Compreender o conceito de interseccionalidade e sua relação com a desigualdade social; | |
Analisar criticamente visões homogeneizantes sobre o
envelhecimento; |
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Compreender a importância de valorizar os percursos singulares das múltiplas velhices. |
Já reparou como as propagandas nas redes sociais e na TV passam a ideia de que todo envelhecimento segue um mesmo padrão associado ao chamado “envelhecimento bem-sucedido” quando querem vender produtos de beleza? Enquanto quando se fala de crise econômica e fiscal passam a imagem de pessoas idosas doentes que representam uma carga.
Até mesmo quando conversamos informalmente, com familiares, amigos e colegas de trabalho, temos o costume de fazer afirmações generalizantes sobre o que é ser uma pessoa idosa. Mas será que envelhecemos da mesma forma?
A diversidade muitas vezes é ocultada por estereótipos, generalizações ou até pelo silenciamento. No entanto, cada pessoa tem uma trajetória única, moldada pelas condições históricas de seu tempo e espaço. Nossas vidas não são definidas apenas por escolhas individuais, mas também por fatores como cor, gênero, sexualidade, local de nascimento e classe social. Compreender essa multiplicidade de trajetórias na velhice e como essas condições se entrelaçam é essencial para reconhecer a complexidade e as diferentes formas do idadismo.
São muitos os caminhos.
Fonte: Autoria própria
Em uma reportagem publicada pela revista CEBES em 2023 – O Brasil e o direito de envelhecer com dignidade, Dalia Romero, ao aplicar o conceito de Simone de Beauvoir, destaca que a velhice, assim como a condição feminina, é uma construção cultural e não apenas um fenômeno biológico. Nesse sentido, a sociedade impõe à velhice uma condição de impotência, da mesma forma que historicamente fez com as mulheres. Submetida à alienação social, a velhice passa a ser percebida como um problema para a humanidade e uma condição indesejável aos olhos do mundo.
Para enfrentar o idadismo associado ao machismo, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou, em 2024, a campanha “Respeito a todas as fases da vida”. A iniciativa busca conscientizar a sociedade sobre o preconceito e as diversas formas de violência contra pessoas idosas. Além de abordar pautas comuns a todos, a campanha chama a atenção para desafios específicos enfrentados pelas mulheres idosas, como a sobrecarga acumulada ao longo da vida e a pressão estética para manter a juventude. As ações ocorreram ao longo de todo o mês de junho, em referência ao Junho Violeta, movimento de conscientização sobre a violência contra a pessoa idosa.
Clique aqui e conheça o Programa lançado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, sobre como o idadismo afeta a vida das mulheres idosas.
Por outro lado, existem desvantagens específicas associadas ao envelhecimento masculino. Vejamos alguns exemplos:
Esses fatores sugerem que o machismo estrutural não apenas afeta negativamente as mulheres, mas também prejudica o envelhecimento dos homens, limitando seu acesso ao autocuidado e aumentando sua vulnerabilidade a problemas de saúde evitáveis.
Diante disso, podemos realmente dizer que homens e mulheres envelhecem sob as mesmas condições e pressões?
As desigualdades de gênero impactam diretamente a trajetória de envelhecimento das mulheres, enquanto os homens também enfrentam desafios específicos que moldam suas experiências ao longo da vida.
O envelhecimento, portanto, não é um processo uniforme, mas sim um fenômeno influenciado por múltiplos fatores sociais, culturais e econômicos. Reconhecer essas diferenças é essencial para compreender a complexidade do envelhecer e combater as desigualdades que o atravessam.
Mas, para entender como as dinâmicas de um sistema patriarcal afetam diferentes gêneros, é fundamental recorrer ao conceito de interseccionalidade.
A interseccionalidade é uma abordagem que analisa como diferentes formas de discriminação e opressão se sobrepõem, afetando indivíduos e grupos de maneira complexa. Em vez de tratar categorias sociais isoladamente (como raça, gênero, classe e idade), essa perspectiva considera como essas identidades interagem, moldando experiências e ampliando desigualdades.
Portanto, é essencial entender o que significa desigualdade. De modo geral, trata-se da diferença no acesso a recursos, oportunidades e direitos entre indivíduos ou grupos. Essas disparidades ocorrem em diversas áreas, como renda, educação, saúde, gênero e raça, impactando diretamente a qualidade de vida das pessoas e o equilíbrio da sociedade
Podemos pensar na desigualdade como uma balança que, em vez de garantir acesso a recursos distintos de maneira equilibrada, pende para um lado ou para outro, privilegiando alguns grupos historicamente favorecidos em detrimento de outros.
O ponto central é perceber como essas dificuldades geram diferenças significativas na qualidade de vida das pessoas, afetando aspectos essenciais como o acesso a moradia, alimentação adequada, educação de qualidade, trabalho digno e bem remunerado, além dos cuidados de saúde e bem-estar, entre outros. Essas desigualdades impactam diretamente as possibilidades de vida das pessoas.
A interseccionalidade nos permite ver as desigualdades de maneira mais abrangente, compreendendo como diferentes características sociais de uma pessoa – como gênero, raça, sexualidade e classe social – se cruzam e se sobrepõem, criando experiências únicas de discriminação ou privilégio. Essa perspectiva não só destaca as complexas formas de opressão, mas também busca desenvolver ferramentas para enfrentar as injustiças sociais e as estruturas de poder que perpetuam a desigualdade.
Vamos tomar o exemplo de uma mulher negra que enfrenta simultaneamente a discriminação racial e de gênero. Em ambientes de trabalho, ela é sub-representada em cargos de liderança e, frequentemente, alvo de comentários racistas e sexistas. Sua experiência é distinta daquela vivida por uma mulher branca, por um homem negro ou até mesmo por uma mulher trans negra, pois as interações entre suas identidades sociais – raça, gênero e outras – criam uma realidade única de opressão e exclusão. Essa sobreposição de discriminações não pode ser compreendida isoladamente, mas sim como uma intersecção de desigualdades que afetam diretamente sua trajetória de vida.
Vamos tomar o exemplo de uma mulher negra que enfrenta simultaneamente a discriminação racial e de gênero. Em ambientes de trabalho, ela é sub-representada em cargos de liderança e, frequentemente, alvo de comentários racistas e sexistas. Sua experiência é distinta daquela vivida por uma mulher branca, por um homem negro ou até mesmo por uma mulher trans negra, pois as interações entre suas identidades sociais – raça, gênero e outras – criam uma realidade única de opressão e exclusão. Essa sobreposição de discriminações não pode ser compreendida isoladamente, mas sim como uma intersecção de desigualdades que afetam diretamente sua trajetória de vida.
A desigualdade no envelhecimento também pode ser observada em dados, como os do relatório Envelhecimento e Desigualdades Raciais (CEBRAP, 2023). O estudo analisou as condições de envelhecimento ativo de pessoas com 50 anos ou mais em Salvador, São Paulo e Porto Alegre, avaliando 11 indicadores. Um deles, o bem-estar, considera a satisfação com a própria saúde, a realização de atividades cotidianas (como concentração e energia), além de fatores como sono, vida sexual e consumo de álcool e tabaco. Os dados revelam que:
No caso da sexualidade, uma pessoa LGBTQPIAN+ de classe econômica baixa pode enfrentar maiores dificuldades para acessar serviços de saúde e apoio social em comparação a uma pessoa de classe alta. As barreiras financeiras, junto à falta de sensibilidade e compreensão sobre questões de sexualidade e identidade de gênero por parte de profissionais de saúde, frequentemente resultam em cuidados inadequados e em discriminação. Outro exemplo pode ser observado nas experiências de jovens de comunidades indígenas, que enfrentam desafios únicos relacionados à discriminação por sua etnia e à marginalização por sua idade. Esses jovens muitas vezes são vistos como menos capacitados ou têm suas opiniões desconsideradas em contextos educacionais ou profissionais, o que agrava a exclusão social e econômica. Esse duplo estigma, baseado tanto na juventude quanto na etnia, dificulta o acesso desses indivíduos a oportunidades e serviços essenciais, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade e desigualdade.
Esse cenário destaca como a interseccionalidade da classe social e da identidade sexual pode agravar a vulnerabilidade dessa população, tornando seus direitos e necessidades ainda mais invisíveis e negligenciados. Mas antes de finalizar este tópico sobre interseccionalidade, consideramos fundamental discutir uma questão muito importante!
Você sabe o que é capacitismo?
O capacitismo pode ser entendido como uma forma de opressão que reduz o indivíduo à suposição de incapacidade, baseada na crença de que pessoas com deficiência não conseguem realizar determinadas atividades por possuírem corpos ou mentes que fogem do padrão considerado normativo. Essa perspectiva ignora a diversidade das experiências e habilidades dessas pessoas, além de reforçar barreiras sociais e estruturais que dificultam sua plena participação na sociedade.
" O capacitismo diz respeito a uma rede de crenças, processos e práticas em que corpos com características diferenciadas daqueles considerados normais são marginalizados, pois a deficiência, é apresentada como um estado diminuído do ser humano."
Campbell, 2008.
Ao considerar a distribuição etária da população com deficiência, conforme gráfico abaixo, nota-se que há aumento desse percentual com o avançar da idade. No Brasil, em 2022, havia 47,2% de pessoas de 60 anos ou mais de idade dentre as pessoas com deficiência, sendo que neste mesmo grupo etário, o percentual foi de 12,5% para as pessoas sem deficiência (IBGE, 2022).
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2022.
Isso nos leva a refletir sobre duas questões:
1 - O envelhecimento das pessoas com
deficiência;
2 - O fato de que muitas pessoas podem adquirir
alguma deficiência ao envelhecer.
A alta prevalência de deficiências entre pessoas idosas pode reforçar tanto o idadismo quanto o capacitismo, ao se presumir, por exemplo, que envelhecer significa perder autonomia ou que toda pessoa idosa com deficiência é incapaz. No entanto, como mostra a imagem acima, a deficiência não está restrita à velhice – ela pode estar presente em qualquer fase da vida e faz parte da trajetória de muitos brasileiros.
A relação entre idadismo e capacitismo ajuda a entender, como aponta a pesquisadora Silke van Dyk (2016), porque não estamos testemunhando uma “reavaliação geral da velhice”. Pelo contrário, pessoas idosas que necessitam de cuidados são ainda mais marginalizadas e alvo de estereótipos negativos. Isso reforça a importância de compreendermos a interseccionalidade ao analisar as desigualdades no envelhecimento.
Para saber mais sobre capacitismo, veja a cartilha intitulada Guia de Combate ao Capacitismo, lançado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2023).
A interseccionalidade nos oferece uma abordagem mais ampla para analisar as desigualdades, considerando as diversas dimensões das identidades e como elas se entrelaçam ao longo das trajetórias de vida. Compreender essas interseções é essencial para o desenvolvimento de políticas e práticas de saúde mais eficazes e justas, que atendam de maneira adequada às necessidades de diferentes populações. Além disso, a interseccionalidade nos proporciona uma oportunidade valiosa para entender e enfrentar as desigualdades de maneira mais profunda, o que será abordado com mais detalhes na próxima aula.