Decorative shape left

Assistência
ao parto:

ênfase nas distocias e
principais causas de
morbimortalidade materna

Capa das páginas do curso Campus Virtual

Módulo 4 | Infecções no ciclo grávido puerperal

Decorative flowers

Aula 2
Malária na gestação: epidemiologia, diagnóstico e manejo

Introdução

A malária é uma doença infecciosa febril aguda causada por protozoários do gênero Plasmodium e transmitida pelo mosquito vetor do gênero Anopheles. A malária é um grave problema de saúde pública no mundo, principalmente em países tropicais e subtropicais, com grande impacto na morbimortalidade.

No ano de 2022 ocorreram 249 milhões de casos novos de malária no mundo, representando um aumento de 5 milhões em relação a 2021. O continente africano foi o mais afetado. Veja:

Infográfico
Fonte: Campus Virtual Fiocruz (2025).

Agora, veja os dados deste mesmo ano no Brasil:

Infográfico
Fonte: Campus Virtual Fiocruz (2025).

Em relação aos óbitos por malária no Brasil, após uma série de reduções observou-se tendência de crescimento a partir de 2020, e nos dois anos seguintes foram registrados novos aumentos. Os óbitos ocorridos em 2022 representaram aumento de 37,8% em relação a 2021.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 17 países e um território estão atualmente em risco de malária nas Américas. Entretanto, Paraguai, Argentina, El Salvador e Belize foram certificados pela OMS como livres da malária nos anos de 2018, 2019, 2021 e 2023, respectivamente. Desde então, quatro países respondem por quase 80% de todos os casos:

Mapa de dados da OMS

Mapa de dados da OMS
Fonte: Campus Virtual Fiocruz (2025).

Nas Américas, 75% dos casos de malária são por Plasmodium vivax. Em 2022, foram notificados 89 óbitos entre indígenas, o que significou redução de 53% em comparação a 2010.

Agora que você já viu algumas informações e dados sobre a malária, vamos trazer um foco específico para este tema: falaremos sobre malária na gestação, que é uma condição de alta relevância clínica devido à sua associação com complicações maternas e fetais graves. No tópico a seguir esse tema será abordado com mais detalhes.

Malária e gestação

A malária na gestação se associa a anemia materna e a diversos resultados adversos, tais como:

  • Aborto ou parto prematuro.
  • Restrição do crescimento fetal e baixo peso ao nascer.
  • Infecção congênita.
  • Natimortalidade e morte neonatal.
  • Morte materna.

Invariavelmente, a morbimortalidade materna se relaciona à gravidade da anemia e/ou à malária grave. A prevalência em áreas endêmicas é habitualmente maior entre mulheres grávidas do que entre não grávidas, entre grávidas mais jovens, entre primigestas e secundigestas, e entre soropositivas (vírus da imunodeficiência humana). Também é mais comum no primeiro e no segundo trimestres da gestação.

Malária e gestação no Brasil

No Brasil, os maiores desafios em relação à malária na gestação são acesso a diagnóstico precoce e a tratamento adequado. Existe também maior vulnerabilidade de primigestas e adolescentes, com persistência de clusters endêmicos na Amazônia Legal. Outro desafio são as falhas na notificação e, consequentemente, no sistema de vigilância epidemiológica. Além disso, em nosso país é marcante a desigualdade de acesso aos serviços de saúde, principalmente em áreas remotas. Vamos ver alguns dados sobre a malária na gestação no Brasil entre 2004 e 2018.

Infográfico
Fonte: Campus Virtual Fiocruz (2025).

Transmissão da malária

A transmissão da malária ocorre por meio da picada da fêmea do mosquito vetor Anopheles, infectado por protozoários do gênero Plasmodium. Os criadouros do mosquito Anopheles são áreas de água limpa, quente, sombreada e de baixo fluxo.

Mosquito vetor Anopheles

Mosquito
Fonte: Freepik (2025)

As principais espécies de Plasmodium são:

O Plasmodium vivax é a espécie predominante. Infecta apenas reticulócitos, raramente está associado a sequestro placentário e se relaciona menos a resultados maternos e fetais adversos graves.

O Plasmodium falciparum é a espécie mais agressiva e associada a complicações graves. Ele tem a capacidade de invadir as hemácias em todas as suas fases de maturação, associando-se a níveis especialmente elevados de parasitemia, sequestro placentário e sequelas maternas e fetais graves.

O Plasmodium malariae habitualmente não se associa a gravidade durante a gestação.

O Plasmodium ovale é restrito à África, e não se associa a gravidade materna.

Já o Plasmodium knowlesi é de ocorrência rara na gravidez.

