Aula 2 - Gerações, Idadismo e Interseccionalidade

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta aula, você será capaz de:

Relacionar o idadismo com outros "ismos" (racismo, machismo, capacitismo);
Entender a relação entre envelhecimento e aumento da chance de ter deficiência e seu impacto em a interseccionalidade do idadismo;
Avaliar a importância de práticas interseccionais no enfrentamento ao idadismo.

A coexistência de múltiplas gerações dentro da mesma família e sociedade é um fenômeno relativamente recente na história. Nas últimas décadas, com o aumento da longevidade, tornou-se comum a presença de quatro ou até cinco gerações convivendo simultaneamente em um mesmo núcleo familiar. Diferentemente do passado, em que as gerações se substituíam mais rapidamente, hoje elas se sucedem e coexistem (Attias-Donfut, 1993). Cada geração traz consigo bagagens culturais, econômicas e políticas distintas, além de vivências e memórias marcadas por diferentes formas de discriminação.

Ilustração sobre envelhecimento e desigualdades sociais

Fonte: Autoria própria.

Na sociologia, o conceito de geração refere-se a um grupo de indivíduos que vivem em uma mesma época ou contexto social, possuem idades aproximadas e compartilham experiências ou têm o potencial para compartilhá-las. No entanto, a delimitação clara de cada geração não é simples. Para facilitar sua compreensão, utiliza-se geralmente uma divisão baseada em anos de referência.

Atualmente, a classificação mais comum agrupa as gerações da seguinte forma:

Minha Imagem

Fonte: Autoria própria.

Ao longo do tempo, a estrutura etária da população tem sido responsabilizada por diversos desafios sociais e econômicos. Há duas décadas, a queda na taxa de natalidade já indicava um possível problema na reposição populacional futura. Na década de 1960, o aumento do número de crianças era apontado como um entrave ao desenvolvimento econômico. Hoje, a maior proporção de pessoas idosas é frequentemente retratada como uma ameaça à economia, com discursos que sugerem que o envelhecimento populacional pode levar à "quebra" do sistema previdenciário e comprometer a sustentabilidade da sociedade. Essas narrativas, muitas vezes propagadas por gestores e veículos de comunicação, fomentam conflitos geracionais e perpetuam estereótipos. No entanto, tais afirmações têm pouca base científica e são amplamente influenciadas por interesses ideológicos.

Questionamento

Você já reparou como frequentemente falamos das pessoas idosas como se elas não tivessem mais futuro? Como discutido anteriormente, isso é apenas mais uma manifestação de idadismo.

Cada geração é formada por uma multiplicidade de outras gerações — tanto as passadas quanto as que estão por vir. Isso significa que somos, nós mesmos, constituídos de maneira intergeracional e interseccional. As pessoas idosas de hoje em dia nasceram entre 1960 e 1920, aproximadamente. Sendo assim, são pessoas idosas que na sua juventude não tiveram internet, não existia direito ao divórcio, em alguns países a discriminação às pessoas negras era exacerbada a tal ponto que nem podiam se sentar no ónibus.

Citação

"A forma pelo que respondemos "não somente pelo que ocorre hoje, mas tanto pelo passado (e aqui lembramos da banalização do horror da ditadura, ou da escravidão) quanto pelo futuro (e aqui pensamos que as gerações futuras talvez não tenham uma terra habitável) diz da responsabilidade que cada geração tem com as outras por vir."

Oliveira e Mazuchelli, 2021, p.44.

Como exemplo, vamos falar do caso das mulheres negras brasileiras, retirado do livro "Interseccionalidade", de Collins e Bilge (2020). Em 1975, mulheres negras brasileiras apresentaram o Manifesto das Mulheres Negras, destacando as intersecções de gênero, raça e sexualidade em suas vidas, desafiando a ideologia da democracia racial que negava a opressão racial no país. Nesse movimento, um aspecto fundamental foram os laços intergeracionais:

Citação

“As constantes críticas das feministas negras à democracia racial e a defesa das necessidades das mulheres negras forneceram a base para a nova geração de ativistas organizar o Festival Latinidades. Esses laços intergeracionais dentro do movimento social permitiram às negras mais jovens lançar luz sobre as conexões entre gênero, raça e classe expostas inicialmente pelas redes intergeracionais de ativistas feministas negras.”

Collins e Bilge, 2020, p. 42.

A invisibilidade e/ou ausência da velhice como determinante da desigualdade nos movimentos sociais é relativamente frequente. Por isso, é fundamental que movimentos feministas, movimento negro, de migrantes, entre outros, deem abertura e destaque ao idadismo que se sofre no curso de vida e, especialmente, na velhice. Promover a troca de experiências e saberes entre diversos atores sociais, como líderes comunitários, acadêmicos, estudantes e artistas, além de enriquecer o ativismo das pessoas idosas ajudariam a reforçar a perspectiva coletiva e intergeracional.

Questionamento

É possível combater o idadismo ignorando os outros "ismos"?

O idadismo tem características que o difere do racismo, machismo e do capacitismo, inicialmente porque é uma condição pela qual todos podemos passar, de forma mais explícita, independente de nossa idade cronológica. Mas, como vimos anteriormente, a presença do idadismo não diminui ou anula outros preconceitos, outros "ismos". Imagine as seguintes situações:

1 - Uma mulher idosa chega para comprar peças de automóveis em uma loja mecânica e o atendente diz que aquilo não é lugar para mulher, muito menos idosa
2 - Um idoso negro que é mal atendido no cabelereiro porque a escolha de seu corte é vista como não adequada para sua idade, gênero e raça.
2 - Uma idosa cadeirante que sequer pode entrar na universidade para estudar porque a acessibilidade do local não a contempla.

