Módulo 1 | Aula 4
Introdução à inteligência artificial na saúde
Outros conceitos e técnicas utilizadas pela IA
A Inteligência Artificial (IA) tem como foco a criação de sistemas capazes de realizar tarefas que normalmente requerem inteligência humana. Isso inclui a capacidade de aprender com experiências, reconhecer padrões, entender linguagem natural, resolver problemas complexos e tomar decisões.
Para desempenhar essas tarefas, são utilizadas diversas técnicas de aprendizagem. Dentre outras, destacam-se a aprendizagem supervisionada e a não supervisionada.
supervisionada
Na aprendizagem supervisionada, os modelos são treinados usando dados rotulados previamente para realizar tarefas como classificação e regressão.
Na tarefa de classificação, o modelo atribui um objeto a uma classe, por exemplo, determinando se uma imagem de exame mostra um infarto ou não. Na regressão, o modelo estima um valor, como calcular a porcentagem de chance de um paciente ter uma doença com base nos seus dados históricos.
não supervisionada
Na aprendizagem não supervisionada, os modelos são treinados com dados não rotulados para identificar padrões e estruturas ocultas. Eles são utilizados para tarefas como agrupamento, associação e redução de dimensionalidade. Como exemplo, na tarefa de agrupamento o modelo pode organizar os dados em grupos com características semelhantes, como segmentar pacientes de uma região com necessidades de atendimento parecidas.
Em resumo, a aprendizagem supervisionada e a não supervisionada continuam sendo as principais abordagens em diversas aplicações, embora existam outras abordagens como a aprendizagem semi-supervisionada e por reforço. É importante destacar que modelos mais complexos frequentemente combinam diferentes abordagens e técnicas para executar tarefas complexas, mostrando que essas metodologias não são excludentes.
Como exemplo disso, recentemente surgiu uma categoria de aplicações multimodais, que não se aplicam a um só tipo de conteúdo (textos, imagens, sons ou vídeos, por exemplo). Há aplicações que podem gerar imagens e até mesmo vídeos a partir de textos, além de poder fazer o caminho contrário, ou seja, transcrever de forma automática um vídeo ou criar um texto que descreva uma imagem. Estas são tipicamente aplicações de aprendizagem profunda (deep learning), de arquitetura baseada em redes neurais.
Talvez hoje já haja um consenso de que a IA tem um potencial imenso para uso no campo da saúde. Não é difícil ver enormes oportunidades de melhoria no acesso aos serviços de saúde, no diagnóstico, no aprimoramento da gestão operacional, no monitoramento de equipamentos e de pacientes, além de muitos outros pontos.
Há muitas apostas diferentes, algumas com resultados promissores e outras ainda em desenvolvimento. No entanto, é sempre bom destacar que várias delas ainda precisam provar a sua qualidade, segurança e viabilidade, inclusive econômica.
Dentre as apostas, há muita esperança que a IA possa aprimorar o diagnóstico e a detecção precoce na área da saúde. A IA pode:
É importante ressaltar que as oportunidades são muitas, especialmente considerando os gastos crescentes dos sistemas de saúde e o impacto do envelhecimento populacional. Nesse contexto, o uso da IA na saúde pode melhorar a qualidade dos serviços e contribuir positivamente para a sustentabilidade financeira do sistema.
Alguns exemplos de usos de IA na saúde
Existem inúmeros casos de uso de IA na saúde, em geral focados em apoiar as decisões de profissionais de saúde ou gestores. Entretanto, há um outro grupo emergente de dispositivos de IA autônomos, que podem fornecer um diagnóstico clínico sem a supervisão humana.
Neste ambiente, é simples ver que os requisitos para a adoção de IA podem variar em diversos aspectos, inclusive em função da proposta de uso da IA: apoiar ou tomar uma decisão autônoma. Essa é uma discussão que será aprofundada nas próximas seções.
A seguir você vai conhecer três casos de uso, dois de apoio à decisão (detecção de sepse e detecção de retinopatia diabética) e um sistema autônomo (detecção automática precoce de retinopatia diabética). Todos de alto impacto sobre a vida dos pacientes e os sistemas de saúde.
a) Detecção de sepse
O primeiro exemplo é sobre um sistema para a detecção de sepse. A sepse é uma síndrome que exige um pronto reconhecimento e tratamento.
Ela pode ser definida como “uma síndrome de resposta inflamatória, causada por uma infecção que pode se originar em um local e causar alterações sistêmicas na tentativa de combatê-la” (ALMEIDA et al., 2022).
Segundo Kalil et al. (2018, p.1):
"[..] a sepse representa 25% das taxas de ocupação de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no Brasil e sua mortalidade associada pode variar de 29,6 a 54,1% em hospitais privados e públicos, respectivamente, tornando-se a doença de maior custo no setor saúde. O custo do atendimento de um paciente com sepse é seis vezes maior do que de um paciente sem sepse, com o custo aproximado de US$ 25.000 por paciente, totalizando US$ 17 milhões por ano."