A transmissão materno-fetal da malária ocorre predominantemente por via placentária, principalmente a espécie Plasmodium falciparum. A transmissão congênita é rara. O Plasmodium falciparum se acumula na placenta, na qual os eritrócitos infectados aderem a receptores específicos (sulfato de condroitina A), ocasionando inflamação e danos placentários. Esse processo de adesão e inflamação resulta em depósitos perivilosos de fibrina e infiltração de células imunes, comprometendo a troca materno-fetal. A transmissão transplacentária ocorre na vigência de alta densidade de parasitas no sangue periférico materno e na placenta, o que aumenta a probabilidade de parasitemia no cordão umbilical do recém-nascido. A presença de parasitas no sangue do cordão umbilical está mais associada a recém-natos do sexo masculino, parto prematuro e alta densidade parasitária no sangue materno e na placenta.

Quadro clínico

A maioria das infecções por malária durante a gestação são assintomáticas. Entretanto, a infecção em grávidas impõe risco de anemia materna e parasitemia placentária, aumentando a incidência de restrição do crescimento fetal intrauterino e/ou de parto prematuro.

As manifestações clínicas da malária são inespecíficas e variáveis. Praticamente todos os indivíduos não imunes apresentam febre. Outros sintomas frequentes incluem:

Calarios
Calafrios e suores
Cefaleia
Cefaleia
Mialgias
Mialgias
Fadiga
Fadiga
Náusea
Náusea e vômitos
Dor abdominal
Dor abdominal e diarreia
Icterícia
Icterícia
Tosse
Tosse

Na malária grave a sintomatologia (critérios de gravidade da OMS) evolui com:

  • Alterações do estado de consciência.
  • Prostração.
  • Convulsões.
  • Anemia grave (Hb < 7 g/ dL; Ht < 20%).
  • Insuficiência renal aguda (creatinina > 3 mg/ dL).
  • Icterícia (bilirrubina total > 3 mg/ dL).
  • Hipoglicemia.
  • Acidemia.
  • Edema agudo de pulmão.
  • Choque hipovolêmico.
  • Sufusões hemorrágicas.
  • Hiperparasitemia.

A definição da OMS de malária grave por P. falciparum inclui hiperparasitemia, considerada como parasitemia > 10%.

Diagnóstico da malária na gestação

Gestantes residentes em áreas endêmicas e apresentando febre de qualquer intensidade são sempre suspeitas de malária. Outros sintomas frequentes, como você já viu no tópico anterior, que justificam suspeição são mialgia, fadiga, náuseas, dor abdominal, vômitos e diarreia.

Algumas gestantes evoluem com maior gravidade e apresentam síndromes febris hemorrágicas e icterícia. Em áreas endêmicas, o exame de gota espessa deve ser realizado durante todas as consultas de pré-natal, incluindo as gestantes assintomáticas. A partir de 2024 este exame passou a ser implementado também na Região Amazônica.

O exame da gota espessa é um esfregaço de sangue periférico. Trata-se de um exame diagnóstico simples, eficaz e de baixo custo, oferecendo o resultado em uma hora. Possui a vantagem de ser qualitativo e quantitativo, portanto capaz de diferenciar as espécies de Plasmodium, o estágio de evolução do parasita e a densidade parasitária. É o método oficialmente adotado no Brasil e considerado padrão-ouro pela OMS. Os passos para sua realização são:

Fluxograma do exame da gota

Fluxograma do exame da gota
Fonte: Campus Virtual Fiocruz (2025).

Como falamos anteriormente, a densidade da parasitemia é habitualmente realizada por meio de esfregaço de sangue periférico. Em geral, quanto maior a densidade parasitária, maior a probabilidade de malária grave. A sensibilidade da microscopia óptica para detecção de infecção placentária é baixa. A sensibilidade da microscopia óptica, do teste rápido de antígeno e da reação em cadeia da polimerase (PCR) para o diagnóstico de malária são, respectivamente, 42%, 80% e 97%.

Testes de diagnóstico rápido para detecção de antígenos do Plasmodium (imunocromatográfico; RDTs) são ferramentas diagnósticas importantes em cenários endêmicos com recursos limitados, devendo ser prioritários em locais de difícil realização da microscopia óptica (distâncias, estruturas). Esses testes têm sido atualmente recomendados em decorrência de alta sensibilidade, facilidade de uso e rapidez no resultado (15 a 20 minutos). São exames apenas qualitativos, de modo que não oferecem densidade parasitária. O HRP2 é capaz de detectar o P. falciparum, enquanto o pLDH e o Aldolase detectam todas as espécies de Plasmodium.

Já os testes moleculares (PCR) são geralmente limitados a laboratórios de referência, principalmente para fins de pesquisa e investigações epidemiológicas.

Tratamento da malária na gestação

Uma vez que a malária se associa a complicações maternas e fetais graves, toda gestante infectada precisa ser prontamente tratada com um agente antimalárico eficaz, com foco em eliminar rapidamente a parasitemia. O ideal é a implementação de tratamento precoce, iniciado até 24 horas após o surgimento dos sintomas.

