instituto Robert Koch (IRK), instituto de saúde pública que ocupa o papel de autoridade sanitária. Com experiência na gestão de emergências sanitárias, nacional e internacionalmente, o IRK coordena a rede que envolve autoridades sanitárias estaduais e distritais/locais, em estreita relação com os serviços de saúde.

Na Espanha, a governança intergovernamental e intersetorial se baseou em três estruturas: Reunião dos chefes do executivo central e regionais; Conselho de Ministros, reunindo diversos setores; e Conselho Inter territorial, instância regular do sistema de saúde, onde se reúnem autoridades sanitárias central e regionais.

A partir dessa estrutura, foram desenvolvidas comunicações governamentais e rodas de imprensa; divulgação diária da situação epidemiológica e sanitária; e ações de educação em saúde. Um instrumento jurídico outorgou ao governo central competências para a coordenação nacional da resposta à COVID-19. A centralização dessas competências minimizou a competição por recursos no contexto de crise e polarização política espanhol.

Por meio do Conselho Inter territorial (semelhante à CIT no Brasil) e de decretos nacionais, o Ministério da Saúde coordenou ações de fortalecimento do sistema de saúde e de vigilância. Valeu-se do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, prévio à pandemia, para coordenar a Rede de Vigilância em Saúde Pública, incluindo laboratórios nacionais de referência.

Para Refletir

Da mesma maneira que a presença/atuação do governo central tem sido considerada fundamental para a capacidade de resposta nacional frente à COVID-19, a ausência/omissão do governo central é reconhecida como um fator decisivo para os piores resultados no controle da propagação da epidemia, na gestão de recursos sanitários e implementação de medidas sociais e econômicas que respondam às necessidades da população.

Tendo como referência o Painel Independente da OMS, países que apresentaram um péssimo desempenho no enfrentamento da pandemia combinaram ausência de uma governança nacional e de uma coordenação federativa da resposta à COVID-19, com efeitos danosos para cooperação entre os governos e redução das desigualdades.

Como lições aprendidas para governança e gestão dessa e futuras ESP, pode-se destacar:

1

Formulação de um plano nacional, acordado entre os níveis de governo e com definição do papel de cada um, lembrando que o governo central é estratégico para coordená-lo.

2

Definição de uma estrutura para governança, acompanhamento e avaliação desse plano.

3

Equilíbrio entre processos de descentralização e centralização das estratégias e ações.

4

Fortalecimento das capacidades político-institucionais nas diferentes instâncias de governo.

5

Incremento dos mecanismos de diplomacia e cooperação intergovernamental.

Lições aprendidas sobre controle da propagação da pandemia

As lições aprendidas na gestão da pandemia da COVID-19 no contexto internacional apontam para importância da implementação e monitoramento constante de estratégias e ações com o objetivo de reduzir a transmissão da infecção nos territórios.

Tais medidas envolvem a restrição da mobilidade e do contato físico em diferentes graus a depender da situação epidemiológica e sanitária. Além do isolamento de casos e quarentena de contatos, medidas já tradicionais na vigilância epidemiológica, os países que têm sido mais bem-sucedidos na resposta à COVID-19 implementaram estratégias de distanciamento físico ou confinamento comunitário rigorosos (sobretudo durante os períodos de crescimento do número de novos casos e óbitos), incluindo manutenção da distância de segurança (1,5 a 2 metros), recomendação do uso de máscara e de higiene pessoal; controle de fronteiras terrestres e aéreas, com restrição da circulação de pessoas e mercadorias; suspensão (parcial ou total) de atividades não essenciais; e cancelamento e/ou adiamento de grandes eventos coletivos.

Saiba Mais

Segundo o Our World in Data, ao longo de 2020, cerca de 95.963 casos de COVID-19 foram confirmados na China, 1,76 milhão na Alemanha e 1,93 milhão na Espanha, sendo registrados 4.782 óbitos na China, 33.791 na Alemanha e 50.837 na Espanha.

