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Campus Virtual Fiocruz

Ética e Integridade na Pesquisa

Módulo Introdutório | Aula 2 As duas acepções do termo ética

O termo “ética” pode assumir, para fins didáticos, duas acepções:

Primeira acepção

Conjunto de valores com os quais nos identificamos toda vez que erguemos uma pretensão normativa, ou seja, quando a ação que julgamos correta coincide também com uma regra que acreditamos ser válida perante esse mesmo conjunto de valores.

&
Segunda acepção

Uma reflexão filosófica voltada para um exame mais acurado dos nossos próprios julgamentos.

Na primeira acepção, o juízo moral seria uma estrutura ainda fechada, sem questionamentos à validade da regra. Na segunda acepção, quando já aberto a um questionamento de si mesmo, haveria condições de julgar realmente a validade da regra em questão.

Quando o juízo moral se abre, permitindo o questionamento da validade de uma regra, emerge a discussão ética.

Assim, a ética pode ser entendida como um “discurso interessado em equacionar os eventuais conflitos surgidos entre diferentes juízos morais”, cujos impasses ameaçam sobretudo a integridade das interações humanas.

Para compreendermos mais profundamente essas diferenças de acepção, vamos nos debruçar sobre outras duas noções centrais: noção de “bom” (ligada à avaliação de um “bem” qualquer) e noção de “justo” (ligada à ideia de “justiça”).

“A estrutura de uma teoria ética é em grande parte determinada pelo modo como ela define e interliga essas duas noções básicas.”

Rawls (1997, p. 26).

A razão disso é muito simples: é delas que lançamos mão para qualificar, em última instância, uma ação que julgamos moralmente correta. No caso da decisão do motorista que foi mostrada na cena 2, estaríamos certamente inclinados a fazer uso de alguma dessas noções, seja para justificá-la ou mesmo para indeferi-la.

A primeira dessas noções, referente a uma concepção qualquer de “bem”, não é capaz de servir devidamente à construção de um ponto de vista ético na segunda acepção do termo. A ideia que fazemos do que seja “bom” ou “mau” não determina uma perspectiva apropriada para julgarmos a validade de uma regra. Isso não significa, é claro, que ela não seja importante na primeira acepção do termo “ética”, ou seja, que não possa ser utilizada em relação ao conjunto de valores com os quais nos identificamos. Podemos dizer, por exemplo, que a ação do motorista que prestou socorro é boa porque está sacramentada pelo valor que também atribuímos ao bem-estar da vítima.

Entretanto, uma vez que a moralidade consiste em uma esfera de exigências mútuas, precisamos igualmente de um outro ponto de vista. Precisamos levar em conta o fato de que as regras significam, na prática, uma divisão de direitos e deveres. Precisamos pensar, então, no problema da justiça, no que “a cada um é devido”. E basta imaginar, para tanto, no que acabaríamos pensando caso outro motorista seguisse pela contramão do acostamento pelo mesmo motivo que julgamos ser justificável.

É em vista da coordenação recíproca das ações que o problema da validade de uma regra sempre se impõe. Temos de considerar, assim, certa prioridade do problema da justiça no que diz respeito à própria justificação pública do que acreditamos ser uma ação correta.

Para sustentar esta afirmação, é importante considerar a justificativa moral em relação à justiça, com base nas ideias do filósofo alemão Ernst Tugendhat. Ele argumenta que a indignação vai além de uma simples emoção, funcionando como uma resposta que reflete julgamentos morais, ajudando a distinguir entre o justo e o injusto. Assim, a indignação é essencial para definir o conceito de justiça.