read_more
Campus Virtual Fiocruz

Ética e Integridade na Pesquisa

Módulo Introdutório | Aula 3 Juízos Morais e Juízos Prescritivos

Estabeleceremos nesta aula uma distinção entre a estrutura dos juízos morais e a dos demais juízos prescritivos.

Cena 3: Um jantar em família

É importante ressaltar que apenas a irritação ligada à revelação da agressão sugere a presença de um autêntico julgamento moral, isto é, de uma indignação moralmente motivada. Esta sugestão fica mais evidente quando analisamos a atitude emocional dos pais na hipótese de essas mesmas ações (o uso inadequado dos talheres e a agressão gratuita a um colega de classe) terem sido praticadas pelo filho de um amigo estrangeiro, cujos hábitos incluem, por exemplo, o poder comer com as mãos. Neste caso, ainda que pudessem experimentar algum desconforto em relação às maneiras da criança estrangeira à mesa, entendendo se tratar assim de uma boa ação na perspectiva da cultura dela, dificilmente esses pais deixariam de sentir que a agressão confessada pelo filho do seu amigo também não devesse ser repreendida ou censurada por ele.

Como se pode perceber, o objetivo dessa análise preliminar foi dar destaque não somente aos limites da aplicação normativa de noções como “bom” e “bem”, mas também à pretensão de universalidade que caracteriza o verdadeiro julgamento moral. Com base em Tugendhat, percebemos que as ideias de “bom” e de “bem” não parecem teoricamente elucidativas de um programa de justificação moral porque, para todos os efeitos, sugerem pouca precisão conceitual para determinar o fundamento da indignação quando temos em mente uma experiência social de exigências mútuas (requisito da universalidade).

É claro que, no exemplo citado, o fato de serem os pais pacifistas pode (e deve!) ser encarado como outro dado cultural, um valor avaliado como um “bem” e, portanto, sujeito também a questionamentos. O que é importante perceber é que isso apenas reforça a necessidade de uma perspectiva capaz de descrever o problema da regra válida em termos de uma justa partilha de direitos e deveres – sob pena de privilegiarmos determinado conjunto de valores em detrimento de outros.

A noção de justiça, ao desempenhar o papel de manter o equilíbrio no sistema entre os indivíduos, representa um avanço teórico. Ela propõe à reflexão ética um caminho mais alinhado com o princípio de tratar os interesses de todos de forma igualitária.

Agora que sabemos por que o problema da justiça é tão importante para o discurso moral, podemos concluir a nossa reflexão de um modo um pouco mais provocativo. Afinal, esse compromisso com o “igual interesse de todos” acaba por exigir uma base de equiparação a partir da qual os indivíduos se reconheçam justamente como iguais. Caso contrário, estaríamos admitindo, de saída, que alguns interesses possuem mais valor que outros, isto é, que o problema de saber o que é “a cada um devido” poderia dispensar a premissa da igualdade.

Ao longo da história humana, que outra fórmula, senão a própria ideia de “direitos humanos”, contém esse apelo de reconhecimento universal de igualdade entre as pessoas? Que outro conceito, além dessa ideia, resume um conjunto de diretrizes voltadas para a afirmação da dignidade de cada indivíduo da espécie humana, sem discriminação de qualquer natureza?

Dica

Para subsidiar sua reflexão, como estímulo à autonomia crítica, recomendamos a leitura do texto: "Cinco fábulas sobre direitos humanos", de autoria do britânico Steven Lukes. O texto nos leva a pensar no problema da justiça segundo cinco diferentes concepções de sociedade dominantes no imaginário ético-político contemporâneo. Cada uma delas apresenta distintos critérios normativos para julgarmos o que “a cada um é devido”, além de nos ajudar a avaliar em que medida estamos dispostos a defender ou não um mundo privado dos direitos humanos.

Até aqui você estudou o Discurso Moral, mas é importante conhecer também o Discurso Científico. A principal diferença do Discurso Moral para o Discurso Científico é que o primeiro não trabalha com juízos sujeitos à verificação ou falsificação. O juízo moral é sempre prescritivo, nunca descritivo. Não dizemos, por exemplo, que é verdade (ou falso) que devemos fazer isso ou aquilo. Uma coisa, portanto, é prescrever regras (que podem ser justas ou não); outra, bem diferente, é descrever fatos (que podem ser verdadeiros ou não). O Discurso Científico lida com a dimensão factual da realidade. Em suma: trata daquilo que “é”, e não daquilo que “deve ser”.

Discurso Moral
  • Não está sujeito à verificação e falsificação.
  • Prescreve regras.
  • Regras podem ser justas ou não.
X
Discurso Científico
  • Está sujeito à verificação e falsificação.
  • Descreve fatos.
  • Fatos podem ser verdadeiros ou não.

O Discurso Moral e o Discurso Científico estão em esferas diversas da natureza discursiva.