O número de casos e óbitos foi mais intenso durante alguns períodos (ondas da epidemia em cada país), promovendo variações na taxa de letalidade. Os três países implementaram medidas ostensivas de confinamento comunitário (lockdown) para conter a propagação da epidemia durante a primeira onda, retomando tais medidas (em graus menos rigorosos) durante períodos subsequentes.

A análise desses casos permite afirmar que as medidas não-farmacológicas, envolvendo o distanciamento físico e o confinamento comunitário foram efetivas para redução da transmissão e, logo, do número de novos casos e óbitos. Nos três casos, o lockdown foi acompanhado de medidas de apoio social à população.

Na China, o lockdown na província de Hubei (Wuhan e outras 15 cidades, envolvendo cerca de 60 milhões de pessoas) durou aproximadamente 70 dias e garantiu que a pandemia não se espalhasse por todo o país (um território continental, diverso e com uma população de mais de 1 bilhão de habitantes). Além disso, um feriado nacional foi estendido, e todo o país permaneceu por 17 dias com atividades escolares e laborais suspensas. Nesse momento, já havia casos de Covid-19 registrados fora de Hubei e em países vizinhos à China, o que tornava essas ações ainda mais necessárias. A manutenção das medidas de controle, ao longo de todo o ano de 2020 e 2021, permitiram que a China alcançasse uma relativa estabilidade na propagação da epidemia, não registrando nenhum grande surto depois da primeira onda que atingiu o país em dezembro de 2019/janeiro de 2020.

Na Alemanha e na Espanha, estratégias de controle da propagação da epidemia do tipo lockdown foram implementadas sob coordenação nacional a partir de meados de março de 2020, momento em que a Europa se tornava o epicentro da Covid-19. Foram proibidos grandes eventos e se estabeleceu o controle de fronteiras, com restrição de viagens domésticas e internacionais. A circulação por vias públicas foi liberada apenas para realização de atividades essenciais, como saúde, segurança e alimentação. Estabelecimentos em funcionamento deveriam manter desinfecção regular e medidas de proteção dos trabalhadores e consumidores. Na Espanha, houve exceção para atividades da construção civil e indústria, só interrompidas durante 15 dias. Na Alemanha, foram mantidos deslocamentos para atividade física individual.

Para Refletir

Em ambos os casos, após 50 dias de lockdown, houve redução significativa do fator de transmissão e queda no número de novos casos e óbitos permitindo a retomada gradativa das atividades. Seguramente, a estabilidade entre ondas está relacionada às medidas não farmacológicas adotadas para controlar a propagação da epidemia durante a primeira onda.

Contudo, durante as férias de verão na Europa, houve incentivo à circulação de pessoas e às atividades turísticas, importante atividade econômica, sobretudo na Espanha. O resultado foi o aumento gradual no número de casos que culminou na segunda onda da epidemia nesses países. Diante da progressão de novos casos e óbitos, medidas não-farmacológicas envolvendo o confinamento comunitário e restrição da mobilidade foram retomadas ao longo de 2020 e 2021, garantindo taxas de letalidades inferiores a 5% nesse período.

Lições aprendidas sobre o fortalecimento do sistema de saúde

Uma das principais lições aprendidas durante a pandemia da COVID-19 é a importância do fortalecimento dos sistemas públicos de saúde.

Independentemente do tipo de sistema de saúde, todos os países bem-sucedidos na resposta à COVID-19 investiram em medidas para ampliar a estrutura dos sistemas e a capacidade dos serviços (hospitais, ambulatórios e/ou unidades básicas de saúde), garantindo acesso universal à testagem e tratamento clínico sempre que necessário.

A liderança do governo central e do Ministério da Saúde foi decisiva para o fortalecimento dos sistemas de saúde e de vigilância na China, Alemanha e Espanha. Por meio de normativas nacionais, o Ministério da Saúde regulou e coordenou: a notificação compulsória e investigação epidemiológica de casos e contatos sob os mesmos critérios e parâmetros, dando uniformidade e coesão para as ações; o controle sanitário nas fronteiras; medidas para manutenção do abastecimento básico de medicamentos, equipamentos e testes diagnósticos; normativas para funcionamento de serviços de saúde, incluindo flexibilidades legais para ampliação do número de leitos e da força de trabalho.

O alto investimento por parte do governo central chinês foi fundamental para garantir a efetividade das ações de enfrentamento à COVID-19 e compensar as desigualdades que poderiam ser geradas pela estratificação do sistema sanitário na China. Para ampliar a capacidade de assistência sanitária, o país construiu dois novos hospitais em Wuhan, com 2.600 leitos de UTI, e três hospitais de campanha, com 12 mil leitos. Essa resposta foi rápida: as obras começaram no segundo dia do lockdown e os hospitais estavam prontos em 10 dias. Para seu funcionamento, cerca de 42.000 profissionais de saúde do restante da China foram deslocados para Hubei. Foi ampliada a capacidade de realização de testes diagnósticos (sobretudo para identificação da carga viral por meio do RT-PCR), e visitas domiciliares foram realizadas a todos residentes de Wuhan para rastreamento de potenciais casos.

Na China, sob governança centralizada, foram promulgadas regulações sobre pagamento do seguro-saúde, atendimento fora da zona de cobertura e compensação financeira, medidas extremamente relevantes para garantia do acesso. Foi lançado um programa de investigação científica para desenvolver diagnósticos, terapias e vacinas, delinear o espectro da Covid-19 e identificar as características do novo coronavírus. Novas tecnologias foram aplicadas, como o uso de big data e inteligência artificial, para fortalecer o rastreamento de contatos e o monitoramento de populações prioritárias, pontos fortes do caso chinês. Ações de promoção e educação em saúde foram desenvolvidas junto à população no conjunto de medidas de controle e prevenção.

Na Alemanha, o governo federal investiu, inicialmente, cerca de 10 bilhões de euros para que hospitais reprogramassem intervenções e mantivessem leitos disponíveis para Covid-19; ampliassem leitos de UTI, força de trabalho e atendimentos ambulatoriais; e adquirissem equipamentos de proteção individual (EPI). Foram ampliadas a capacidade hospitalar (em cerca de 40%) e laboratorial (chegando a 650.000 testes RT-PCR semanais), e mais de 3 milhões de testes sorológicos (baseados na identificação de anticorpos ao SARS-Cov-2), produzidos nacionalmente, foram disponibilizados ao sistema público de saúde.

Um ponto forte do caso alemão é a estreita coordenação entre o Instituto Robert Koch (IRK), os serviços de saúde e os laboratórios públicos e privados. O IRK, instituto público vinculado ao Ministério da Saúde, possui autoridade sanitária para realizar a coordenação das ações de vigilância em nível nacional, apoiando tecnicamente o governo central. O IRK recebe diretamente os resultados dos testes diagnósticos realizados em todo o país para avaliar, monitorar e orientar as ações de detecção precoce, articulando sistemas de vigilância sindrômica, genômica e laboratorial. Outro ponto forte é a manutenção de um sistema digital unificado nacionalmente, permitindo o acompanhamento das taxas de ocupação, identificação de leitos disponíveis e transferência de pacientes entre estados. No campo da pesquisa e desenvolvimento tecnológico, o governo federal alemão investiu em empresas nacionais para apoiar o desenvolvimento de vacinas e fármacos potenciais, além de participar em investigações epidemiológicas junto dos estados e em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Na Espanha, estratégias para fortalecer a capacidade de resposta do sistema sanitário começaram no dia seguinte ao lockdown. A partir da análise da situação de cada comunidade autônoma (CCAA, análogas aos estados brasileiros), foram ampliados leitos gerais e de UTI (em 75%), e preparados leitos de retaguarda. Leitos privados foram colocados à disposição do sistema público. No âmbito da atenção primária, todas CCAA constituíram Centrais de Atendimento Telefônica, recomendadas como primeiro ponto de contato durante a primeira onda; organizaram fluxo em duplo circuito e implementaram teleatendimento para monitoramento de casos respiratórios e pacientes com condições crônicas. Algumas CCAA criaram Unidades Volantes de Atenção à Covid-19 e mantiveram Serviços de Urgência da APS, extremamente importantes para o cuidado em domicílio.

