
Aula 2
Pré-eclâmpsia precoce e tardia
Introdução
Considerando que a pré-eclâmpsia é a condição clínica associada à maior causa de morte materna no Brasil (hipertensão), é importante que ocorra um detalhamento de sua apresentação, que é relacionada à sua época de instalação.
Diante do diagnóstico de pré-eclâmpsia, é fundamental que a equipe multiprofissional vá além do controle da pressão arterial. A pré-eclâmpsia é uma condição multissistêmica, com fisiopatologia ampla e progressiva, que só se resolve com o parto. Mantenha um olhar atento para os diversos sistemas afetados e acompanhe a evolução clínica com atenção.
Apesar de na pré-eclâmpsia a hipertensão geralmente surgir apenas após a vigésima semana, essa condição se inicia muito cedo, desde a invasão trofoblástica, que foi deficiente. Essa situação interfere nos resultados do parto e do puerpério e, como é sabido, apresenta repercussões de longo prazo na vida da mulher, o que impõe a necessidade da compreensão de que essa é uma doença que tem expressão clínica crônica, heterogênea e sistêmica.
> Complexidade clínica e desafios do diagnóstico
Devido ao caráter dinâmico da pré-eclâmpsia, sua expressão realmente é um desafio para a prática clínica, sendo por vezes realmente difícil “enquadrar” a expressão clínica em um modelo único e realmente prevermos com exatidão a evolução do quadro.

A pré-eclâmpsia pode se manifestar de formas diferentes, e uma das classificações importantes considera a idade gestacional no momento do diagnóstico:
- Quando ocorre antes das 34ª semanas, é chamada de pré-eclâmpsia precoce.
-
Quando ocorre a partir da 34ª semana, recebe o nome de pré-eclâmpsia tardia.
Essa distinção é relevante porque a forma precoce costuma estar associada a maior gravidade e riscos materno-fetais.
O percurso inicial na literatura foi a partir de uma publicação do professor Dekker, que categorizou achados clínicos e laboratoriais diferentes associados à idade gestacional, como maior ocorrência de trombose vascular, coagulopatia e hipercoagulabilidade nas mulheres que desenvolveram pré-eclâmpsia antes de 34ª semana. Ele foi o primeiro a apoiar o termo “pré-eclâmpsia precoce” e propôs, desde essa época, um aconselhamento específico para essas mulheres.
Impactos clínicos da pré-eclâmpsia precoce
Compreendida dessa maneira (precoce e tardia), reconhece-se que a expressão da pré-eclâmpsia que acontece mais precocemente acomete de maneira mais intensa o produto da concepção, provocando:

Restrição de crescimento fetal

Maior morbimortalidade perinatal

Acidemia
Embora ambas tenham vias finais comuns, existe redução de fluxo uteroplacentário, sendo comuns disfunção endotelial, hemólise, aumento de mediadores inflamatórios e ativação de neutrófilos. Lembrando a preocupação inicial de recomendar às equipes que não se atenham apenas à condição de hipertensão induzida pela gravidez, mas que existe uma expressão clínica mais ampla relacionada à pré-eclâmpsia.
É de conhecimento que não existem duas causas placentárias para a pré-eclâmpsia, mas existe um predomínio de situação da patogênese em cada uma delas, podendo ser encontrada a perfusão placentária normal e um estresse oxidativo da interface placentária no sinciciotrofoblasto. Perceba as diferenças de cada situação da patogênese:
Predomina má placentação, provavelmente uma condição extrínseca a toda fisiopatologia.
Ocorre “superlotação” das microvilosidades, fazendo com que atinjam limites funcionais. Para essa situação é muito importante a condição prévia da gestante, como o antecedente de pressão arterial crônica. Supostamente, todas as gestantes irão progredir para pré-eclâmpsia a partir dessa condição de “superlotação” das microvilosidades, mas o parto frequentemente intercepta essa evolução.
A pré-eclâmpsia precoce é menos frequente, porém mais grave para a mãe e o feto. A principal mensagem para a prática clínica é que mulheres com pré-eclâmpsia abaixo da 34ª semana provavelmente apresentam desfechos mais desfavoráveis, principalmente se abaixo de 24ª semanas. Essas situações cursam com elevada mortalidade materna e perinatal, aumento da ocorrência futura de hipertensão arterial crônica, assim como predição positiva para cardiopatia isquêmica.
Coorte americana envolvendo 670.120 partos ocorridos entre os anos 2000 e 2008 revelou uma taxa geral de pré-eclâmpsia de cerca de 3% e o impacto na morbimortalidade relacionado ao diagnóstico de pré-eclâmpsia precoce e tardia, comparado a mulheres sem pré-eclâmpsia.
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Diferenças hemodinâmicas e placentárias
O perfil hemodinâmico das pré-eclâmpsias precoce e tardia também é diferente. A precoce se caracteriza por baixo débito cardíaco e alta resistência vascular periférica, enquanto na tardia o débito cardíaco pode estar aumentado e a resistência vascular periférica é variável.
Além do momento do diagnóstico, a pré-eclâmpsia precoce e a tardia apresentam perfis hemodinâmicos distintos:

Pré-eclâmpsia
precoce
É marcada por baixo débito cardíaco e alta resistência vascular periférica.

Pré-eclâmpsia
tardia
Pode apresentar débito cardíaco aumentado e resistência vascular periférica variável.
Essas diferenças refletem mecanismos fisiopatológicos distintos e podem influenciar a abordagem clínica.
Está bem caracterizado o dano placentário da pré-eclâmpsia precoce, que, em comparação à pré-eclâmpsia tardia, apresenta diminuição do tamanho da placenta, presença de mais infartos, bem como maturação inapropriada.
Os biomarcadores que identificam angiogênese e antiangiogênese em mulheres portadoras de pré-eclâmpsia apresentam desequilíbrio maior, mais importante em quadros de pré-eclâmpsia precoce.
A literatura atual recomenda que a pré-eclâmpsia seja compreendida como um conjunto de subtipos e não como uma única condição com causa comum.
Por exemplo:
- A pré-eclâmpsia a termo, mesmo sem restrição de crescimento fetal, aumenta em pelo menos duas vezes o risco cardiovascular futuro.
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Já a pré-eclâmpsia precoce está associada a um aumento de pelo menos dez vezes nesse risco.
Podemos utilizar como exemplo e estímulo para essa filosofia a adoção da classificação do diabetes em diabetes tipo I e tipo II. Essa classificação foi útil para o delineamento de estratégias específicas de melhor atendimento ao paciente com diabetes. Sendo assim, isso também é atualmente sugerido para a melhor prática assistencial na pré-eclâmpsia.
Publicações que classificam e distinguem os subtipos de pré-eclâmpsia em precoce e tardia apontam diferenças importantes em suas origens e consequências:
Essas distinções ajudam a compreender os diferentes perfis de risco e a planejar um cuidado mais adequado.
Concluindo, é extremamente importante que as equipes estejam classificando a síndrome hipertensiva, principalmente a pré-eclâmpsia em suas formas precoce e tardia, visando individualizar o cuidado diagnóstico e a profilaxia. Além disso, durante o atendimento de mulheres hipertensas, devemos sempre nos atentar para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, incluindo de seus subtipos.
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