Unidade 3
Da Ditadura Civil Militar à regulamentação do SUS
A agenda da saúde
A partir do final dos anos 1950, com importante destaque nas duas décadas seguintes, organismos internacionais, como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), passariam a ter protagonismo na produção de diagnósticos sobre as diferentes situações sanitárias nacionais e também na organização de ideias e pautas institucionais.
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A OPAS, por exemplo, apontava para um quadro sanitário preocupante que combinava baixa cobertura assistencial e disseminação de doenças marcadamente da pobreza, como as verminoses e aquelas de veiculação hídrica no Brasil e em boa parte dos países do continente.
As ações e estratégias para um necessário enfrentamento da realidade sanitária deveria passar, segundo apontavam os técnicos da OPAS, pelo fortalecimento dos aparatos e ações estatais.
Para tal, imaginava-se que as diferentes estruturas estatais deveriam se organizar em torno do planejamento e da avaliação de ações, o que implicava:
- A instituição de unidades especializadas nos ministérios e a gestão adequada de estatísticas vitais e sanitárias;
- A administração coordenada dos serviços de saúde, com a articulação dos âmbitos nacional e local, assim como a integração da prevenção com a assistência curativa; e
- A ênfase na formação e capacitação dos recursos humanos.
A ideia de planejamento, como forma de proceder a uma mobilização programada dos recursos disponíveis, com o intuito do alcance de objetivos e metas definidos segundo determinados diagnósticos, afirmava no terreno da saúde a necessidade da pesquisa epidemiológica e da informação estatística como requisitos para a fixação de prioridades.
Da mesma forma, prescrevia o desenvolvimento de metodologias para o que deveria ser um “planejamento integral do desenvolvimento econômico e do bem-estar” (OPAS, 1963).
Atenção
A rigor, o planejamento e o foco na administração pública não se configuravam como objetivos em si mesmos. A vigência de ideias que poderíamos identificar como racionalizadoras era parte inseparável da meta do aumento da cobertura dos serviços de saúde. Aliás, “aumento de cobertura” talvez seja uma das expressões mais mobilizadas nos documentos técnicos do período.
Como ideia-força foi capaz de organizar as pautas institucionais, ao mesmo tempo em que foi uma forma de se organizar contundente crítica às intervenções de saúde pública conhecidas como verticais, isto é, aquelas orientadas por doenças específicas, muito comuns no contexto dos anos 1950, como vimos.
Somavam-se às críticas aos modelos verticais, julgamentos negativos com relação a uma medicina curativa centrada na instituição hospitalar e no uso crescente de tecnologias complexas e custosas.
Esse ambiente de críticas, do qual o movimento sanitário brasileiro seria expressão viva, corresponderia, por outro lado, à crescente popularidade das abordagens ditas integrais e das experiências de medicina simplificada empreendidas em países em desenvolvimento, entre as quais aquela que envolveu a utilização dos Médicos de Pés Descalços na República Popular da China.
No final dos anos 1970, todos esses movimentos culminaram, em termos internacionais, no estabelecimento, em 1977, da meta de “Saúde para Todos no Ano 2000”. Outra iniciativa ocorreu no ano seguinte, durante a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, conhecida simplesmente como Conferência de Alma-Ata, com a Atenção Primária à Saúde como a estratégia principal para alcançá-la.
No contexto brasileiro, esses debates em torno da saúde ocorreram, como vimos, em um cenário de grandes transformações políticas e sociais. No campo político, ainda que sob imensas incertezas, observamos as primeiras iniciativas de distensão do regime militar e de um movimento rumo à abertura democrática.
Material Complementar
Sergio Arouca e a criação do Sistema Único de Saúde
Conheça um pouco mais sobre o contexto e as ideias que, na perspectiva de alguns dos principais atores, definiram o movimento pela reforma sanitária.
Sinopse:
Este filme faz parte do Projeto Memória Sérgio Arouca coordenado pelos professores doutores Regina Abreu e Guilherme Franco Netto. O filme conta a história da construção do SUS no Brasil - um sistema de saúde público e universal - com especial ênfase na participação de Sergio Arouca neste processo. Montagem de Helena Rego Monteiro.