O alto investimento por parte do governo central determinou ampliação da capacidade hospitalar e de testes diagnósticos; o fortalecimento da APS (que assumiu um papel central na vigilância comunitária a partir de maio); e a modernização das estruturas de vigilância, considerando à digitalização e interoperabilidade dos sistemas. Tais ações significaram aumento do financiamento público do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e foram fundamentais, já que sua capacidade hospitalar estava entre as mais baixas da União Europeia (UE) – apesar de ser considerado um sistema robusto, sofreu cortes orçamentários nos últimos dez anos, o que o deixou menos resiliente no primeiro surto de COVID-19 no país. A governança desenvolvida não foi capaz de promover a transferência de pacientes entre CCAA, ponto fraco e fator gerador de desigualdades no acesso a leitos.

Atenção

Para o fortalecimento dos sistemas de saúde, as lições aprendidas envolvem um conjunto de estratégias e ações que ampliam sua capacidade de resposta assistencial e de vigilância, bem como sua articulação com o sistema de ciência e tecnologia. Também se destaca o papel do governo central e do Ministério da Saúde na tomada de decisão e na gestão de recursos e insumos (equipamentos de proteção individual - EPI, medicamentos e ventiladores mecânicos), garantindo distribuição equitativa deles no território, bem como processos de produção e/ou importação que agreguem o melhor custo-benefício. Em países onde há vazios assistenciais e/ou distribuição irregular de laboratórios e equipamentos, diante de uma ESP, cabe ao governo central investir na ampliação de leitos (clínicos e de UTI) e laboratórios públicos para realização de testes diagnósticos (RT-PCR).

No que diz respeito à organização dos serviços de saúde, é importante definir fluxos e pontos de atenção adequados à realidade loco regional, com destaque para o papel da atenção primária à saúde no teleatendimento e atendimento domiciliário, sempre que possível; aumento da força de trabalho, capacitação e proteção dos trabalhadores; regulação pública do acesso a bens essenciais (medicamentos, máscaras e leitos), com regulação nacional de preços; padronização dos sistemas de registro de dados sobre novos casos, internações e óbitos, com coordenação nacional; articulação entre APS e vigilância epidemiológica para implantação de medidas de detecção rápida de possíveis novos surtos, incluindo a identificação precoce (confirmada por RT-PCR, se possível) e rastreamento de contatos; e aumento do investimento em ciência e tecnologia para produção de soluções (terapias e tecnologias) para a ESP.

Lições aprendidas sobre medidas de apoio social e econômico

O fortalecimento do sistema de proteção social e a adoção de medidas de apoio social e econômico são outras duas lições fundamentais da crise gerada pela COVID-19. Sabemos que se trata de uma crise de múltiplas dimensões e que, portanto, exige a articulação entre diversos setores (saúde, assistência social, trabalho, educação etc.) para formular e implementar ações integradas (setoriais e intersetoriais) destinadas a proteger a população, com especial atenção aos mais vulneráveis, e favorecer a retomada das atividades produtivas.

Nos países com respostas mais bem-sucedidas à COVID-19, medidas potentes foram implementadas para atender aos cidadãos, aos trabalhadores e às empresas, na maior parte das vezes envolvendo negociação com representantes desses setores da sociedade.

A China implementou medidas de isenção de impostos para pequenas e médias empresas, e o Banco Central criou fundos especiais de empréstimos, totalizando inicialmente cerca de 45 bilhões de dólares para suporte a crédito com taxa de juros preferencial. O governo também ofereceu auxílios financeiros para os cidadãos que estavam em confinamento comunitário, com suspensão da cobrança de serviços de água, energia elétrica e internet, e para aqueles que se encontravam em situação de vulnerabilidade social.