KALILK et al. (2018, p.1)
Os números deixam clara a importância da sepse nas taxas de mortalidade e o seu impacto financeiro. Com isso, muitos projetos têm avaliado soluções que incluem IA como um de seus componentes.
Goh et al. (2021, p. 1) descreve um projeto baseado em IA que utiliza dados estruturados e notas clínicas não estruturadas para prever e diagnosticar sepse. O objetivo é prever a ocorrência de sepse em pacientes com antecedência de 4, 6, 12, 24 e 48 horas, pois para essa síndrome o tratamento precoce é crucial para prevenir a mortalidade.
Quando comparado o desempenho do algoritmo com as previsões médicas para a incidência de sepse nos pacientes, foi verificado “um potencial do algoritmo para aumentar a detecção precoce de sepse em até 32% e o de reduzir os falsos positivos em até 17%” (GOH et al., 2021, p. 1).
A imagem a seguir mostra a comparação entre o desempenho do modelo e dos especialistas para verdadeiros positivos (sensibilidade).

Este primeiro exemplo mostra como a IA pode impactar positivamente a detecção precoce de sepse, aumentando a chance de sobrevivência dos pacientes e reduzindo custos. Uma outra questão importante, para esse caso e ou seguintes, é que ele é relatado em um artigo de 2021 e é possível que hoje já tenhamos resultados melhores.
b) Detecção precoce de retinopatia diabética (Tailândia)
A retinopatia diabética (RD) é um importante desafio para a saúde pública. Segundo Escarião et al. (2008), “as complicações microvasculares do diabetes mellitus na retina constituem-se na principal causa de cegueira da população economicamente ativa no Brasil e no mundo”, ainda segundo o autor, “o tratamento dessas alterações é eficaz na prevenção da cegueira quando instituído precocemente”.
Para lidar com esse desafio, foi desenvolvido um algoritmo que faz a avaliação da retinopatia diabética, evitando a espera de semanas pelo resultado e pela revisão por um oftalmologista. O modelo demonstrou possuir uma precisão similar à de um especialista (superior a 90% de sensibilidade e especificidade), com uma redução de 23% na taxa de falsos negativos e um leve aumento de 2% de falsos positivos (BEEDE et al., 2020, p. 2).
Beede et al. (2020) descreve um estudo feito na Tailândia que utiliza aprendizagem profunda (deep learning) para a detecção de doenças oculares diabéticas. Como nos estágios iniciais a RD é assintomática, o ministério da saúde do país estabeleceu uma meta anual de examinar 60% das pessoas com diabetes. Entretanto, com 4,5 milhões de pacientes e 1.500 oftalmologistas, dos quais apenas 200 são especialistas em retina, “a escassez de médicos limita a capacidade de triagem de pacientes e também cria um atraso de tratamento para aqueles que têm RD” (BEEDE et al., 2020, p. 1).
No processo tradicional, o exame para detecção de RD é realizado por um profissional de enfermagem, a imagem é armazenada e posteriormente enviada a um oftalmologista para análise. Até que o paciente tenha acesso ao resultado, este processo pode levar de duas a dez semanas.
Com o uso do algoritmo desenvolvido, este tempo pode ser reduzido para apenas dez minutos.
A figura a seguir ilustra a diferença entre as duas abordagens (sem e com a IA).

Embora sejam necessários testes rigorosos, especialmente quando o ambiente de uso real pode variar enormemente, as oportunidades são imensas.
c) Detecção automática precoce de retinopatia diabética
Para contribuir com a detecção precoce da retinopatia diabética (RD), dado o fato de ser a principal causa de cegueira no Brasil e no mundo, muitos estudos têm sido desenvolvidos e algumas aplicações já se encontram disponíveis.
Uma abordagem interessante e que se mostra promissora é do desenvolvimento de sistemas de IA autônomos de saúde. Segundo Abràmoff, Tobey e Char (2020, p. 1), sistemas de IA autônomos em saúde são capazes de tomar decisões clínicas sem supervisão humana. Esses sistemas de diagnóstico médico prometem melhorar o acesso aos cuidados, aumentar a precisão e reduzir custos. Além disso, permitem que médicos especialistas se concentrem em gerenciar e tratar pacientes cujos resultados podem ser significativamente melhorados.
Seguindo esta abordagem, em 2018 foi aprovado o primeiro equipamento para diagnóstico de retinopatia diabética pela FDA nos Estados Unidos (US Food and Drug Administration). Este dispositivo pode ser usado “na atenção primária em ambientes sem requisitos específicos, por operadores sem experiência anterior em imagens de retina e com treinamento mínimo” (ABRÀMOFF; TOBEY; CHAR, 2020, p. 4).
A partir desses três casos de uso, é possível perceber que as possibilidades são enormes para o uso de IA na saúde, mas isso não vem sem riscos e desafios a serem superados, especialmente quando aplicado no SUS, que tem como um de seus princípios a equidade. E garantir que as soluções de IA fornecem um tratamento equânime, significa olhar para além da tecnologia, da adequação, do custo-efetividade e da robustez da solução.
Para se aprofundar mais no tema, leia o artigo selecionado e conheça alguns exemplos de aplicações de IA na área de oftalmologia.