Na definição da terapia devem ser consideradas gravidade clínica, padrões de resistência epidemiológica e segurança do medicamento na gestação. Vale destacar que pacientes soropositivas podem apresentar aumento transitório da parasitemia com o uso de drogas antimaláricas.

A primaquina está contraindicada na gestação devido ao risco de hemólise fetal. As drogas e combinações seguras e recomendadas incluem terapias combinadas com artemesinina (TCA), hidroxicloroquina e cloroquina.

A malária gestacional por Plasmodium falciparum não complicada deve ser tratada em todos os trimestres com o esquema a seguir, que é o mais seguro na gestação.

Esquema para malária gestacional não complicada com TCA

Medicamento Esquema
Artemeter (20 mg) +
Lumefantrina (120 mg)


(Terapias combinadas com
artemisinina (TCA.))
3 dias 4 comprimidos
a cada 12h


(Uso após refeição completa ou
ingestão de leite integral.)
Fonte: FEBRASGO. Malária na gravidez. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, 2023. Adaptado por Campus Virtual Fiocruz (2025).

Malária gestacional não complicada e por Plasmodium vivax e ovale sensíveis a cloroquina deve ser tratada em todos os trimestres da seguinte forma:

Esquema para malária não complicada gestacional por Plasmodium vivax e ovale sensíveis a cloroquina

Medicamento Esquema
Hidroxicloroquina 400 mg/comprimido 1º dia: 800 mg (ataque) + 400 mg após 6h 2º e 3º dia: 400 mg/dia (24 e 48 horas após ataque).
Cloroquina 500 mg/comprimido 1º dia: 1000 mg (ataque) + 500 mg após 6h 2º e 3º dia: 500 mg/dia (24 e 48 horas após ataque).
Fonte: FEBRASGO. Malária na gravidez. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, 2023. Adaptado por Campus Virtual Fiocruz (2025).

As prescrições que você acabou de ver na tabela anterior necessitam de esquema de prevenção de recaída tardia (forma hepática quiescente da malária), a ser realizado com cloroquina, 5 mg/kg/dose semanal, durante a gestação e até o término do primeiro mês de lactação.

Já em casos de malária gestacional não complicada por Plasmodium vivax e ovale resistentes a cloroquina, o tratamento que deve ser realizado em todos os trimestres é o seguinte:

Esquema para malária não complicada gestacional por Plasmodium vivax e ovale resistentes a cloroquina

Medicamento Esquema
Artemeter (20 mg) + Lumefantrina (120 mg) 4 comp. a cada 12h, por 3 dias.
Outras TCA ou Quinino 3 vezes ao dia, por 3 a 7 dias.
Fonte: FEBRASGO. Malária na gravidez. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, 2023. Adaptado por Campus Virtual Fiocruz (2025).

Essas prescrições também necessitam de esquema de prevenção de recaída tardia com cloroquina, que você já viu neste tópico.

Em casos de malária grave, o tratamento deve ser definido por meio dos critérios de gravidade que você já viu nesta aula. Os casos graves de malária devem ser tratados com artesunato parenteral, em todos os trimestres, mantendo no mínimo 24 horas ou até a tolerância por via oral, e transitando para TCA após 24 horas.

Medidas gerais de prevenção devem ser incluídas no contexto do tratamento da malária, com o propósito de evitar reinfecções. Tais medidas incluem:

  • Evitar exposição ao mosquito Anopheles do crepúsculo ao amanhecer (possui hábitos noturnos).
  • Uso de redes mosquiteiras com inseticidas (permetrina).
  • Repelentes (NN- dietilmetatoluamida - DEET).
  • Controle de vetores.
  • Implementação de campanhas educativas.

Em áreas endêmicas, a profilaxia (“tratamento preventivo”) durante a gestação é indicada. Veja:

É recomendado sulfadoxina-pirimetamina a partir do 2º trimestre.

A recomendação é clotrimoxazol ou sulfametoxazol-trimetropina, a serem prescritos durante toda a gestação.

A profilaxia também se encontra recomendada para gestantes em viagem para área endêmica. Recomenda-se sulfato de hidroxicloroquina ou mefloquina (1 comp. 250 mg/ semana), iniciando-se uma a duas semanas antes da exposição e mantendo-se até quatro semanas após a última exposição.

Fim da aula

Nesta aula você revisou a epidemiologia, o diagnóstico e o manejo da malária na gestação. Foram apresentados os impactos global e regional dessa doença infecciosa febril aguda na morbimortalidade geral, e em particular na saúde materno infantil. Foram detalhados a transmissão, o quadro clínico, o diagnóstico e o tratamento. Ao final, a prevenção na gestação foi descrita com enfoque nas medidas gerais, na profilaxia medicamentosa e nas recomendações para viagens a regiões endêmicas.

Você concluiu esta aula, continue se empenhando nos seus estudos. Siga para a próxima aula!

Decorative flowers
Logo Poderosas UNFPA ILMD Campus Virtual Fiocruz Fiocruz Government logos