Alemanha se destaca pela constituição de um Programa e um Fundo de Estabilização Econômica, aprovados pelo Parlamento, em uma clara concertação entre governo federal e estaduais. As medidas somam mais de 650 bilhões de euros, envolvendo: doações para pequenas empresas e autônomos; suporte para médias e grandes empresas, com linhas de crédito através do Banco Nacional de Desenvolvimento Alemão (KFW); e investimentos diretos do Estado e refinanciamento de grandes empréstimos pelo KFW. Foram destinados 10 bilhões para expandir esquemas de seguro-desemprego e 7,7 bilhões para assistência social, incluindo auxílio-criança e auxílio à renda.

Na Espanha, alguns dias antes do início do lockdown, estratégias de apoio social e econômico começaram a ser implementadas. Esse é um dos pontos fortes do caso espanhol: a construção do chamado “Escudo Social”, para o qual foram mobilizados cerca de 200 bilhões de euros. Entre as medidas de proteção aos cidadãos, estão incluídas garantia à moradia, proibição do corte de serviços básicos e ajuda social às famílias e populações vulneráveis; promoção da igualdade e proteção às vítimas de violência machista; e proteção aos trabalhadores e autônomos, com ampliação e flexibilização do acesso ao seguro-desemprego. Em relação à proteção da atividade econômica, destacam-se linhas de crédito e redução de impostos, especialmente para pequenas e médias empresas (75% dos recursos). Ao final de maio, o governo aprovou a renda mínima vital, por meio da qual foram protegidas inicialmente 850 mil famílias em situação de vulnerabilidade. Tais ações são importantes para fortalecer a proteção social e enfrentar o contexto espanhol de desigualdades.

Nas lições aprendidas, as medidas mais frequentes foram: políticas de transferência de renda; apoio à manutenção da moradia, como aluguel social, suspensão temporária de pagamentos da hipoteca e contenção de ações de despejo; garantia de acesso a bens essenciais como água, energia elétrica e gás; ampliação do acesso ao seguro-desemprego, incluindo trabalhadores autônomos e informais; apoio fiscal e financeiro às pequenas e médias empresas; e concessões fiscais a empresas. Tais medidas mostraram-se fundamentais nessa epidemia e apontam a necessidade de que, no médio prazo, políticas de emprego e renda sejam fortalecidas, inclusive para compensar as desigualdades geradas e aprofundadas pela COVID-19.

Lições aprendidas sobre estratégias de comunicação com a sociedade

A comunicação com a sociedade é uma frente de atuação fundamental para a resposta à COVID-19 em diversos países do mundo. Não raro, escutamos que o controle da epidemia depende do comportamento da população, mas o que está por trás dessa afirmativa?

Algumas vezes, pode estar implícito um peso individual, que não corresponde com a realidade. A população tem o direito à informação sobre a situação epidemiológica e sanitária do país, merece (e deve) receber do governo e das autoridades sanitárias informação clara, atualizada e embasada cientificamente.

A responsabilidade é individual e coletiva, e depende de ações de comunicação que garantam transparência às decisões tomadas no âmbito governamental, de modo que a sociedade possa estar informada e possa participar do processo ativamente. Nos países em que não houve controle efetivo da pandemia, foram muito comuns a ausência do governo central no estabelecimento de canais de comunicação com a sociedade e a proliferação de notícias falsas (fake news). Em muitos casos, elas geraram o consumo de medicamentos sem eficácia comprovada e influenciaram comportamentos irresponsáveis em relação aos riscos de transmissão e contágio.

China, Alemanha e Espanha desenvolveram estratégias e ações de comunicação com a sociedade, envolvendo: publicação e difusão de dados epidemiológicos atualizados diariamente por sites web governamentais e redes sociais oficiais; comunicação ampla sobre as medidas de proteção individual e coletiva por meios de canais de comunicação oficiais; realização de pronunciamentos governamentais frequentes, com apresentação do balanço das medidas implementadas para controle da propagação da epidemia, para resposta setorial e supra setorial.

Para Refletir

O desenvolvimento dessas estratégias depende do compromisso das autoridades máximas dos governos e dos Ministérios da Saúde em informar e dialogar com a população.