Questionamento

O que será que podemos fazer em situações como estas?
Combatê-las, sem dúvida!

Contudo, em nenhuma das situações seria possível medir até que ponto essas atitudes são racistas, machistas, capacitistas ou idadistas. Por isso, é essencial adotarmos um olhar interseccional, que articule esses "ismos". Estar atento a essas interações é de extrema importância. Existem diferentes formas de se combater o idadismo sem renunciar à interseccionalidade e nem da intergeracionalidade. Podemos destacar como caminhos:


Educação

Por ser um tema sem a devida visibilidade e que muitas vezes passa até como despercebido.


Denúncias

Realizadas através das políticas e das leis existentes.

Para exemplificar caminhos possíveis de combate ao idadismo, passaremos a relatar algumas vivências do projeto de extensão universitária "Observatório do Idadismo", formado por docentes, discentes e profissionais de saúde e da educação e coordenado pelos autores deste texto:

1 - Oficinas de formação anti-idadista da residência multiprofissional da Universidade do Estado da Bahia

A oficina consistiu em uma série de atividades, destacando-se a proposta em que os participantes foram convidados a desenhar uma pessoa idosa em folhas fornecidas pelos organizadores, com o mote centrado no seu próprio envelhecimento. Os desenhos criados foram expostos em um varal, permitindo que cada residente visualizasse as semelhanças e diferenças entre os desenhos. Essa atividade toca em um aspecto crucial do trabalho interseccional, pois o questionamento dos estereótipos sobre a velhice, revelados nos desenhos, valoriza os percursos de vida singulares, reconhecendo a diversidade que nos constitui. Assim, ela nos ajuda a refletir sobre o que se considera uma velhice ‘típica’. Para aprimorar essa atividade, pode-se usar giz de cera com cores que representem diferentes tons de pele, como mostrado na foto abaixo, incentivando uma discussão sensível e respeitosa sobre a diversidade étnico-racial nas diversas idades. Vale ressaltar que promover a educação antirracista vai além da oferta de materiais; esses recursos podem ser aliados poderosos em discussões coletivas sobre a temática.

Minha Imagem

Fonte: Acervo pessoal do Observatório do Idadismo

2 - Oficinas de confecção de fantoches realizada em grupos de pessoas idosas

Em um grupo de pessoas idosas na cidade de Salvador, composto principalmente por mulheres negras, estudantes extensionistas do Observatório do Idadismo, majoritariamente discentes da Universidade Federal da Bahia, conduziram uma oficina de confecção de fantoches. Durante a oficina, as idosas puderam fazer escolhas sobre a identidade de seus fantoches, incluindo vestimentas, adereços, nomes, cores, entre outros detalhes. O resultado foi a criação de fantoches com diferentes idades e gêneros, constituindo uma rica atividade de encontro intergeracional que possibilitou a discussão sobre as representações expressas nos fantoches, muitos dos quais retratavam figuras negras e jovens. A surpresa dos extensionistas diante da confecção de fantoches com piercings no nariz ou de fantoches transgêneros também revela uma certa ideia estereotipada sobre as escolhas que seriam possíveis para as idosas, desafiando concepções limitantes sobre o envelhecimento e identidade.

Minha Imagem

Fonte: Acervo pessoal do Observatório do Idadismo.

3 - Produção de cartilha em parceria com a Defensoria Pública do Estado da Bahia

A cartilha intitulada "A idade não é um problema, o idadismo sim" oferece informações valiosas, incluindo dados demográficos, conceitos essenciais, orientações sobre como identificar o idadismo e evitar comportamentos idadistas, além de sugerir formas de enfrentamento e oferecer instruções sobre o que fazer caso você seja vítima de discriminação etária. Aproveitando o tema, você já pensou em como a Defensoria Pública pode contribuir para a educação e as denúncias relacionadas ao idadismo? A cartilha está disponível em versão digital no site da Defensoria Pública do Estado da Bahia e pode ser acessada gratuitamente clicando na imagem a seguir:

Minha Imagem

Fonte: Defensoria Pública do Estado da Bahia.

Agora que você chegou Ao final desta aula, compreendendo a complexidade das trajetórias de vida e as diversas interações entre os diferentes fatores sociais, culturais e históricos, é importante refletir sobre como essas questões podem ser aplicadas em sua prática profissional. Você pode pensar em como atividades intergeracionais e interseccionais podem ser desenvolvidas para promover um ambiente mais inclusivo e respeitoso, levando em consideração as diversidades de experiências entre as pessoas.

Quais estratégias podem ser adotadas para integrar diferentes gerações, respeitando suas vivências, aprendizados e necessidades específicas? Como é possível reconhecer as diversas interseções de identidade – como gênero, classe, etnia, idade, entre outros – e trabalhar para garantir que todas as vozes sejam ouvidas e respeitadas, sem reforçar estereótipos ou desigualdades?

Além disso, de que maneira sua atuação pode sensibilizar e envolver a comunidade, criando espaços de troca e reflexão sobre temas como idadismo, capacitismo e outras formas de discriminação? Como educar e mobilizar tanto profissionais quanto o público em geral para uma compreensão mais ampla e empática das diversas realidades que moldam o envelhecimento?

Essas questões são fundamentais para uma atuação mais transformadora, que promova um envelhecimento digno e saudável para todas as pessoas, independentemente das suas condições, e que incentive a construção de um futuro intergeracional e mais equitativo para todos.



Exercício de Fixação

1. O que significa o conceito de interseccionalidade?

2. Qual é um exemplo de idadismo interseccional?

3. Qual das opções abaixo é uma prática que combate o idadismo?

4. A responsabilidade intergeracional pode ser definida como:

5. De acordo com o módulo, o capacitismo pode ser descrito como: